Apesar do avanço tecnológico verificado nas últimas décadas ter gerado fortes impactos na vida dos cidadãos, a privacidade continua a ser desprezada em Portugal.

Na reunião ocorrida a 31 de março no INFARMED, na qual esteve presente, entre outros, a “elite política” nacional e um conjunto de “especialistas”, o senhor Primeiro-Ministro terá afirmado, segundo noticiou o Observador, não ser possível tomar medidas de rastreamento digital como noutros países “por questões culturais e outras”.

Quase um mês depois, lemos uma entrevista do senhor Secretário de Estado para a Transição Digital a garantir novidades para breve sobre uma aplicação de rastreio ao novo coronavírus, afirmando mesmo que o seu desenvolvimento estaria muito adiantado!

Et voilá! Uma semana depois da entrevista sabemos ter sido apresentada uma aplicação ao senhor ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, que nos garantem ser anónima e não intrusiva, desenvolvida desde o início de abril.

Sem qualquer discussão pública, porque os tempos são de emergência dizem-nos. Porque no início de maio temos a certeza de qual a aplicação a ser adotada pelo governo, caso contrário não havia o apoio do Centro Nacional de Cibersegurança.

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Seria conveniente, e de extrema importância, obter a resposta a algumas questões. É que, pode não parecer, mas os Portugueses estão atentos.

Por exemplo, o consentimento terá de ser dado, certo? Como será feito? Está prevista alguma auditoria de segurança independente? A aplicação cumpre as diretrizes do Comité Europeu de Proteção de Dados, publicadas a 21 de abril? E, claro, qual a razão para a CNPD não ter sido envolvida desde o início através do mecanismo de consulta prévia?

Esperem! Infelizmente, já sabemos a reposta à última pergunta. Não foi considerado necessário pela instituição que desenvolveu a aplicação, por ser um assunto sem qualquer relevância com certeza.

Em minha humilde opinião, recorrendo a uma expressão muito utilizada nos últimos tempos, este tipo de tecnologia só nos vai dar uma falsa sensação de segurança. No entanto, bem mais perigosa do que utilizar ou não máscara. A falta de transparência com que tudo isto é feito deixa-me preocupado e sem qualquer confiança nas nossas autoridades.

E, claro, temos de analisar bem o sucesso do rastreamento digital. Mesmo assumindo que os fins justificam os meios, o próprio rastreamento digital apresenta vários limites como solução para lidar com uma epidemia, como é apresentado num relatório elaborado pela União Americana para os Direitos Civis.

Acrescento ainda o meu contributo: que tal sermos tratados como adultos e responsáveis em vez de crianças?

Mais do que a tecnologia, devem ser a confiança e a transparência a contribuir para superarmos os impactos do novo coronavírus no nosso país (Saúde Pública, Sociedade, Economia…).

Sou positivo por natureza, mas não tenho com ilusões, ambas são recursos muito escassos em Portugal. É mais uma aplicação direta…