A 16 de maio de 2016, António Costa garantia que “até as vacas podem voar”, durante o anúncio do programa de desburocratização administrativa Simplex+, um dos imensos programas de simplificação administrativa ineficazes. O mesmo primeiro-ministro, a 17 de setembro de 2021 — aquando da apresentação do Plano de Recuperação e Resiliência que prevê, novamente, uma parte substancial dos fundos europeus para a modernização e simplificação administrativa do Estado — defendeu que “o Estado tem de se libertar da burocracia”,.

António Costa promete o mesmo desde que foi ministro da Justiça no segundo governo de António Guterres (1999), enquanto ministro de Estado e da Administração Interna no primeiro governo de José Sócrates (2005) e nos dois mandatos dos seus governos enquanto primeiro-ministro. Sempre sem os resultados prometidos.

Infelizmente, não foi somente na pasta da modernização e simplificação administrativa que as vacas não voaram.

Na Saúde, António Costa substituiu um dos mais pragmáticos e racionais ministros do Portugal democrático, Adalberto Campos Fernandes, por uma das titulares da pasta com maior carga ideológica, ausência de sentido de compromisso e diálogo e que menos colocou os interesses dos utentes à frente de quaisquer outros. Marta Temido herdou a pasta da Saúde com reduções dos tempos de espera para consultas e cirurgias em relação ao período de intervenção internacional — sabendo que os Tempos Médios de Espera só se tornaram públicos por definição em agosto de 2011, nas primeiras semanas após a entrada da troika em Portugal. Condicionado pela pressão dos partidos à sua esquerda na promoção duma agenda crescentemente estatizante, o Partido Socialista de António Costa firmou com PCP e BE a Nova Lei de Bases da Saúde, a último prego no caixão dum Serviço Nacional de Saúde que a governação de esquerda foi progressivamente degradando nos últimos seis anos de governação.

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Nos últimos anos, o SNS tem assistido a uma degradação crescente na quantidade e na qualidade de prestação de serviços, com um esforço cada vez maior dos seus recursos humanos e com pouca ou nenhuma renovação dos meios técnicos e condições de trabalho. A capacidade de atração dos setores privado e social, não só a nível remuneratório mas em condições laborais, associada à maior pressão nos serviços estatais de saúde provocada pelas cativações milionárias de Mário Centeno nos Orçamentos de Estado aprovados pelo PS, PCP e Bloco de Esquerda e à redução da carga horária para quase todos os profissionais de saúde, sem capacidade financeira e de atratividade para reforço de recursos humanos, gerou a tempestade perfeita para o que viria a ser o colapso do SNS durante a pandemia da Covid-19.

Permitir aos utentes escolher o estabelecimento em que podem ser tratados dentro do setor público, a gestão privada de estabelecimentos públicos de saúde de acordo com contratos-programa desenhados, financiados e escrutinados pelo Estado, a permissão de outsourcing de consultas e cirurgias no setor público, privado e social quando se prevê a ultrapassagem dos Tempos Máximos de Resposta previstos foram reformas consensuais nos governos do PS e PSD/CDS dos últimos 15 anos e que permitiram colmatar, em parte, a degradação resultante da detioração da infraestrutura, subfinanciamento crónico e défice organizacional do Serviço Nacional de Saúde. O fim das PPPs na Saúde marcou a inversão deste caminho, do qual é exemplo maior o novo Hospital de Braga que, durante a gestão privada em regime PPP, foi dos centros terciários mais baratos para o contribuinte, com alguns dos menores tempos de espera da ARS Norte para consultas e cirurgias e com maior satisfação de utentes e trabalhadores.

Na formação médica, não só não existiu nenhuma reforma real do sistema que de facto limita quase exclusivamente a formação pós-graduada aos prestadores públicos de saúde, como o Governo promoveu ativamente pressões sobre reitorias de universidades públicas para a abertura de novas escolas médica e reforço nas vagas nas já sobrelotadas existentes. Não só tal atitude configura uma violação grave da independência das instituições do Ensino Superior, como não resolve — só agrava — o défice de formação pós-graduada (especialização médica) dos recém-formados em Medicina, criando mais uma despesa para o Estado sem que daí advenha qualquer melhoria da prestação de cuidados de saúde aos portugueses. Seis anos de governo de esquerda, e nada foi feito.

Na transparência e combate à corrupção, votou conta a implementação do Portal da Transparência para a gestão e aplicação dos fundos europeus, proposta pela Iniciativa Liberal em novembro de 2020, sendo que está em falta o relatório do mês de outubro do boletim mensal de aplicação dos fundos do PRR que vinha sendo publicado mensalmente desde agosto do presente ano. Outro exemplo está na (muito conveniente) falência parcial do portal BASE imediatamente após as Eleições Autárquicas de 2021, que impede o acesso aos anexos dos diversos contratos publicados por lei.

Na Educação, o fim dos contratos de associação com instituições de ensino Básico e Secundário dos setores privados e social colocou centenas de crianças em situações aberrantes, forçando-as a perder horas em transportes para escolas estatais a dezenas de quilómetros, quando existem escolas com ótima qualidade e formação educativa à porta de casa. Saíram, uma vez mais, prejudicadas as crianças de famílias de menores rendimentos ou de contextos socioculturais menos favoráveis. Que governo é este, que se diz de esquerda e pela igualdade, quando cria um fosso artificial entre crianças de famílias com e sem rendimentos próprios para suportar educação perto de casa?

Nas Infraestruturas, precisámos de esperar pelo presente ano para ver nascer um novo Plano Ferroviário Nacional, que ainda aguarda o fim da consulta pública até ao final do ano, putativamente sendo vertido em legislação apenas a partir de meados de 2022. Ao terreno, já sabemos que tardará muito mais a chegar, se algum dia acontecer. No plano da Rodovia, continua ferido de atrasos, mentiras e insuficiências o processo de estabilização e renovação do traçado do IP3, depois de o primeiro Governo de António Costa ter rasgado o plano anterior para um novo traçado desta via que liga as duas maiores cidades da região Centro, servindo mais de 300 mil pessoas, com um dos maiores movimentos pendulares do país fora das grandes Áreas Metropolitas de Lisboa e Porto.

Também não foi no plano económico que os portugueses saíram a ganhar com a nova solução governativa à esquerda. Nos últimos anos, o rendimento disponível dos cidadãos e famílias portuguesas em paridade do poder de compra (PPP) afastou-se (ainda mais) da média da União Europeia, estando hoje o salário mediano após impostos em PPP no terceiro pior lugar dos 27 Estados-membros. Temos, de acordo com o Instituto Tax Foundation, o terceiro pior quadro de toda a OCDE para as empresas e o quarto menos competitivo numa visão global. Em 2021, Portugal é o país da Europa Ocidental com mais baixo rendimento mediano em PPP mas tem um dos mais pesados esforços fiscais sobre o trabalho — penalizando particularmente jovens qualificados, que se vêm obrigados a emigrar para poder evitar a quinta maior taxa de desemprego da União Europeia e um país que foi sequencialmente ultrapassado pela maioria dos países da esfera da antiga União Soviética em rendimento e poder de compra. Não há IRS Jovem temporário que consiga demover quem sai para ganhar 3 a 4 vezes mais rendimento líquido e infinitamente maior qualidade de vida e liberdade económica.

Nas liberdades sociais, com um governo do PS mais à esquerda de sempre e com apoios ainda mais à esquerda, que se diz paladino das mesmas, só este ano — seis anos depois da primeira tomada de posse em 2015 — se traz a debate o tema da descriminalização (e, no caso único da Iniciativa Liberal, da liberalização) da venda de canabinóides não-sintéticos. E foi preciso esperar também cinco anos para o debate da descriminalização da eutanásia. Para mal dos portugueses, só há um partido fora da Geringonça com posições claras de defesa da liberdade individual nestes temas, com um pendor muito mais liberalizante e libertador que as propostas de controlo estatal trazidas pelo Bloco de Esquerda.

Longe de mim insinuar que a esquerda portuguesa bloqueia estes temas, ou que os avanços nas questões sociais nas últimas décadas teriam ocorrido sem ela — principalmente num país em que a direita sempre foi conservadora, retrógrada e algo bafienta em tudo o que pudesse envolver a liberalização das relações sociais. A lição, contudo, é a de que nem sempre as liberdades que defendem se focam no indivíduo e no seu livre-arbítrio, mas na atribuição dum direito coletivo, tirando um monopólio da clandestinidade para o entregar ao comando do Estado; e que sem liberdades económicas que permitam a prosperidade de cada pessoa, de pouco servem as liberdades sociais se não as podemos aproveitar, e de pouco vale ter boas condições económicas se não formos livres de ser quem somos.

O ponto certo está na simbiose das liberdades políticas, económicas e sociais — em Portugal essa simbiose está apenas e somente na Iniciativa Liberal, pela primeira vez no espectro político nacional. Ser livre para ter uma vida cívica ativa, com facilidade de escrutínio dos poderes políticos e com transparência nas suas decisões. Ser livre para viver sem amarras, amar quem quiser, ser respeitado nas individualidades de cada um. Ser livre para progredir na carreira sem barreiras, subir na vida pelo trabalho e empreender sem limites incompreensíveis. Ser livre.

No final, as vacas não voaram. Agora é tempo de deixar voar os portugueses.