É a pior mensagem que um primeiro-ministro pode enviar ao país: a de que as regras existem, ou deixam de existir, dependendo dos interesses, das conveniências e dos caprichos do chefe. Neste momento, sem grandes explicações, uma mesma coisa pode ser, em rápida sucessão, recomendável, depois proibida e a seguir recomendável outra vez, sem que mude nada a não ser os desejos de quem manda e a sua capacidade de se impor a quem obedece.

Até 2019, António Costa entendeu que pai e filha e marido e mulher podiam pacificamente trabalhar em conjunto pelo bem da pátria, partilhando a mesa do Conselho de Ministros. Depois de 2019, as regras mudaram por um calculismo imposto pelas polémicas do familygate. José António Vieira da Silva reformou-se e deixou a filha, Mariana Vieira da Silva, como ministra; e Ana Paula Vitorino foi forçada a mudar de vida e deixou o marido, Eduardo Cabrita, para nossa desgraça, como ministro. Foi o banho lustral que purificou o governo.

Mas este estado de pureza angelical durou apenas o tempo que convinha ao primeiro-ministro. Em Março, António Costa sentiu que as suas necessidades políticas eram melhor servidas dando o estatuto de ministro a todos os possíveis candidatos à sua sucessão. Só que isto apresentava uma dificuldade: ao promover Ana Catarina Mendes, e ao não remover António Mendonça Mendes da secretaria de Estado dos Assuntos Fiscais, haveria dois irmãos no Governo. Para evitar esta fragilidade, o primeiro-ministro inventou uma nova regra: o gabinete do primeiro-ministro sossegou a Nação em relação aos receios de um novo familygate explicando ao JN que Mendonça Mendes “reportaria ao ministro das Finanças”, enquanto a irmã reportaria ao primeiro-ministro; e que, ao contrário de Ana Catarina Mendes, o irmão “não teria assento no Conselho de Ministros”.

Agora, passados oito escassos meses, mudaram novamente as conveniências do chefe e, como consequência, mudaram as regras também. Esta semana, na mais recente remodelação deste governo de maioria absoluta, António Mendonça Mendes foi promovido a secretário de Estado Adjunto do primeiro-ministro, o que tem duas consequências. A primeira é que os dois irmãos passam a “reportar” à mesma pessoa, António Costa. A segunda consequência é que os dois irmãos passam a sentar-se ambos à mesa do Conselho de Ministros, porque o secretário de Estado Adjunto tem lugar reservado na sala.

Não há absolutamente nada que justifique estas constantes alterações de critérios: o que era desaconselhável em Fevereiro, deveria continuar a ser desaconselhável em Março; o que era reprovável em Novembro, deveria continuar a ser reprovável em Dezembro. Quer dizer, há uma coisa que justifica tudo isto: em Março e em Dezembro, mudaram as necessidades políticas do chefe. E o chefe faz o que entende, até porque o chefe-do-chefe não se incomoda nem se inquieta. Comentando este regresso das ligações familiares ao Conselho de Ministros, o Presidente da República disse há dias que, “como prática generalizada, em princípio, toda a gente tem a ideia de que não é o ideal”. Ou seja: não é bom, mas, como não é generalizado, também não é mau. Para Marcelo Rebelo de Sousa, como sempre, estas coisas conseguem ser simultaneamente interditas e autorizadas — como imitava alguém muito conhecido, “é proibido, mas pode-se fazer”. Quanto a António Costa, tudo é ainda mais simples: o primeiro-ministro nem sequer sentiu a necessidade, ou a obrigação, de se explicar. Decidiu reverter a sua própria regra e ficou em silêncio, como se fosse uma entidade divina a pairar sobre nós.

Em tempos, um grande pensador português produziu a frase que se aplica na perfeição a estes tempos: “O que hoje é verdade, amanhã pode ser mentira”. O que hoje é proibido, amanhã pode ser recomendável. O que hoje é um vício, amanhã pode ser uma virtude. O que hoje deve ficar fora do Conselho de Ministros, amanhã deve ficar dentro do Conselho de Ministros. Nada é permanente, tudo é arbitrário. Só um princípio é imutável: o chefe manda.

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