Muita tinta correu e corre ainda sobre a empresa inglesa Cambridge Analytica (CA) que, como todos sabemos através de centenas de noticias, roubou dados informáticos ao Facebook, manipulou eleições – foi responsável pela eleição de Trump e pela vitória do Brexit –  e até enviou mulheres ucranianas a casa de políticos para obter informações confidenciais.

No meio de tantas ilegalidades, é inacreditável que ninguém dessa empresa tenha sido preso e que esta continue a funcionar normalmente, anunciando as suas ferramentas e produtos na internet.

E que ferramentas são essas? Investigação, Integração de Dados, Segmentação de Audiências, Publicidade dirigida a Público Alvo, e Avaliação.

Tudo isto está bem explicado no site da CA, mas nada é mencionado sobre o serviço de beldades ucranianas. De acordo com o último censo norte-americano, há cerca de 513 200 políticos eleitos nos EUA. Não deixa de ser notável a capacidade da CA em mobilizar os muitos voos charter oriundos da Ucrânia cheios das belas mulheres necessárias para obter as tão desejadas informações…

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De resto, a CA parece-se muito com aquilo que qualquer um de nós imaginaria ser uma empresa de publicidade especializada no setor das campanhas políticas:

  1. Investiga: “We review your existing voter information and carry out custom research projects for your specific needs. Using qualitative, quantitative, or combined research methods, we help you better understand who your voters are”.
  2. Seleciona: Escolhe o público-alvo preferencial, que evidentemente são os “swing voters”. A isso chama pomposamente “Segmentação da Audiência”: “We show you members of the electorate most likely to respond to your messages and how they might behave in future. This lets you deliver highly targeted experiences to prospects and supporters”.
  3. Produz: Concebe e envia anúncios de acordo com as preferências dos públicos-alvo. “As a full-service digital agency, we will ably place digital and TV ads to bring your candidates closer to their electorate. The visuals and language in each piece are crafted to engage voters emotionally and impactfully”.

Não podia ser mais escandalosa esta manipulação eleitoral através do envio de anúncios televisivos e digitais dirigidos a públicos selecionados. Muito pior do que os eleitores fantasma, as contagens aldrabadas nas mesas eleitorais, e até pior do que o célebre transporte de eleitores em autocarros. Na realidade, trata-se de uma subtil manipulação psico-sociológica, aproveitando as debilidades dos eleitores, em tudo semelhante à que nos faz optar pela Coca-Cola em vez da Pepsi. Ou pela Super Bock em vez da Sagres. E não, não vou entrar no universo das pastas dentífricas. Como é possível que a CA se tenha embrenhado no jogo mental de se aproveitar dos nossos gostos e preferências?!

O papel das relevantes informações confidenciais obtidas pelas beldades ucranianas ainda não foi totalmente clarificado, mas sê-lo-á certamente em breve. O MI-5 irá rapidamente descobrir as listas de políticos alvo, bem como as importâncias pagas às formosuras do Leste, para além do cofre –  ou melhor, o disco duro – onde se encontram depositadas as informações secretas recolhidas, com referência às pessoas a quem foram subtraídas. Certamente serão também divulgados, num futuro próximo, algumas centenas de bilhetes de avião com nomes femininos provenientes de Kiev. E poderá levar-se a mal que um político sucumba a belezas femininas para se abstrair da sua dura faena diária? Não é compreensível que essas caricias femininas lhe inspirem tamanha confiança que o exponham à revelação de segredos de Estado ou do partido? Será caso para confirmar como os políticos são por natureza fracos e egocêntricos. Com esta combinação de características, não se pode, evidentemente, esperar que desabrochem qualidades como fidelidade, autocontrolo, fortaleza e sentido de Estado. A loura beldade estará sempre acima de princípios morais.

Sobre o roubo de dados, a CA diz que foram obtidos do Facebook através de outra empresa de investigação, a GSR, e que esses dados não foram sequer empregues no trabalho levado a cabo na eleição norte-americana de 2016. O contrato com a GSR estipulava que todos os dados deviam ser obtidos legalmente e por isso a CA pôs a GSM em tribunal quando foram alertados pelo Facebook.

Os nossos camaradas do Bloco de Esquerda são os primeiros a confirmar que “o que a Cambridge Analytica fez não foi, de facto, ‘violação de dados’. A recolha de dados teve lugar em 2014, quando os termos de serviço do Facebook permitiu a aplicações externas a recolha de dados dos amigos de um utilizador, uma ferramenta exploradapor milhares de aplicações, e algo que o Facebook permitiu até 2015”.

O próprio BE confirma, nesse mesmo texto, que a CA não fora a primeira empresa a usar dados do Facebook para influenciar campanhas eleitorais nos EUA: “A Cambridge Analytica não é sequer o primeiro exemplo de dados serem desenvolvidos especificamente para a política dos EUA. Como já foi amplamente noticiado, foi a campanha de Obama que foi pioneira na extração de dados nas eleições, incluindo esforços para corresponder os hábitos de visualização de milhões de subscritores por cabo com a sua própria lista de eleitores e respostas de sondagens. Carol Davidsen, a diretora de análise de dados na campanha de 2012, vangloriou-se que “éramos capazes de recolher toda informação das redes sociais… dos EUA”, explorando a mesma ausência de regras que a Cambridge Analytica explorou em 2014.”

O BE também reconhece que “é óbvio que o Facebook nos permite desligar algumas destas ferramentas, tais como a geolocalização”. A questão que levantam, e que é pertinente é: “Mas quantos utilizadores do Facebook estão de facto cientes de que podem fazer isso? E quantos estão sequer conscientes de que estão a ser seguidos em primeiro lugar, ou quão invasivo é o Facebook a recolher informação sobre as suas vidas?” Realmente não se pode exigir que o utilizador médio do Facebook desconfie que lhe estão a retirar dados quando lhe começam a aparecer anúncios de coisas que andou a pesquisar na net. Afinal a Inteligência Artificial tem um mistério próprio que nos faz crer que esses anúncios aparecem através de uma qualquer magia ciber-internética. Afinal, não é para isso que servem os tais algoritmos?

Em conclusão:

  • A manipulação eleitoral realizada pela Cambridge Analytica consistiu em enviar anúncios diferenciados a determinados públicos-alvo apoiando um determinado candidato norte-americano;
  • Os dados empregues para diferenciar os públicos-alvo foram recolhidos do Facebook em 2014 e eram permitidos pelos termos de serviço dessa empresa nessa altura;
  • Qualquer pessoa tinha a possibilidade de evitar a utilização dos seus dados pessoais;
  • A campanha eleitoral de Obama foi a primeira a empregar análises de dados das redes sociais dos EUA e isso foi tornado público logo em 2012, não provocando nessa altura quaisquer reações de indignação por violação da privacidade.

É caso para nos interrogarmos se enviar anúncios a públicos-alvo significa manipular eleições. É caso para nos perguntarmos se é escandaloso utilizar dados aos quais, afinal, qualquer pessoa tinha possibilidade de negar acesso. É caso para nos questionarmos o porquê de só agora surgir o escândalo da utilização política de dados pessoais das redes sociais, quando já ocorriam desde 2012. É caso para pensarmos afinal quem é que nos está a querer manipular. É caso para pensarmos o que são, onde estão e de onde vêm afinal as “fake news”.

A ideia com que se fica é que a esquerda, quando não se conforma com determinados resultados eleitorais, tem de descobrir “teorias da conspiração” que os justifiquem. E isso é mau para a própria esquerda. Enquanto não interiorizar onde realmente falhou, não estará em condições de fazer o diagnóstico que poderá levar às mudanças necessárias para recuperar a confiança do eleitorado.