1Ponto prévio: o que André Ventura disse sobre a comunidade turca é uma alarvidade. Mais uma alarvidade dita por Ventura que volta a marcar a agenda mediática e que faz com que só se fale do que Ventura disse ou não disse. O líder do Chega agradece para continuar a subir o seu índice de notoriedade.
Dito isto, a temática aqui em questão — liberdade expressão vs censura — é algo muito sensível e deve ser analisado à luz das liberdades e garantias que caracterizam o Estado de Direito. Mas também à luz da liberdade da ação política que caracteriza a democracia liberal, nomeadamente a liberdade dos deputados.
Deixando, para já, a ação política de lado, a temática da liberdade de expressão é fundamental para qualquer jornalista. Porque sem ela não existe a liberdade de imprensa. É a conjugação da liberdade de expressão com a liberdade de imprensa que determina as condições em que os jornalistas podem desenvolver o seu trabalho.
Por isso mesmo, li inúmeros estudos e acórdãos judiciais e constitucionais ao longo dos anos sobre os limites da liberdade de expressão — que, como qualquer direito, não é absoluto. E também já fui constituído arguido várias vezes e acusado e julgado uma vez pelo alegado crime de abuso de liberdade de imprensa, tendo sido absolvido com elogios ao meu trabalho por parte do tribunal que me julgou.
Tudo isto para dizer que sempre defendi uma visão maximalista do direito constitucional da liberdade de expressão, seguindo, por exemplo, a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos. Isto já para não falar da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal dos Estados Unidos ou do Tribunal Constitucional da Alemanha — os tribunais constitucionais mais seguidos no mundo ocidental.
2 Dando um exemplo simples dessa visão maximalista: a liberdade de expressão inclui o direito ao disparate, à mentira e até à alarvidade, particularmente quando está em causa o debate político. É essa a minha ideia abstracta sobre como deve ser encarado um direito constitucional básico numa democracia liberal.
A liberdade de expressão, assim como a liberdade de imprensa, a liberdade de associação ou de reunião, são as chamadas super-liberdades — e sem elas não existe democracia.
Por outro lado, a melhor tradição das democracias liberais permite genericamente que mesmo os inimigos dos direitos humanos e da democracia possam expressar o seu ponto de vista. Com limites estabelecidos pela lei, enfatize-se, e não de forma absoluta.
Obviamente que a liberdade de expressão (ou até a liberdade de imprensa) pode chocar com outros direitos, como o direito ao bom nome. Quando um cidadão ofende outro, a liberdade de expressão de quem ofende colide com o direito à honra de quem é ofendido — e este último tem direito a recorrer aos tribunais e muito provavelmente ganhará a causa. A minha liberdade termina quando começa a do outro cidadão — não é um lugar comum, é uma grande verdade.
Outra questão — que não vem agora ao caso — é quando está em cima da mesa o choque entre a liberdade de imprensa e o direito ao bom nome de um titular de cargo político. E aqui a liberdade de imprensa deve ser o direito prevalecente, ‘diz-nos’ a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos. Mas essa temática não é o que ‘está cima da mesa’ neste momento.
3 O que se passou esta sexta-feira no Parlamento não pode ser visto à luz apenas e só da dicotomia liberdade de expressão vs censura. Não eram cidadãos que estavam a opinar no espaço público. Eram deputados que estavam envolvidos num debate político que é regulado pelo regimento parlamentar e por várias leis.
Uma delas, como é próprio em democracias consolidadas, prende-se com os mecanismos legais da imunidade dos deputados, dos representantes do Poder Legislativo — que pode ser alargada a outros elementos do poder político em determinadas circunstâncias.
E para que serve essa imunidade? Para proteger precisamente a liberdade de expressão e a liberdade de ação política dos deputados e impedir a sua perseguição judicial pelo que dizem. Em Portugal, como em qualquer democracia avançada, nenhum deputado pode ser responsabilizado penalmente por opiniões políticas.
Grosso modo, a imunidade é uma espécie de escudo que permite a qualquer deputado expressar o seu pensamento de forma totalmente livre e sem qualquer tipo de coação ou pressão.
É essa a melhor tradição da democracia liberal: permitir que os representantes do povo falem livremente mas também, e noutro plano, que até os inimigos dos direitos humanos e da democracia possam expressar o seu ponto de vista.
A lógica subjacente às democracias ocidentais implica que tudo o que for dito à luz dessa super-liberdade política será sempre alvo de escrutínio no espaço público. Ou pela comunicação social ou pelos próprios cidadãos nos seus fóruns de discussão. E é esse escrutínio que permitirá desconstruir as mensagens extremistas ou estapafúrdias.
4 O que a esquerda e a extrema-esquerda parlamentar estão a exigir ao Presidente José Pedro Aguiar Branco é que proíba um deputado de se expressar de forma livre. Não é só uma questão de coartar a sua liberdade de expressão, é também retirar-lhe o direito político de se poder expressar como entender, proibindo certas expressões ou palavras.
O que o PS, PCP, BE e Livre querem é um “mestre-escola”, como dizia esta sexta-feira Sérgio Sousa Pinto na CNN Portugal. Já têm saudades dos antigos mestres-escola Ferro Rodrigues e Augusto Santos Silva que, por vaidade pessoal, adoravam ralhar com André Ventura — dando-lhe ainda notoriedade e contribuindo para que as ideias do Chega chegassem ainda a mais pessoas.
Numa palavra, a esquerda faz o que sempre fez: olha de forma paternalista para a sociedade e tenta proibir que seja dito algo porque entende que os cidadãos não têm capacidade crítica para desconstruir o que André Ventura diz.
Por tudo isto, não tenho dúvidas em estar ao lado de José Pedro Aguiar Branco nesta matéria porque a decisão do presidente do Parlamento inclui-se na melhor tradição das democracia liberais de permitir a liberdade máxima com a consequente responsabilização.
Se um político como André Ventura disse o que disse sobre o povo turco, deve ser responsabilizado pelos eleitores nas urnas, deve ser responsabilizado pelos eleitores nas sondagens de opinião e deve ser criticado de forma intensa no espaço público, como está a acontecer.
5 Repito: o que André Ventura disse é uma alarvidade. Mas André Ventura não é o único que diz alarvidades na política portuguesa. A extrema-direita é uma face da intolerância e do radicalismo mas a extrema-esquerda, o Partido Comunista Português (PCP) e o Bloco de Esquerda, é a outra face da mesma moeda.
Se o nacionalismo pateta do Chega é uma fonte de extremismo, o marximo-leninismo seguido pelo PCP e o marxismo que serve de fonte de inspiração ao Bloco de Esquerda (que na sua origem tem outras correntes ideológicas totalitárias, como trotskismo e o maoísmo) não o são menos.
Se quisermos censurar André Ventura, então teremos que passar a mandar calar o comunista Bernardino Soares sempre que este tenha dúvidas que a Coreia do Norte seja uma ditadura (como disse em 2003) ou a censurar António Filipe quando faz uma comparação completamente descabida entre o culto de Kim Jon-Un na Coreia do Norte e o marketing da família real britânica.
Ou a colocar uma mordaça na boca de Jerónimo de Sousa quando o ex-secretário-geral do PCP for questi0nado sobre a Coreia do Norte e os crimes humanitários praticados pelo regime Kim Jon-Un e perguntar candidamente: “O que é uma democracia?”, perguntava candidamente Jerónimo de Sousa.
6 Ou quando a comunista Rita Rato, escolhida para dirigir um museu que trabalha com a memória da resistência contra a ditadura do Estado Novo, afirmou que não sabia o que eram os Gulag — um insulto, um escarro mesmo, nos milhões de vítimas que morreram nos campos de concentração da União Soviética ou que ficaram marcados para sempre.
Além de profundamente ignorante, a comunista Rita Rato deveria ser obrigada a frequentar um curso de cidadania sobre o que foi a ditadura do partido único na União Soviética e a perseguição que moveu a todos os povos que tiveram o azar de viver no imenso território soviético — incluindo aqui os diferentes povos de leste que foram obrigados a seguir a política soviética do Pacto de Varsóvia. Ler o “Arquipélago do Gulag” de Alexander Soljenítsin não devia chegar tal é o extremismo do pensamento de Rita Rato.
O mesmo se diga da sua camarada Paula Santos que acusou em 2022 o Presidente ucraniano Zelensky de “personificar um poder xenófobo e belicista” e de estar “rodeado de nazis” — um copy paste de todos os disparates que Putin costuma dizer para tentar legitimar a invasão de um Estado soberano como a Ucrânia.
Também Paula Santos deveria ter uma mordaça para não dizer mentiras — que são efetivamente mentira — e para não insultar um Chefe de Estado de um país amigo de Portugal, segundos os censores que queriam que Aguiar Branco mandasse calar Ventura.
Ou então também teríamos que passar a censurar o jornal do Bloco de Esquerda, que costuma ter alarvidades escritas, do mesmo calibre das de André Ventura, sobre diferentes temas como o direito à propriedade, a União Europeia e o conflito israelo-palestiniano.
É preciso muita cautela com esta onda de proibicionismo do politicamente correto, em que se criam estratégias maniqueístas sobre tudo e sobre nada, em que existem palavras proibidas, em que temos que avaliar a história e os nossos antepassados com os olhares, a mentalidade a cultura de hoje.
Resumindo e concluindo: quando a censura começa, nunca se sabe quando termina.
Texto alterado às 12h26 com o acrescento de um parágrafo no ponto 2
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