O que mais me tem impressionado nas manifestações dos professores é a capacidade de mobilização e a diversidade dos participantes. Para além dos professores em situação precária, que são quem tem mais capital, vemos também muitos professores em final de carreira, que já não têm muito a ganhar com estas greves. O caderno de reivindicações é muito vasto: a contagem do tempo de serviço para a progressão na carreira, as quotas para a progressão para os escalões 5º e 7º, as condições para a entrada na carreira, as regras de colocação. Mas ouvimos também queixas sobre a qualidade do ensino e as dificuldades com que os professores se debatem no dia-a-dia. E nas manifestações à porta das escolas vemos também pais e alunos.
Ou seja, esta manifestação e vaga de greves dos professores é muito mais abrangente e ambiciosa do que as anteriores, que tinham o rosto esgotado de Mário Nogueira da FENPROF. Esse facto por si só gera simpatia por este novo movimento, alargando a sua abrangência. Os professores conseguiram mobilizar-se e libertaram-se dos seus representantes anacrónicos.
Uma parte do mal-estar dos professores é comum a uma parte significativa da população, que desde meados da década de 1990 viu as suas ambições frustradas: carreiras e salários congelados durante muitos anos para uns; precariedade e falta de perspetivas para muitos outros que veem aproximar-se a idade da reforma e que durante a qual terão dificuldade em garantir uma pensão que lhes permita assegurar boas condições de vida.
No pós-25 de abril, a educação foi a grande esperança para transformar Portugal e para aproximar o seu nível de vida do dos países mais desenvolvidos. Esperava-se também que o acesso universal à educação gerasse a mais consensual das formas de justiça: a igualdade de oportunidades.
Durante muitos anos houve dúvidas sobre o retorno do elevado investimento do país em educação. No entanto, na última década os resultados foram-se tornando mais visíveis, quer em termos quantitativos quer em termos qualitativos. A escolaridade da população aumentou de forma extraordinária. Entre 1981 e 2021, a população com o ensino secundário ou superior aumentou de 7% para 45% (Censos, INE). Também em relação à qualidade do ensino há sinais positivos. Por exemplo, nos exames PISA – Programme for International Student Assessment da OCDE, em 2015 e 2018, os resultados dos estudantes portugueses na leitura, na matemática e nas ciências alcançaram os valores médios da OCDE. Embora os resultados destes exames mostrem também a persistência de profundas desigualdades entre os estudantes das classes socioeconómicas mais favorecidas e desfavorecidas, os resultados positivos alcançados pelo sistema educativo são inegáveis. Estes não teriam sido possíveis sem o trabalho e dedicação dos professores.
Na década de 1980, a carreira de professor, à semelhança da generalidade das carreiras do Estado, era bastante atrativa. Não só a profissão era prestigiada, como a evolução dos salários e as carreiras eram muito favoráveis quando comparada com a do setor privado. Estas condições, associadas à expansão do ensino superior, resultaram num enorme aumento da oferta de professores durante a década de 1990. Este excesso de oferta e a vontade dos professores em integrarem a carreira foi explorado pelo Estado. O resultado foi uma deterioração da sua remuneração e das condições de trabalho, gerando-se um progressivo e marcado afastamento em relação aos professores de carreira. Muitos professores submeteram-se a essa exploração pelo Estado, aceitando deslocar-se durante anos, ou durante um mesmo ano, de escola em escola a dezenas ou centenas de quilómetros do seu local de residência. Muitas vezes para ficarem com um horário incompleto, a ganhar uma miséria, sendo obrigados a suportar os custos das viagens e do alojamento. Era interessante saber quantos professores, que persistiram durante anos ou décadas no objetivo de entrar na carreira docente, têm filhos e/ou uma vida familiar estável.
Com a pandemia e o recurso ao teletrabalho, o Governo rapidamente legislou no sentido de imputar às empresas custos adicionais dos trabalhadores resultantes desse regime de trabalho. Como acontece em muitas outras situações, o Estado português impõe às empresas e aos cidadãos condições que ele próprio não respeita.
No entanto, nos últimos anos a relação de forças entre o Estado e os professores tem-se vindo a alterar drasticamente. Dezenas de milhares de alunos continuam sem aulas durante meses por não haver professores disponíveis. A degradação da carreira de professor afastou os estudantes universitários da docência. O corpo docente tem envelhecido de forma acelerada e prevê-se que nos próximos cinco anos 20% dos atuais professores se reformem, uma percentagem que aumenta para mais de 50% num horizonte de 10 anos.
Nada disto é novo para o ministro da Educação. João Costa está no ministério há 7 (sete) anos. No entanto, como acontece com muitos outros problemas estruturais do país, João Costa anda mais ocupado com questões ideológicas do que a procurar soluções para melhorar a vida dos professores e o funcionamento da escola pública. É também possível que o ministro da educação tenha acreditado que os professores, que já vivem há tantos anos nesta condição, aceitassem viver mal mais uns anos. Mas os professores, precários com 40 e 50 anos, mostraram que já não têm tempo para continuar a viver como habitualmente. Com as suas manifestações e greves, os professores mostraram que a Escola pública está viva e que os professores não desistiram de cumprir a sua missão.