Portugal vive um real problema de habitação. Está na ordem do dia. Não devemos, no entanto, ser populistas e atirar em todas as frentes, ainda para mais, num sector como o turismo que tem sido a alavanca económica do país e creio que é revelador da razão por que as medidas referentes ao AL são um enorme erro e irreversível.
Começo pelos dois argumentos mais utilizados dando como exemplo a zona de Santa Maria Maior que é considerada uma das de maior pressão.
QUANTIDADE PERCENTUAL DE ALs (principalmente em zonas de contenção). A percentagem que está documentada como casas a praticar alojamento local não é de todo real. A CML apresentou um estudo em que apenas cerca de um terço dos registos está de facto a receber turistas. Tomando como exemplo Santa Maria Maior, os 60% rondarão na prática uns 20%. Isto é facilmente comprovável ao fazer uma busca de apartamentos disponíveis no Airbnb (e todos estão pelo menos no Airbnb), por exemplo, para outubro (um mês ainda sem reservas). A CML poderá também facilmente chegar à mesma conclusão se analisar o número de ALs dos quais recebeu valores de taxa turística.
A razão para esta discrepância é facilmente explicável:
- A suspensão dos registos levou a uma corrida de muita gente a registar a casa sem nunca sequer tê-la usado para fins turísticos.
- Muitos proprietários deixaram de explorar turisticamente (por exemplo na pandemia, e por outras razões) e nunca deram baixa do registo, porque não tinham qualquer vantagem em fazê-lo.
DESCARATERIZAÇÃO DAS ZONAS HISTÓRICAS (ou expressão “Disneylândia”) – vê- se de facto uma grande quantidade de turistas nas zonas históricas, várias visitas em grupos guiadas, muitos tuktuks, etc. Lisboa tem 45 milhões de turistas por ano, sendo ponto obrigatório de visita o Castelo de São Jorge, estes turistas têm obrigatoriamente que passar na zona de Santa Maria Maior (seja AL, Hotel, e onde quer que estejam hospedados). Isto não é um fenómeno evitável com a redução de ALs nessas zonas. A única forma de evitar essa tal “enchente” seria vedar essas zonas aos turistas e, no caso de Lisboa, construir um elevador até ao Castelo.
Há outros argumentos tão ou mais importantes:
- Uma grande parte das frações tem poucas condições de habitabilidade de longa duração. Um apartamento com 25m2 sem garagem, arrecadação ou sequer uma despensa, é perfeito para um casal de turistas passar 3 ou 4 noites, o leitor viveria neste apartamento?
- A maior parte dos especialistas considera que uma redução no número de ALs não vai reduzir o preço das casas. Desde que foi decretada a suspensão de novas licenças e o número de ALs ativos reduziu, os preços da habitação porventura diminuíram?
- Uma redução drástica no número de ALs vai levar muitas pessoas ao desemprego e à precariedade. Para além dos proprietários que estão dependentes disso, já pensou em quantas outras profissões também beneficiam com a existência dos ALs? Todo o pessoal das limpezas, lavandarias, manutenção, pequenos comerciantes, etc.
- Quem ganha com esta redução são os lobbys dos hotéis, muitos com sede no estrangeiro. Queremos começar a ver a construção de mais hotéis das grandes cadeias, e as empresas de construção nos próximos anos ocupadas a construir hotéis em vez de casas?
- Benefícios para a Economia vs. proveitos do proprietário – um proprietário ganha apenas uma fração (abaixo de 30%) daquilo que o turista paga (os valores visíveis nos sites de reserva). Entre os gastos associados ao AL estão: IVA, IRS, Limpeza, Lavagens, Custos Fixos (água, luz, gás, internet…), manutenção.
- O AL foi um dos responsáveis por toda a reconstrução e revitalização das zonas históricas das cidades. Apesar da suspensão e de não haver novas licenças, isto não pertence só ao passado, mas continua a ser uma preocupação constante. E quem vai devolver aos proprietários o valor, muitas vezes as poupanças de uma vida, que investiram nestes ALs?
Peço coragem ao governo para reverter estas medidas. Peço à oposição que não abandone este setor. A medida atualmente em vigor da suspensão de novos registos em zonas de contenção, é compreensível. Mais do que isso é prejudicar enormemente o país e milhares de pessoas.