O constante ziguezague presidencial de António Costa tem sido lamentável, e revelador.
Desde que Sampaio da Nóvoa apresentou a sua infeliz candidatura à Presidência da República, as oscilações climáticas no Largo do Rato tornaram-se imprevisíveis: tempo sempre incerto. Mais recentemente, sobretudo desde a confirmação da não menos infeliz candidatura de Maria de Belém, a meteorologia socialista altera-se a um ritmo ainda mais intenso, converteu-se numa perfeita incógnita. O leitor diário de jornais, já atónito, interroga-se: donde provirá tanta desorientação? Para onde levará Portugal um putativo primeiro-ministro tão errático?
O secretário-geral dos socialistas começou por acolher Sampaio da Nóvoa de forma calorosa, quando não entusiasmada. Logo a seguir apareceu em cena Carlos César, uma espécie de sombra ou duplo de Costa, que se encarregou de dispensar ao candidato as vénias devidas ao futuro Presidente da República dos socialistas. Tão efusivas que toda a gente ficou a aguardar que o apoio muito em breve fosse oficializado com pompa e circunstância.
Depois, o motor gripou e até hoje ainda não foi possível consertá-lo. Logo correram rumores publicamente confirmados de que Nóvoa, afinal, tinha o condão de fracturar o PS. Sérgio Sousa Pinto foi um dos que não tiveram papas na língua. O Partido Livre, vocacionado para estabelecer uma ponte entre o PS e a extrema-esquerda, antecipou-se às aflitivas hesitações do Rato e proclamou Nóvoa o “seu” candidato, colocando o PS na posição nada airosa de ir a reboque de uma pequenina formação partidária com grandes ambições.
César, fazendo de “polícia bom”, ainda se mostrou algumas vezes a tranquilizar Nóvoa, parecendo em tudo transmitir-lhe a inabalável bênção do PS. Depois, praticamente desapareceu. Costa tornou-se mais reticente, bastante menos efusivo, e acabou, durante uns tempos, por se vestir de “polícia mau”. Refugiou-se numa fórmula já antes sugerida mas agora assertivamente reiterada como “linha geral”: o PS só toma posição definitiva sobre as Presidenciais após as Legislativas.
Promessa afinal quebrada dia sim, dia não, para compreensível angústia de Nóvoa, necessitadíssimo de “aparelho” (e financiamento), e que no meio do aperto declarou para os jornais que o apoio dos partidos, e mormente do Partido Socialista, eram extraordinariamente importantes (cito de memória, mas certa de estar a ser fiel ao espírito da mensagem). António Costa, em vez de se calar, conforme prometera, lá teve de dizer ou mandar dizer qualquer coisinha para manter viva a chama tremeluzente dos nov’istas e ao menos sinalizar que tinha ouvido e registado a súplica do seu herói – que de súplica se tratou.
Entra em cena, pronta para a batalha em campo raso, Maria de Belém, candidata dos seguristas, que já antes da sua estreia pública há algum tempo congeminavam a maneira de vingar o líder traído por Costa (e de não voltarem, no futuro, a ser despromovidos ou enxotados das listas eleitorais do partido). Maria de Belém era presidente do PS aquando da rebelião de Costa e dos costistas, vitoriosa “malgé elle”. É público que estes não podem ver à frente a cândida e graciosa ex-ministra da Saúde, embora não se conheçam exactamente as razões de queixa.
Enquanto tudo isto se passava – “isto”, quer dizer, a perfeita balbúrdia que se fora instalando no PS sob a liderança débil de António Costa – veio a lume mais uma sondagem que dá o PS a 1,5 pontos de distância da Coligação. Por este andar, se Costa vencer em Outubro, será certamente por uma margem não superior àquela por que Seguro venceu o PSD nas últimas europeias. Entre terem uma candidata e a má sondagem para Costa, os seguristas começam a aquecer os motores; até o fleumático Eurico Brilhante Dias já começou a dar ares da sua garra, até aqui desconhecida. Também a deplorável comédia dos cartazes corre a favor deles.
Não foi, pois, com espanto que hoje li no «Público» (que citava a «Visão») as mais recentes declarações de António Costa sobre as presidenciais. O seu alvo a abater é Maria de Belém, porque, tendo “nascido e sido criada nas estruturas partidárias”, pretende ocupar um “espaço” que pertence de direito à “cidadania”. Ora é deste espaço, santificado pela demagogia de conveniência, que Sampaio da Nóvoa precisamente provém. Sobre isso, é “um candidato próximo da família socialista”. Porém e tudo somado, o PS, como muitas vezes dito mas não cumprido, falará “no momento próprio”, que isto de hoje foi só para pôr os seguristas em sentido.
Temos pois pela frente mais mês e meio de Nim – Nim. Passos Coelho, assim que começaram as movimentações presidenciais, declarou logo que a escolha ou não escolha de um candidato a apoiar só ingressaria na agenda política após as Legislativas. Podem os candidatos a candidatos andar por aí – o primeiro ministro não acrescentou uma palavra ao que anunciara. E o PSD, disciplinadamente, não faz ruído. Paulo Portas e os centristas observam a mesma discrição.
António Costa, porém e pelos vistos, não possui a autoridade necessária para “mandar calar”. Pior: é ele próprio quem dá o exemplo do ruído, ora afastando Nóvoa, para não agravar a fractura que este provoca no PS e que ele não consegue suturar, ora alimentando Nóvoa para o que der e vier, que só ele sabe o que pode ser mas que o espectador pode adivinhar. Por exemplo, um entendimento à sua esquerda se os resultados das Legislativas a tanto obrigarem.
Sampaio da Nóvoa, que, aos sessenta anos não recuou ante o ridículo de dizer que não sabia se estava mais próximo do PS ou do PCP (!); que aos sessenta anos teve o impudor de não saber se era crente pois só a Mãe dele, caso ressuscitasse, poderia responder a tal pergunta com acerto, Sampaio da Nóvoa é “um homem para todas as estações” – para o que der e vier. Convém guardá-lo de reserva. Será que António Costa acredita poder esconder-se atrás desta táctica… transparente ?
Tanto tacticismo, ou mais exactamente, tanta oscilação, tanta falta de rumo e, para dizer a verdade toda, tanto oportunismo, revelam um carácter. Surge a pergunta inevitável: podemos confiar em António Costa?
Finalmente, também é perturbante a descoberta de que o rei, afinal, vai nu. O PS continua uma manta de retalhos, que Costa não consegue cerzir. No interior do PS há os costistas, os seguristas, os socratistas, os soaristas (sim: ainda os soaristas), os nov’istas, os belenzistas e sei lá quem mais esperneia pelos corredores do Rato, das federações e das concelhias. As discussões e as rixas por ocasião do fecho das últimas listas eleitorais saltaram para a praça pública. Costa teve de as discutir e negociar até altas horas da noite ou da madrugada.
A conclusão impõe-se: no Partido Socialista, António Costa não é indiscutível. Mau sinal para nós todos.