A propósito da discussão sobre os processos de contratação pública por convite (ajustes diretos e consultas prévias) para a adjudicação de contratos públicos abaixo dos limiares europeus (5 milhões para empreitadas de obras públicas), vários atores políticos têm sugerido que o modelo preconizado se deve apreciar à luz de um critério de equilíbrio entre transparência e celeridade.
Creio que há nesse juízo alguns equívocos, que dissimulam os verdadeiros problemas dos pretendidos ajustes diretos. Por um lado, estes processos não têm um problema de transparência. Na verdade a lei já exige, em geral, que os ajustes diretos sejam publicitados e estabelece, expressamente, que os contratos celebrados nesse âmbito não produzem quaisquer efeitos (também quanto a pagamentos) antes da publicitação no portal dos contratos públicos: basta um ponto de acesso à internet para se conhecer quem adjudica o quê a quem. Não existe, pois, um problema de transparência. Revela-se, por isso, totalmente despropositada a constituição de uma qualquer comissão de acompanhamento dos ajustes diretos, uma vez que, por força do abrandamento (abandono) das exigências legais, fica quase nada para acompanhar ou fiscalizar: sem regras ou com regras light, tudo passa a ser legalmente possível e não se percebe a serventia de um qualquer colégio de comissários neste âmbito.
Por outro lado, é indiscutível que a contratação pública precisa de celeridade, especialmente no contexto que se avizinha. Mas é um equívoco supor que a celeridade só é possível através de ajustes direitos e que é inviabilizada pelos concursos. Com efeito, desde 2008, prevê-se na lei o concurso público urgente. Por outro lado, há mecanismos de aceleração procedimental dos concursos. E, para além de tudo, as entidades públicas podem definir procedimentos com regras simples, que promovam uma tramitação mais expedita e, sobretudo, menos conflituosa. Mais ainda: se o objetivo é o da celeridade, então alguém que explique em que medida serve esse objetivo a prevista possibilidade de adjudicações sucessivas de contratos à mesma empresa! Mais do que um excesso e uma imprudência, a derrogação da proibição de adjudicações sucessivas representa uma ousadia legislativa que tem de ser eliminada.
Portanto, a transparência não é um problema dos ajustes diretos, nem os ajustes diretos são uma receita única para a contratação célere. É por isso que a ideia de equilíbrio entre celeridade e transparência assenta em pressupostos errados e promete uma solução supostamente virtuosa que esconde o problema fundamental.
Então qual é o problema destes processos? Respondendo em termos simples: trata-se de aplicar aos negócios do Estado a regra de que a “casamentos e batizados só vão convidados”. É mesmo isto: com os ajustes diretos e as consultas prévias como processos gerais de adjudicação de contratos públicos, a concorrência e a igualdade de oportunidades das empresas desaparecem. Contra as mais elementares regras de um Estado Contratante decente, o acesso aos negócios públicos deixa de depender da capacidade e do esforço de qualquer empresa para apresentar propostas competitivas e passa a depender da capacidade e da situação de algumas delas para receberem convites.
O prejuízo mais imediato deste modelo é para todas as empresas que, legitimamente, querem competir para contratar com o Estado e ficam excluídas, apenas porque não recebem o desejado convite. Logo a seguir, prejudicados são os orçamentos públicos, que vão pagar os preços que os convidados pedirem, sem uma competição aberta a quem queira participar. Por fim, talvez o mais prejudicado com tudo isto é o Estado de Direito, que sofre um perigoso retrocesso, que, aliás, se processa a céu aberto.
PS – Na forma como foi feita, a “desnomeação” de Vítor Caldeira como Presidente do TdC mostra que se está a perder a noção da existência de regras básicas de convivência e de respeito institucional. A nomeação de José Tavares é a única boa notícia de todo este processo.