Ter um animal a nosso cargo é uma responsabilidade acrescida no nosso atarefado dia a dia. Quando decidimos adotar ou comprar um cão, não estamos a trazer para nossa casa um simples figurante, mas sim um novo ator principal do lar que, a um ritmo vertiginoso, se tornará em mais um membro da família. Como tal, deverá ser tratado de forma consonante, independentemente do seu perfil.

No momento em que decidimos adotar um cão, é importante ter a consciência de que se trata de uma incógnita no que diz respeito às características e forma de ser do mesmo – não há dois iguais. Partindo da certeza de que o cão não foi criado no seio de uma ninhada controlada por um criador, é-nos automaticamente retirada a possibilidade de prever a sua futura personalidade. No entanto, quando chegamos ao local onde o vamos buscar, há certos sinais que nos podem ajudar a identificar um cão com medo. Orelhas marcadamente posicionadas para trás, tremores, foge quando nos aproximamos e encosta-se a cantos – todos eles são sinais óbvios de medo.

Apesar de adotar, por si só, ser um ato de grande nobreza, adotar um cão com medo é um tipo de desafio muito diferente – e que exige um grau de compromisso bem mais elevado. E o que é o medo? Não há propriamente uma definição exclusiva, mas, no caso dos cães, poderíamos caracterizá-lo como um estado emocional negativo em resposta a um estímulo, que limita, em maior ou menor medida, o seu bem-estar e conforto. Pode ser de vários tipos: medo de pessoas, medo de outros cães ou animais, medo de ruídos ou uma amálgama de medos em simultâneo.

Para que possa almejar a um futuro menos condicionado e mais risonho, é indispensável conseguirmos determinar a origem desta inibição, que pode ir desde a falta de socialização adequada – com pessoas e outros cães – a experiências traumáticas anteriores ou pode inclusivamente ser de foro genético: se considerarmos uma ninhada proveniente de cães assilvestrados que evitam o contacto com pessoas e vivem num meio relativamente isolado da civilização, é natural assumir que existe uma boa probabilidade de que os cachorros herdem esses mesmos traços de insegurança e desconfiança apresentados pelos progenitores.

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Ultrapassar (ou até mesmo atenuar) os medos é uma tarefa tão espinhosa para nós quanto é para os cães. Por esse motivo, é fundamental que nos aconselhemos junto de profissionais que nos dotarão de ferramentas essenciais para melhor compreendermos e amenizarmos esses medos. Com o apoio de profissionais qualificados, como é o caso de veterinários especializados em comportamento animal e de treinadores, estaremos mais perto de conseguir determinar a génese do problema.

A identificação da origem é essencial. Contudo, existem outras premissas que devemos seguir e aplicar. Depois de obter o acompanhamento especializado necessário, a evolução do cão dependerá diretamente da frequência com que aplicaremos os ensinamentos e exercícios de treino recomendados. O ideal será praticá-los todos os dias, no entanto, assumindo que tal possa estar desfasado da nossa realidade pessoal, teremos que, pelo menos, tentar sempre que nos for possível.

Não menos importante, haverá que estar consciente de que as regressões no comportamento poderão sempre acontecer, sendo que, com frequência, não seremos capazes de descortinar o motivo ou motivos que se escondem por detrás. A paciência é, neste caso, um requisito imprescindível que nos impedirá de sucumbir às inevitáveis frustrações que fazem parte deste percurso. Sabendo que a frustração poderá dar origem a reações mais desajustadas da nossa parte, é igualmente importante saber que castigar ou punir o cão por comportamentos indesejados não resulta. Algo que é corroborado pela American Veterinary Society of Animal Behavior (AVSAB) – e por diversos especialistas na área do comportamento animal – que declara que não devemos recorrer a esse método “devido aos potenciais efeitos adversos que incluem, mas não estão limitados a: inibição de aprendizagem, aumento do medo e de comportamentos agressivos, e lesões a animais e pessoas que interagem com animais”.

Adotar um cão com medo(s) é uma tarefa árdua, cravejada de avanços e retrocessos. Mas é também uma oportunidade única de criar vínculos inquebráveis com um animal que procura proporcionar, de forma incessante, momentos felizes aos seus donos. Paciência, perseverança, consistência e abraçar a necessidade de acompanhamento profissional são elementos indispensáveis para proporcionar uma vida mentalmente mais saudável e equilibrada aos nossos cães.