O ensino escolar em Portugal permite que os professores dêem todas as oportunidades possíveis para ajudar a passagem de ano dos alunos, sendo por isso difícil alguém ficar retido. Ainda com negativas a matemática e a português pode-se passar o ano. Uma notícia no Público, a 7 de Junho de 2020, intitula-se “Um terço dos estudantes continua a entrar no secundário com negativa a Matemática”.

Então por que razão dois alunos naturais de Famalicão, no Agrupamento de Escolas Camilo Castelo Branco, no 9º e 7º anos, foram chumbados não um, mas dois anos escolares? Por que é que, se são ambos alunos com média de 5 valores, do Quadro de Honra e participantes vencedores de múltiplas Olimpíadas educativas, são obrigados a repetir toda a matéria, são colocados em turmas com alunos dois anos mais novos e terão de ficar com este chumbo de dois anos no seu currículo escolar?

Simplesmente porque não frequentaram uma disciplina, recentemente criada (ano lectivo 2018/2019) chamada Cidadania e Desenvolvimento (CD), pois os seus pais usaram um direito garantido na Constituição, que é a objeção de consciência.

O Ministério de Educação emitiu um despacho assinado pelo secretário de Estado da Educação, João Costa, onde anula a decisão de os terem passado o ano passado, e os retêm neste ano escolar. Sendo assim, os dois alunos deveriam repetir dois anos escolares, desta vez, claro, frequentando a disciplina de Cidadania e Desenvolvimento.

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Quem, afinal, tem mais poder de decisão na educação das crianças: os pais ou o Estado? É uma pergunta que se tem repetido ao longo dos tempos e que continua a dividir a esfera política.

É o caso do meu amigo Artur Mesquita Guimarães, pai destes dois alunos que já luta sozinho nesta batalha desde 2008, altura em que usou o seu direito de objeção de consciência para não autorizar os seus filhos a frequentarem esta disciplina (Educação Sexual). Citou o Artigo 36 da Constituição Portuguesa que diz que “os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos.” Alguns dos tópicos da disciplina Cidadania e Desenvolvimento são igualdade de género, interculturalidade, sexualidade e media e estes pertencem mais à responsabilidade educativa da família e não do Estado, especialmente se a ideologia do Estado não está em sintonia com a da família. Aliás, a escola está para ajudar a família no que for preciso para a educação (procura da Verdade) das crianças, e não para ultrapassar os seus limites e coagir pelo medo à frequência duma disciplina que vai contra a consciência dos pais. A Constituição determina que incumbe ao Estado, para proteção da família, cooperar com os pais na educação dos seus filhos (Artigo 67 da Constituição Portuguesa).

Neste contexto, gostaria de referir que frequentei a escola pública desde a primária até ao 12º ano na Califórnia, nos Estados Unidos da América. Recordo-me perfeitamente não de um, mas de muitíssimos alunos que não frequentavam as aulas que continham conteúdos semelhantes aos lecionados nesta disciplina de Cidadania e Desenvolvimento. Eram alunos que provinham de ascendências diversas e religiões diversas, embora a maioria fosse cristã. Nem os alunos nem os pais eram ostracizados. Eram respeitados na sua diferença. Era um procedimento simples: os pais assinavam um formulário e os alunos não frequentavam a aula. Não se iniciava uma guerra fria pior do que a do século passado contra os pais. Até nas outras disciplinas, como ciência ou filosofia, o professor tinha cuidado para não interferir com a liberdade de pensamento individual dos alunos e respetivas famílias. Talvez porque os Estados Unidos é um país maior e está habituado a um influxo enorme de imigrantes desde a sua origem, parece normal e até expetável que nem todos os alunos e as suas famílias concordem nestas matérias tão sensíveis. Os próprios professores têm opiniões diversas sobre estas matérias.

Em Portugal, a situação é diferente. Artur Mesquita Guimarães é dos poucos pais (ou único?), que usa um direito imprescindível e essencial para a liberdade de todos que é a objeção de consciência. Artur Mesquita Guimarães é dos poucos que escreve cartas ao secretário de Estado, ao Primeiro Ministro e ao Presidente da Republica a denunciar a sua situação e a dos seus filhos perante a escola, ao usar este direito.

Com este despacho a chumbar os alunos dois anos e a obrigá-los a repetir a disciplina de Cidadania e Desenvolvimento este pai está sozinho contra o Ministério de Educação com dois processos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga.

Haverá outros pais nesta situação que nem se atrevem a exercer um direito fundamental de objeção de consciência pois são “manietados”, como diz o Artur Mesquita Guimarães? Este pai manifesta que tem coragem e que está informado para defender os seus filhos, possivelmente, pondo em risco a carreira académica deles.

Este é um repto a todos os pais, para que estejam a par do que é lecionado nas disciplinas obrigatórias dos seus filhos e para que exerçam os seus direitos como educadores primários.