18th of June 2020

Ralou-me esse Projecto de mudança de imagem da sua Woschiems relatado na semana passada. É um passo tão arriscado, e tão global… acha que faz bem? Mas como está tão bem rodeado, confio na sua astúcia habitual: o Hans está sempre na ante linha da frente!

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Aqui em St Andrews o Clubhouse do Royal & Ancient continua fechado. Tenho jogado golf todos os dias, temperatura máxima 12º. Ontem chegou-se aos 15º, ensopados: choveu durante todo o jogo. E pronto para lhe dar uma coça, pois estou a bater na bola à perfeição: duas voltas ao Old Course, em ambas fiz par, apesar dos ventos e águas em barda! Mas no final, ficar sem o Big Room do Clubhouse, sem um duplo gin & tonic para ali repor o espírito, e sem as ementas do almoço que são excelentes, faz muita falta. E isso leva-me a ir para casa cozinhar, convidando o parceiro, e uma ou outra senhora golfista à feição!

Por ter saudades do Porto, socorro-me de um bom livro: “The Oporto Ladies’ Secrets”. Mas não fique com ideias eróticas, se faz favor! Trata-se de uma coleção de receitas de cozinha, para mim uma bíblia (o livro inclui um Bolo Bíblia, receita do Rei Salomão…) e epicurista: os Pancakes à l´Épicure não são metáfora…

E aquilo é da murrinhenha (esta palavrinha é mesmo à Porto… quer dizer “do melhor”), e se estiver a sentir-se fraco vá logo cozinhar o caldo de carneiro para doentes que lá vem explicadinho, e pratique o Yogini portuennse que aconselha a não comer enquanto excitado ou emocionalmente perturbado, pois impede o corrimento natural dos digestivos…

E claro que tem um Frango Oporto (com abundante vinho do Porto Branco para temperar, claro), um Snowball que mescla Pão de Ló, gelatina, sumo de laranja, um pouco de limão, açúcar, e 1 pint de nata batida, o resultado é de chorar por mais; bolo de amêndoa português (só faltava que não aparecesse!).  A receita da sangria não é modesta, é potentíssima: 5 litros de vinho tinto, 5 litros de vinho branco, 1 copo de gin cheio, 1 copo de brandy, dois paus de canela, 400 gramas de açúcar em meio copo de água quente, rodelas de laranja, limão, ou outra fruta. Mas aviso: quem decide entrar nessa pinga com sede, ao terminar não encontra a distância mais curta entre dois pontos!

No meio das receitas aparecem indicações concisas e utilíssimas: verificar se um ovo é fresco, como reparar uma caixa de carvão (!), retirar a chiadela a uma porta, limpar chinelos de peliça branca, curar calos, tirar marcas de pratos quentes em mesas enceradas, conservar a cor à salsa, etc, etc. E sabe como manter uma lareira acesa mais tempo? Com uma mão cheia de sal, ora aí está! E aproveitar folhas de chá? Pois bem, servem para espalhar na lareira antes de tirar as cinzas (não faz pó).

E vem lá uma receita do Reverendo Sydney Smith (1771-1845), homem que achava a Scots Kirk — dele e minha — difícil de entender (como eu, confesso). Depois das explicações de um amigo, apesar de se ter sentido no mais denso nevoeiro londrino, continuou Reverendo. Era um grande ponto, dotado de sentido de humor britânico apuradíssimo, daqueles que o Hans gosta. E nos segredos das ladies do Porto vem uma receita dele para a “Salada de Inverno”, em verso, claro. Vai a tradução portuguesa:

Dois ovos cozidos, passados por peneira,
Leveza e suavidade dão desta maneira
De mostarda picante acrescentar só uma colher
Desconfiar do condimento que muito cedo morder.
No entanto, acreditem ou não, embora pessoa de gosto, faz mal,
Se acrescentar a dobrar a quantidade de sal.
Quatro vezes uma colher de azeite vai coroar,
Junto com duas de vinagre que à loja vai buscar.
O gosto pede-o e o poeta mendiga,
Duas gemas de ovos, a mistura bem batida.
Deixe a anatomia de uma cebola apenas espreitar,
Na saladeira escondida, para tudo animar.
E, finalmente, no composto aromático que chova,
Uma colher de chá mágica de molho de anchova.
Oh grande e glorioso! Oh, carne herbácea,
Que tentaria um anacoreta moribundo,
Novamente ao mundo ele viraria a alma fatigada
E enterraria os seus dedos na salada.
Então, embora a tartaruga verde falhasse e o veado fosse duro,
Serenamente cheio, o gastrónomo diria:
“O destino não me pode atacar,
Já comi hoje um bom jantar!”

Esta salada, além de poética, é de estalo! Já agora informo que a tartaruga verde é especialidade de culto em Singapura. Nos Keys da Florida a sua captura está proibida. Como ia parar à mesa do Reverendo Sydney Smith naqueles tempos, ignoro! O Venison, veado, é muitas vezes bem duro, como sabe!

Esperando ter-lhe afiado o apetite, kindest regards deste seu amigo,

PS: Prato de resistência: recebi hoje aqui em St Andrews um inesperado telefonema do meu médico no Porto, exultante, a dizer que os maníacos legisladores portugueses que andam a cozinhar a lei assassina, foram formalmente avisados pela Ordem dos Médicos que esta se recusa a colaborar com tudo o que leve à eutanásia. Hans: estes lusitanos médicos enchem-me o peito! Acho que um dia destes mudo-me para o Porto de vez!

20 Juni 2020

Ando preocupado com a nossa querida Lusitânia, está-me a parecer que precisa do tal caldo de carneiro para doentes do seu “The Oporto Ladies’ Secrets”.

Sim, por que esta semana tive que dar um salto a Lisboa a pedido de S. Bento, pois aquele Governo quer usar a minha Woschiems como um case study, pois não temos vírus, nem lay-off, e o ritmo de produção das fábricas da Pucariça e de Vila Franca das Naves aumentou, um exemplo perfeito do rigor germânico aliado à genialidade dos trabalhadores lusitanos.

E nas despedidas, como o Primeiro Costa estava excitado com este meu êxito, abriu-se! E pareceu-me que, como não fosse avermelhado que chegue, para ele na Lusitânia está tudo mais cor de rosa que nunca, vírus ou não vírus, tanga ou não tanga (já andam milhares de tanga!), e até quase me deu um beijo por a Lusitânia ter sido escolhida para aí se disputarem os últimos jogos da Champions! Vai ser curioso, pois no aeroporto da Portela aquilo já é um gozo, tanto faz você vir de Wuhan como de S.Paulo, vamos lá todos passar na fronteira rapidamente sem exames nem perguntas, e Fé em Deus! Imagine agora as hordas que vão em Agosto chegar todas juntinhas para parecerem mais, tal a fome de futebol! Risco de alastramento do vírus? Acham que não… Deus lhes dê razão!

E sabe porque é que achei que aquele poder todo (que ele confessa não se comparar ao do Salazar, é modelo século XXI), e a euforia e simpatia que mostra, lhe está a perturbar a razão? Pois bem, pareceu-me que vai pedir a canonização do Centeno ao Papa Francisco, propondo, com habilidade, um nome da sua confiança na Congregação que aprova as Causas dos Santos e assim garantir rapidez e resultados à medida. E mostrou-se agastado por haver quem resmungue com a história do Banco de Portugal, pelo facto de o Mário (em fuga!) ter nomeado gente da sua confiança para fiscalizar o próprio se for para Governador. O William, que trabalhou tantos anos na City, e tão próximo ao Bank of England, deve estar de cabelos verticais!

Depois de Lisboa, onde nem pernoitei, fui para Berlim. Mas não fui à Merkel! Reuni-me com o Tom Mayer Henkel, da Mayer Design, para os retoques finais na imagem da Woschiems e que quero apressar, coisa que nem me deixa dormir! Olhe que para um grupo que tem 111 fábricas espalhadas pelo globo, isto é obra! Mas o que vale é que estava um solinho delicioso, e o bom tempo ajudou imenso à lucidez! Comecei as reuniões com o Tom logo ao pequeno almoço no Hotel Adlon, na Unter den Linden 77, ao lado da Porta de Brandenburgo, no antigo Berlim Leste. É um hotel que encerra a história da Alemanha dos últimos 100 anos, e onde me sinto em casa. E depois fomos para aqueles escritórios da Mayer Design que suplantam os de Silicon Valley em extravagância e criatividade. Concluí que estamos no bom caminho. Tenho de ter constância no conselho dos advogados para que isto não transpire para os media antes de tempo!

E ao fim da tarde de terça-feira voei para Frankfurt, para me reunir com o Banco Central Europeu, para tentar perceber o que eles acham do que se passa na UE. A Lagarde parece ter a bússula a apontar o norte. Mas os manda-chuva burocrato-políticos de Bruxelas têm um íman que lhes deixa o ponteiro inconstante. Claro, graças à história dos coronabonds, agora disfarçados com outros nomes, e efeitos ilusionistas para os pró-federalistas tentarem avançar para a progressiva perda de independência dos 27. O que me vale na Alemanha e na Woschiems, são os quatro frugais, que nem pelos cabelos vão consentir tal coisa, ossos duros de roer. Os lusitanos estão na expectativa de ver a árvore das patacas a abanar e a pingar como o costume, sem nunca lhes dar qualquer proveito a longo prazo. Desta vez podem ter tantas condições impostas para aproveitar a bonança, que talvez vejam a árvore transformar-se em arbusto. Para os lusitanos, que têm dificuldade em dar disciplina à gestão da casa, é tudo a navegar à vista. Mas esse hábito, confessemos, tem o seu quê de titilante e emocionante!

Mit freundlichen Grüßen, e uma saúde com um Noval Nacional 1927, do

Palavras Cruzadas é o título de uma série de cartas íntimas trocadas entre dois amigos. Um é alemão (Hans Hoffmann), residente em Krefeld, perto de Dusseldorf, e outro escocês (William Archibald), residente em St Andrews, na Escócia, mas ambos com casa em Portugal, país que os apaixonou. A correspondência tende a revelar um Portugal e um mundo vistos por Hoffmann na perspectiva da floresta, mas mais como árvore nas cartas de Archibald. Misturam nessa correspondência acontecimentos políticos, sociais culturais e económicos tanto portugueses como internacionais, revelando o seu cosmopolitismo. Usam de ocasional ironia em factos por vezes semi-ficcionados.