Exmos. Senhores,

Tenho 27 anos, vivo no Porto e sou católica. Sinto-me impelida a escrever, ainda que saiba que esta carta poderá não chegar ao devido destino. Ainda assim: não posso deixar de o fazer.

Como todos os católicos, tenho assistido com profunda tristeza às revelações sobre os abusos sexuais de menores na Igreja. Como tão bem sabem, o sentimento de tristeza, de vergonha e de revolta é imenso. Infelizmente, é também com profunda desilusão que tenho assistido à vergonhosa gestão deste problema pela Conferência Episcopal Portuguesa/Patriarcado de Lisboa. Esta minha carta destina-se, assim, a estas duas entidades, dirigidas por D. José Ornelas e por D. Manuel Clemente, respectivamente.

  1. A Conferência Episcopal e o Patriarcado de Lisboa não têm assumido devidamente o problema. Trata-se de assumir. O discurso que têm adoptado tem sido um discurso defensivo. Quando é que entenderão que não estamos em posição de nos defender? Quando é que irão entender que não estamos em posição de arranjar desculpas e rodeios?
  2. A postura defensiva e pouco incisiva que a Igreja tem adoptado é insultuosa e revoltante. D. José Ornelas e D. Manuel Clemente representam a Igreja Portuguesa, mas eu não me sinto representada e a atitude e postura que têm assumido tem envergonhado grande parte dos católicos deste país. Para quê criar uma comissão independente para depois aos olhos de todos permanecer tudo na mesma?
  3. O afastamento preventivo dos alegados abusadores impera. É fundamental a suspensão dos suspeitos. E não se podem esquecer dos encobridores.
  4. O sentimento de impunidade envergonha todos os católicos e todo o país. O que tem sido comunicado pela Conferência Episcopal Portuguesa e pelo Cardeal Patriarca faz-nos crer que tudo ficará igual. É esta a mensagem que estão a passar. O discurso que tem sido adoptado não nos dá segurança, não nos faz acreditar que a Igreja quer agir em defesa e protecção, de forma inequívoca, das vítimas, não nos faz acreditar numa Igreja que quer ser vigilante e atenta.
  5. Precisamos de medidas concretas. O que é que a Igreja vai fazer às vítimas e que medidas preventivas vai empregar de futuro? Precisamos que comuniquem medidas concretas, acções específicas. Não se pode mais comunicar no abstracto. Para situações concretas, urgem medidas concretas. O esforço da Igreja relativamente a este assunto nunca será demasiado. Em tempos de crise, temos de estar dispostos a tudo dar, lutar e entregar. Façamo-lo pelas vítimas que sofreram e sofrem. Deus pede-nos uma acção concreta. Deus está aqui e está a chamar-nos ao concreto e ao real. Estamos à espera de quê? Que amarras, medos e fragilidades vos estão a imobilizar?
  6. O estilo de linguagem e de discurso que tem sido usado é ofensivo. Ponderem o que dizem, repensem o vosso discurso. Não nos podemos dar ao luxo de falhar nesta fase tão importante e determinante. Precisamos de estar alinhados com os nossos valores e os nossos valores cristãos não se coadunam com a impunidade, a negligência, o crime. Temos de ser assertivos, determinados, críticos.

A forma como comunicam, a mensagem que transmitem e a postura assumida: tudo tem falhado redondamente. As atitudes têm sido recorrentes. Se não estão a saber lidar com o problema, peçam ajuda, aconselhamento e direcção. A Igreja tem que, mais que nunca, sair da sua bolha. Precisamos de uma Igreja que é Igreja lá fora, que é Igreja fora dos Paços Episcopais, que é Igreja fora das suas altas hierarquias. Precisamos de uma Igreja que seja verdadeiramente Igreja. Precisamos que a Verdade habite o centro da nossa Igreja.

Sou uma entre muitos católicos que querem estar ao serviço da Igreja.

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