A chegada do novo ministro da Agricultura trouxe uma lufada de ar fresco para o setor. Apesar de estar no cargo há apenas seis meses, José Manuel Fernandes já deixou bem clara a sua visão, nomeadamente no que diz respeito à manifesta preocupação com a temática da água, ao defender a importância do reforço da implementação de práticas sustentáveis de gestão da água na agricultura, assim como da adoção de tecnologias de uso eficiente da mesma.

É também claro pelo seu discurso que o financiamento para o armazenamento e a distribuição eficiente de água para a agricultura e para o consumo humano é uma prioridade para o Governo, que vê o financiamento europeu como uma alavanca fundamental para alcançar este objetivo.

Não é novidade que, de Norte a Sul, Portugal tem sido afetado por secas severas e prolongadas que se tornaram mais frequentes nos últimos anos, mas as medidas que há anos se aguardam para enfrentar este problema estrutural tardam em chegar. O anúncio da constituição do grupo Água que Une trouxe, por isso, um otimismo renovado e uma expectativa de que finalmente veremos algum progresso no combate a este desafio, sentimentos também partilhados por José Manuel Fernandes.

Apesar da confiança no trabalho deste grupo e na experiência e conhecimentos capazes de encontrarem soluções eficazes, não há rosas sem espinhos, e o caminho para a resolução deste problema tem, naturalmente, os seus obstáculos. É certo que o tempo concedido ao grupo para trabalhar foi extremamente limitado, considerando a complexidade do desafio. Além disso, ao contrário do exemplo do novo aeroporto de Lisboa, em Alcochete, onde se procurava uma solução única para um problema bem definido, aqui procuram-se soluções diversas e complexas para um país com necessidades de água profundamente desiguais.

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Todos estes constrangimentos são motivo de preocupação para quem aguarda há anos que decisões estruturais sejam tomadas e para quem viu na criação deste grupo o arranque definitivo das grandes decisões que falta tomar. Não podemos desiludir quem assim pensa nem perder esta oportunidade de passar das palavras à prática. A água não é apenas um tema técnico. Ela é fundamental para o desenvolvimento sustentável do país e, mais do que nunca, exige decisões políticas corajosas e bem fundamentadas. O momento de agir é agora, antes que as consequências da inação se tornem irreversíveis.

É importante reconhecer a mudança na abordagem dos poderes oficiais e da opinião pública em relação à gestão da água. Após um período em que a construção de barragens e perímetros de rega foi uma prioridade, seguiu-se uma fase em que algumas destas infraestruturas foram alvo de críticas e as alternativas para novas fontes de água encontraram resistência. Hoje, porém, o diálogo sobre soluções como a dessalinização, os transvases e o uso responsável de águas subterrâneas começa a ganhar espaço, abrindo caminho para uma gestão mais equilibrada e sustentável dos recursos hídricos.

Felizmente, ao longo do tempo, cada uma destas soluções foi ganhando aceitação, superando barreiras e preconceitos. No entanto, em torno de algumas, surgiram posições firmes e grupos com convicções muito fortes.

Quando essas posições se tornam demasiado rígidas, a capacidade de pensar de forma clara e aberta pode ser prejudicada, limitando as opções disponíveis. As organizações de produtores, como a AHSA, defendem que é importante manter uma abordagem flexível e abrangente, pois não existe uma solução única para desafios tão variados.

A diferença de pluviosidade entre o Norte e o Sul, aliada à capacidade regularizadora do Alqueva, leva a pensar que faz todo o sentido, quando necessário e possível, transferir água de onde ela sobra para a levar para regiões onde escasseia. Por outro lado, a dessalinização, sendo uma fonte inesgotável de água para algumas regiões e independente das mudanças climáticas ou da disponibilidade de água por parte de Espanha, deveria ser vista como uma solução promissora. Esta evidência reforça a necessidade de considerar esta opção com seriedade, evitando rejeições precipitadas.

Por fim, e apesar dos 30 anos e 14 congressos da APRH – Associação Portuguesa dos Recursos Hídricos sobre águas subterrâneas, o conhecimento que temos dos nossos aquíferos é, ainda, manifestamente insuficiente. Ensaios atualmente em curso indicam que a recarga de alguns desses aquíferos pode vir a ser, em algumas regiões, uma fonte complementar de água que, criteriosamente utilizada, nos dê a folga de que precisamos até que as grandes obras vejam a luz do dia.

Para que a expectativa gerada pela criação do grupo de trabalho Água que Une se concretize e a vasta capacidade técnica dos seus membros seja plenamente aproveitada, é fundamental que sejam disponibilizados o tempo e os recursos necessários. Assim, o relatório resultante poderá apresentar recomendações verdadeiramente concretas e exequíveis, que este e futuros governos não hesitarão em implementar.

Os desafios climáticos, a esperada pressão de Espanha e a legítima ambição que devemos ter de fazer crescer a nossa produção agrícola obrigam-nos a considerar todos os meios que temos ao nosso alcance, humanos e financeiros, para garantir ao Sul deste país as mesmas oportunidades com que a Natureza bafejou o Norte.