Foi ontem apresentado, na Assembleia da República, o Orçamento de Estado e desde então que se assiste a uma roda-viva de explicações, como se de um furo jornalístico se tratasse, em torno dos altos benefícios que todos os cidadãos portugueses vão ter.
Mas, e para sermos rigorosos, todo este frenesim é iniciado na véspera, com o Primeiro-Ministro António Costa a anunciar, com pompa e circunstância, e em pleno Domingo, a assinatura do “Acordo de Médio Prazo para Melhoria dos Rendimentos, dos Salários e da Competitividade” pelo Governo e parceiros sociais, com exceção da CGTP.
Não me vou deter sobre nenhuma medida em concreto deste Acordo, porque isso já foi largamente feito, mas apenas naquilo que parece ter sido o espírito que presidiu à elaboração do mesmo e que mais não foi do que delegar em terceiros os objectivos que deviam ser alcançados pelo Governo, em troca de uma compensação aos privados temerários que decidam aplicar tais medidas. Com isto, o que o Governo não conseguiu foi garantir o caráter universal da medida, ficando à mercê das vontades das entidades patronais. E se, tal como refere o texto do Acordo, a valorização salarial em Portugal divergiu assim tão significativamente do padrão médio europeu até 2015, e entre 2016-2019 o que recuperou, ainda assim, a deixou 3 pontos percentuais abaixo da média europeia, não se percebe como é que agora, em contexto altamente instável, se vai conseguir valorizar os salários em média 4,8% por ano, nos próximos quatro anos (2023-2026). Em tempos tão incertos impunha-se transparência, rigor e seriedade, ao invés de uma mão cheia de nada, porque o Governo não se comprometeu com nada!
Quanto ao Orçamento de Estado apresentado pelo Ministro das Finanças num PowerPoint cheio de gráficos e bonecos, não tem escapado a explicações diversas no sentido perceber o impacto das medidas que se propõem para 2023. Se as medidas forem aplicadas até à data de hoje temos um resultado, que não será o mesmo em Janeiro 2023, depois de acontecer, como é expetável, alterações quer na taxa de inflação, apoiada em fatores externos, quer nas taxas juro dos empréstimos ao crédito habitação. A interrogação que todos nós nos colocamos é entender se as medidas orçadas para 2023 estarão à altura do embate que vai significar dobrar o final do ano. Avaliando unicamente pela última atualização da tabela dos escalões de IRS, circunscrita a dois escalões, que no limite máximo abrangem os rendimentos anuais até aos 11.284€ percebe-se o investimento que o Governo não quis fazer. É manifesta a falta de coerência na transversalidade das medidas que toma: nos casos em que considerou haver perda de poder de compra e fez a atribuição de um subsídio único, considerou os titulares de rendimentos brutos mensais até 2.700€; nos casos em que se debruça na alteração das tabelas de retenção para 2023 – onde estarão impactados nos rendimentos os reflexos da galopante taxa de inflação de 2022 – considerou os titulares de rendimentos até brutos até 806€. Que douto critério preside a estas decisões? Não sabemos. O que sabemos é que nada faz para manter a classe média e que esta, de tão tributada, vê cada vez mais reduzidos os seus rendimentos líquidos. Se a ideia é acabar com ela, estão no caminho certo! E nesta linha também de pouco valem as medidas direcionadas aos jovens quando nada de auspicioso se lhes oferece para o futuro.
Não queremos afirmar, deixamos isso à consideração de cada um, mas parece-nos evidente que o Governo nivela por baixo ao mesmo tempo que vaticine um Portugal diferente para os próximos quatro anos. Aí Portugal onde vais parar?