Ontem foi aprovado na generalidade o quarto Orçamento do Estado proposto por este governo. Quando esta fórmula governativa foi encontrada, poucos acreditaram que o executivo teria condições para cumprir o seu mandato até ao fim. O que na altura se dizia é que a incapacidade para aprovar um orçamento seria a prova final da ilegitimidade política desta geringonça.

Ao fim de quatro anos, é claro que a maioria dos prognósticos estavam errados. Também eu me enganei. Nem um só orçamento eu esperava que fosse aprovado. Ou melhor, pensava que seria aprovado, rejeitado por Bruxelas e que, quando Portugal tivesse de fazer as devidas alterações, o PCP se recusaria. Enganei-me, portanto, tal como a grande maioria dos opositores desta fórmula governativa.

Mas, na verdade, penso que o engano foi mais profundo do que parece à primeira vista. Não só nos enganámos nas previsões que fizemos, como também nos enganámos, para desespero de muitos, na desejabilidade desta solução que Costa encontrou. Olhando para trás, a ideia que tenho é que qualquer outra solução teria sido politicamente pior.

A solução mais fácil teria sido formar um governo minoritário à imagem do de Cavaco Silva em 1985. É provável que o PS se abstivesse no primeiro orçamento. É altamente improvável que o segundo orçamento alguma vez conseguisse passar. Voltávamos aos tempos de instabilidade, com a agravante de ser extraordinariamente improvável que as eleições fossem esclarecedoras. Enquanto uma fórmula governativa estável não fosse encontrada, a instabilidade inerente facilitaria a criação de movimentos populistas. Não que o nosso sistema político não precise de uma regeneração, mas, idealmente, não será esse o caminho.

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Uma solução menos fácil, mas que era a preferida pelos líderes da PàF e pelo Presidente da República da altura, era ter um governo “pafiano” com o apoio do PS, que até poderia estar representado no governo. Esta solução, apesar de preferida, seria a pior possível. Com grande probabilidade, grande parte do eleitorado do PS sentir-se-ia traído e procuraria alternativas à esquerda. O Bloco de Esquerda não perderia a oportunidade de se tornar ainda mais populista para captar os votos dos descontentes. Tal como aconteceu em vários outros países, havia o risco de o Partido Socialista implodir. Sendo o PS um dos pilares da nossa democracia, as consequências seriam imprevisíveis.

Com a geringonça, conseguiu-se não só um governo estável, em que o essencial dos compromissos europeus foi cumprido, mas alcançou-se mais do que isso. O BE e o PCP sujeitaram-se à realidade. E se não é de esperar que o PCP, dada a sua matriz ideológica bem definida, mude, é bem possível que o BE faça o caminho dos Verdes alemães. Este é um aspecto muitas vezes frisado por Nuno Garoupa no programa que tem comigo (e com outros) na Rádio Renascença, Conversas Cruzadas. Na Alemanha, os Verdes começaram por ser um partido anti-sistema de esquerda, que gradualmente se tornou num partido confiável. Neste momento, é até o partido que mais tem crescido na Alemanha e é cada vez mais claro que sem ele a esquerda não voltará a recuperar a chancelaria. Em conversa privada, Garoupa pôs mesmo a hipótese de que “o Bloco percorra em 20 anos o caminho que levou 40 aos Verdes alemães”. Têm, claro, de evitar os Robles no trajecto.

António Costa domesticou o principal foco de populismo em Portugal, o Bloco de Esquerda, transformando-o num partido institucional. Daqueles que se curvam perante a realidade. Ou seja, politicamente, a geringonça não se limitou a cumprir o que prometeu: fez bem mais do que isso.