Começo por afirmar que não acompanhei este caso de início. A minha desilusão com o atual estado da comunicação social faz com que leia poucas notícias e, quando o faço, é com um cepticismo inicial. Mas coloquei no motor de busca “abusos sexuais na Igreja“ e apareceram uma infinidade de notícias. Cingi-me aos jornais mais lidos em Portugal: “Depois da revelação dos abusos sexuais, já há quem tenha pedido para anular batismo” e “Qual é a diferença entre pedofilia e abusos sexuais de menores? O que distingue um abusador de um pedófilo?” e “Críticas à Igreja aumentam e nem entre os padres há consenso” e “Igreja não vai indemnizar as vítimas de abusos sexuais”. Seria ‘insultuoso’, diz Manuel Clemente”. E cada notícia destas com pouco texto mas manchetes explícitas e opiniões de ditos especialistas. Dar uma vista de olhos nas redes sociais e caixas de comentários pode ser um exercício penoso e neste caso ainda mais, tal o número de opiniões acusativas e insultos. O que é que um português independente deve então fazer para saber realmente o que se passa? Ler o afamado relatório da afamada Comissão. Parece simples, é óbvio e foi o que fiz a seguir.
Quando começo a focar-me no texto, vejo que no meio dos seus autores há uma cineasta e pergunto-me qual o sentido. Mas não me distraio e volto ao objetivo, sendo que logo me apercebo que é um estudo científico para, e cito, “construir uma tipologia de contextos de abuso, associados a perfis-tipo de pessoas vítimas e pessoas abusadores.” Certo, então não estamos perante “uma equipa de investigação criminal” e há apenas 34 depoimentos diretos e mais 14 considerados fundamentais. O total de testemunhos foram 512, portanto mais de 90% foram feitos anonimamente pela internet, respondendo a um inquérito. Nada de anormal numa investigação científica com o propósito de conhecer tipologias de contextos e perfis. A própria comissão realça que “vários dos casos seriam praticamente insuscetíveis de investigação, por falta de dados relevantes ” e ainda que “não age dentro do estatuto de sujeito processual, não apresentando, tecnicamente, qualquer denúncia, mas sim como elemento de ligação” e por isso foram “remetidos para o Ministério Público 25 testemunhos”. Faz todo o sentido, será esta a entidade que deverá fazer a investigação criminal e, caso seja necessário, levar os casos a tribunal. Nessa altura o juiz decidirá, depois de ouvir as partes – é o óbvio procedimento de um Estado de Direito.
Para além disso, devem ser feitos mais estudos deste género: é a ciência que faz a humanidade avançar. O relatório está disponível na Internet, no site da Comissão Independente, para todos lerem e é claríssimo. Então porquê a confusão entre investigação científica e criminal? Porquê extrapolar conclusões diferentes para um estudo cujo método foi apresentado para traçar perfis genéricos? Porque se fala em centenas ou milhares de casos de abuso em Portugal se a própria Comissão colocou “na base de dados 15 casos” documentados, validados na Justiça e recolhidos na imprensa? Porque é que a comunicação social se esqueceu neste caso e por tantas vezes do “alegados” antes do “abusadores sexuais”?
Agora vem a minha conclusão pessoal relativamente a tudo o que li. Mais uma vez, solidifica-se a minha certeza de que a grande maioria das pessoas não se preocupa com o que está para além das notícias. Têm uma opinião formada e querem apenas que esta seja validada. Lêem as manchetes e talvez as breves notícias com um ou dois parágrafos. Neste caso, quase toda a comunicação social revelou os seus ódios contra a Igreja Católica, sejam de origem ideológica ou luterana ou outra qualquer.
O que a comissão independente para os abusos sexuais na Igreja fez foi um estudo de investigação, não diligências criminais. Realce-se que dos mais de quinhentos testemunhos validados, apenas 6% foram através de entrevista. Se a comissão achou que de direito devia enviar vinte e tal testemunhos para o ministério público, muito bem. Agora confiamos na Justiça para tomar as diligências criminais para os 25 casos, investigar, levar a Tribunal e punir exemplarmente cada culpado. Repito: exemplarmente. É o que esperamos do nosso Estado de Direito: punir concludentemente os alegados abusadores ou inverter os papéis e acusar de denúncia caluniosa os acusadores. É simples.
Mais ainda, os excessos nas opiniões dos jornais por personalidades públicas (que têm o dever particular de ser cautelosas) deverão ser remetidas para o Ministério Público caso seja provado que são difamações graves e atentem contra a honra da Igreja como instituição ou de qualquer um dos seus elementos. E isto deve ser um alerta para os patetas de serviço nas redes sociais e caixas de comentários: têm liberdade, por isso utilizem-na de forma civilizada, urbana e proveitosa. É preciso ler e refletir antes de julgar (se alguém se achar no direito de julgar), é fundamental ir diretamente às fontes. E talvez seja a hora de falarmos seriamente sobre a qualidade e motivação da grande maioria da comunicação social, bem como a independência dos órgãos que a supervisionam.