António Costa concedeu uma entrevista ao Expresso no passado dia 20 de agosto, na qual falou de uma economia que “resistiu como nem os mais otimistas podiam imaginar”, ignorando que Portugal é o 3º país da União Europeia mais atrasado na recuperação do PIB pré-pandemia e que o seu Governo foi dos que menos apoios concedeu às PME, deixando à sua sorte 25% das empresas que mais sofreram com a pandemia.

Para além disso, mesmo com autárquicas à porta, ainda é cedo para se cantar vitória. Os efeitos da crise podem vir ao de cima quando terminarem todos os apoios do lay-off, bem como todas as moratórias, cifradas em 37,5 mil milhões de euros em junho deste ano. Convém também não esquecer que o Banco de Portugal e o Banco Central Europeu detêm atualmente 46,1%  da divida pública portuguesa, sendo que em fevereiro de 2020 esse valor rondava os 28%. Algo particularmente sensível quando a nossa dívida pública representa 133% do PIB.

Na entrevista, António Costa demonstrou mais uma vez que a sua estratégia política está baseada no dinheiro da Europa. Disse mesmo que “o PRR e o Portugal 2030, mais do que que recuperar e reconstruir, permitem mesmo transformar estruturalmente o nosso país”. Sabendo que o setor da construção vai beneficiar de mais de um quinto das verbas do PRR o termo estrutural poderá ter outro significado.

O passado demonstra-nos que gastar dinheiro em betão não é suficiente para melhorar a nossa competitividade. Mas com este Primeiro-Ministro, Portugal continuará a apresentar um dos níveis mais fracos de competitividade fiscal do mundo, mesmo depois de vermos a República Checa, a Estónia, a Lituânia, a Eslovénia, Malta e Chipre, países que entraram na UE em 2004, ultrapassarem-nos no PIB per capita.

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A certa altura, António Costa afirmou que a “geração mais talentosa é fruto da paixão do engenheiro Guterres, da generalização do ensino pré-escolar, da política da ciência de Mariano Gago, da escola a tempo inteiro, do inglês do primeiro ciclo e da modernização do parque escolar nos governos de José Sócrates”. Ao escutar estas afirmações, os entrevistadores poderiam ter lembrado que este Governo foi responsável pelo valor mais baixo de despesa do Estado em educação em % do PIB das últimas décadas.

E, aproveitando o tema, poderiam ter feito algumas perguntas importantes, como, por exemplo, quais foram as reformas estruturais que António Costa promoveu na educação? Os alunos já têm os computadores que lhes foram prometidos? Estamos a formar e a contratar professores para ensinarem as disciplinas de empreendedorismo e programação que vão preparar os nossos jovens para o futuro? O que está a ser feito para valorizar, formar e renovar o corpo docente? Que medidas foram tomadas para recuperar o atraso educativo causado pela pandemia? Porque razão aumentou a diferença entre os resultados do ensino público e privado? Que reformas estão a ser feitas para melhorar a governação das escolas?

Eu sei, numa entrevista nunca se conseguem fazer todas as perguntas. Mas, perante uma pandemia, os jornalistas poderiam ter confrontado António Costa com o facto do seu Governo ter apresentado os mais baixos valores de investimento público das últimas décadas. Será que essa falta de investimento contribuiu para a escassez de recursos do SNS? O que está a ser feito para recuperar o atraso de mais de um milhão de consultas e 127 mil cirurgias? Que reformas estão a ser implementadas para modernizar o nosso sistema nacional de saúde? Estamos finalmente a apostar na prevenção e nas novas tecnologias?

Ainda no campo da saúde, sabendo que entre junho de 2019 e junho de 2021 mais 259 mil portugueses ficaram sem médico de família, poderia não ter sido má ideia obter uma reação do Primeiro-Ministro sobre esse tema, especialmente se considerarmos que, em 2016, o próprio prometeu uma cobertura integral e atualmente cerca de um milhão de portugueses continua sem médico de família.

Perguntas que ficaram por responder. Tal como ficou por se conhecer a opinião de António Costa sobre os resultados preliminares dos Censos 2021, em que se verificou uma inédita redução da população portuguesa e um decréscimo de habitantes em todo o interior nacional. Será que o desafio demográfico e a coesão territorial não estão a ser tão bem tratados como nos querem fazer parecer?

A certa altura, quando falava dos objetivos estratégicos, António Costa falou da importância da inovação. Mas, infelizmente, segundo o Ranking Europeu de Inovação, Portugal caiu sete posições, descendo do grupo dos fortemente inovadores para o penúltimo lugar dos moderadamente inovadores.

E a pobreza? De acordo com o Eurostat, Portugal foi um dos nove países europeus em que o risco de pobreza entre os cidadãos dos 18 aos 64 anos aumentou em 2020. Sabendo que a taxa de intensidade da pobreza já era de 24,4% em 2019, este deveria ser o tema mais importante da política portuguesa.

Neste campo, o Primeiro-Ministro comprometeu-se em aumentar os apoios para as famílias, algo absolutamente urgente e que já deveria ter sido feito há muitos anos. Porque a prioridade dos partidos nunca poderá deixar de ser as famílias portuguesas que vivem com menos de mil euros por mês, os 19% da população que não têm condições para manter a casa aquecida e os milhares de cidadãos que aguardam por uma consulta ou cirurgia.

Para além da pobreza, existe uma classe média afogada em impostos num dos países com a eletricidade e os combustíveis mais caros da Europa. A gasolina em Portugal é a terceira mais cara da União Europeia, apenas atrás dos Países Baixos e da Finlândia. Atualmente, para atestar um depósito, os Portugueses têm de trabalhar, em média, quase o dobro dos Espanhóis. Sendo que, das 11 horas de trabalho necessárias para abastecer o depósito de gasolina, mais de 6 horas servem para pagar impostos.

Deixar António Costa pintar o país das maravilhas pode soar bem, mas é a mais fraca prova de amor patriótico. Os verdadeiros amigos são aqueles que são capazes de nos criticar, porque qualquer um sabe que se não falarmos dos problemas, dificilmente estimulamos a sua resolução.