Não sei se me deva sentir desvanecido.

Em 17 de Julho e 2 de Agosto, o general Carlos Branco (CB) fez publicar no Observador, exclusivamente em minha honra, duas interessantes peças de opinião.

A primeira foi uma enternecedora tentativa de afronta pessoal, que, exagerando nas mentiras e nos adjectivos pastosos, descobre sobretudo o carácter da personagem. E não revela nada de particularmente louvável.

Como não tenciono descer aos lamaçais em que CB se parece deliciar não vou, obviamente, responder na mesma moeda, já que a vida dele e da sua família não têm qualquer relevância pública. As suas imputações e mentiras são totalmente expostas em Ucrânia, coscuvilhices e o general Branco, tão só para que fique exposto, com meridiana clareza, que o facto de CB mentir não é circunstancial e episódico, mas sim um traço constitutivo, que ajuda a explicar as suas verbalizações sobre a guerra na Ucrânia. Estas, eivadas de obcecado antiamericanismo, profunda hostilidade ao Ocidente, à sua identidade e pertença, e acrisolada russofilia, revelam-no como um assertivo e combativo propagandista do Kremlin, quiçá o projecto ideológico de uma vida que começou nas fileiras da União dos Estudantes Comunistas.

Por vezes, os velhos hábitos não morrem.

A segunda, continuando no habitual estilo vá lá, rastejante, procura todavia justificar algumas das contradições que expus no artigo que o enxofrou (O general que lava mais branco), por lhe ter descoberto o jogo.

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Começa CB com a típica falácia “tu quoque”, desviando para a Líbia, no habitual exercício de whataboutismo que caracteriza os “analistas” com agenda. Mas volta sempre ao fio-de-prumo: a imigração para a Europa é culpa da NATO e, para justificar essa esotérica conclusão, não se coíbe de repescar esotéricas teorias da conspiração.

Confundindo a realidade com as crenças saltitantes do seu solipsismo, afirma, talvez por Revelação, que os mentores do atentado de Lockerbie foram, o Irão e a Síria.

A verdade é que as investigações levaram à acusação de dois agentes líbios. O TPI condenou um deles a 27 anos de prisão. Não terão os juízes captado a “complexidade da coisa”, ou estavam a soldo da NATO?

Posteriores investigações levaram à prisão, já em 2015, de dois mentores, altos dirigentes do então governo líbio e, no ano passado, mais um líbio foi presente num tribunal da Colúmbia, sob a acusação de preparar a bomba.

Em síntese, líbios, líbios e mais líbios, em investigações, acusações e sentenças de tribunais, mas CB, ou por leitura de borras de café, ou por esclarecida leitura de delirantes teorias da conspiração, prefere a tese dos “mentores” sírios e iranianos.

Provas? Nenhuma.

Razão? Porque assim pode imputar a culpa ao Ocidente, afinal tudo terá sido uma justa retaliação por algo que o Ocidente fez ao Irão. O problema do ovo e a galinha, no conturbado dédalo mental de CB, tem sempre a mesma origem.

Garante CB que “as posições dos comentadores militares sobre o conflito na Ucrânia…se dividem em dois grupos, cujas posições refletem as suas experiências profissionais. De um lado estão os que estiveram na guerra e, do outro, os que não estiveram.

A “tese” é fraca, desde logo porque não adere aos factos. Para começar, CB não esteve na guerra. Andou pelos Balcãs, como muitos outros, incluindo eu, ao serviço da ONU, da NATO, da União Europeia, etc., e a maioria deles, além de não fazerem o salto epistemológico para a prosápia de terem estado na guerra, têm, relativamente a esta questão da guerra na Ucrânia, a posição oposta à de CB. Alguns deles também comentam nas televisões com o equilíbrio e sensatez que falta a CB e aos seus camaradas da “troika de zenerais”, como já são conhecidos nas redes sociais.

Ora como nem CB, nem os outros dois propagandistas da troika, estiveram em qualquer guerra, a pedante mentira só tem uma finalidade: fazer crer a quem lê a sua peça, que as posições russófilas derivam da sageza de grandes guerreiros, ao contrário das outras. É um argumento tão ridículo e confrangedor que até provoca cócegas nas meninges. CB pretende fazer crer que a sua passagem pelos Balcãs como observador da ONU foi uma heroica experiência guerreira que lhe fez ver a luz. É de rir à gargalhada, mas CB, tão cheio de si mesmo, não capta certamente a “complexidade” da piada.

Quanto às bombas de fragmentação, CB sobressalta-se, indigna-se e manifesta-se, mas só contra as que estão agora a ser fornecidas à Ucrânia.

Não CB, não é “falso afirmar que a Rússia tem empregado esse armamento sem quaisquer restrições”. O facto de acreditar levianamente na propaganda dos seus mentores, não o autoriza a mentir. É verdade que a Rússia nega, e CB cola obedientemente o cartaz da propaganda, mas numerosos reportes de organizações internacionais referem o seu lançamento regular por sistemas de artilharia (Hurricane, Smerch, Tornado-S, Uragan) e aviões, contra infraestruturas civis. Por exemplo na estação de caminhos-de-ferro de Kramatorsk, onde morreram 58 civis ucranianos e mais de 100 ficaram feridos., etc. A própria Alta Comissária da ONU para os Direitos Humanos, Michelle Bachalet, baseada em relatórios credíveis, disse que a Rússia usou munições de fragmentação, em média 24 vezes por mês, desde o início da invasão.

CB pode negar todos estes reportes e depositar acrisolada fé nas declarações de Putin e da sua entourage, mas não escapa à tragédia solipsista de todos os fanáticos da teoria da conspiração, que pensam ser os iluminados que sabem a verdadeira “Verdade”, ao contrário dos “ignorantes”, manipulados pela “verdade oficial”. Na verdade, exceptuando as armas NBQ, por razões que a prudência e o medo aconselham, a Rússia tem usado tudo o que tem e pode, sem quaisquer restrições. As alegações de CB são pois a fiel declamação de uma mera linha da propaganda russa: se me resistires, faço e aconteço, enfim a típica gesticulação do rapazola que pensa que assusta pela exuberância verbal.

A Rússia fará o quê, CB? Invadir a Ucrânia?

Lamento informá-lo que isso já aconteceu e o bluff russo foi entretanto repetidamente exposto. Não sei se se apercebeu que a Ucrânia já vai alvejando a Crimeia com mísseis ingleses e franceses, e até a capital do Império. E então?

Enfim, sobre este tema, e como CB não disse nada de relevante, para além monótona propaganda russa, remeto o leitor para o artigo “O general que lava mais branco” onde escrevi sobre a racionalidade do uso das armas “desagradáveis a Deus”.

Sublinho só que CB, na falhada tentativa de disfarçar a patológica russofilia, ensaia encostar-se a alguns países que baniram esse tipo de munição. É um truque pueril, porque CB faz um exercício primário de hipocrisia e sectarismo, ao passo que os líderes dos países citados exercitam apenas a correcção política como forma de o vício pagar tributo à virtude.

“O que se poderá ganhar ao abanar um ninho de vespas?”
Boa questão, que todavia CB não suscitou quando a Rússia fez isso mesmo ao invadir a Ucrânia, provavelmente porque não tinha ainda descoberto os seus espantosos dotes de entomologista.

“É verdade que afirmei que “A Ucrânia não tem capacidade para avançar com uma contraofensiva [vencedora]”, como se está a confirmar”
Não, CB, não afirmou isso, não vale a pena mentir constantemente, a estória de “Pedro e o Lobo” aprende-se na infância. A palavra “vencedora” não estava lá, o que faz toda a diferença, mas a má-fé de índole marxista vem ao de cima, ao tentar atabalhoadamente reescrever o que disse. Faria melhor figura se assumisse que se enganou, e que a sua “análise” nada mais é do que o cego e nada imaginativo papaguear dos talking points do Kremlin.

Todos os problemas que tenho vindo a elencar e que inviabilizam a possibilidade de uma vitória ucraniana estão aí.
Isso é exactamente o que a liderança russa pretende fazer crer na sua campanha de propaganda dirigida ao Ocidente, apoiada em “especialistas“ amigos como a troika de generais. A Rússia está há meses à defesa e CB retira daí, helas, não que a Rússia é incapaz de ganhar, mas que é impossível à Ucrânia ganhar. Branco mais branco não há!

As limitações ucranianas, que eu próprio já descrevi em vários artigos, são, a prazo, supríveis pela continuidade do apoio ocidental, cuja capacidade industrial, económica e tecnológica é incomparavelmente superior à russa, facto que deve ser especialmente frustrante para CB.

O facto de a Rússia estar à defesa há vários meses, e a guerra estar a chegar paulatinamente a todo o teatro de operações e às áreas da rectaguarda russa, incluindo Moscovo, prova que as capacidades ucranianas vem aumentando ao longo do tempo, a um ritmo mais lento do que o desejável, é verdade, provavelmente porque o bluff russo ainda vai intimidando alguns. Mas, embora desagrade visivelmente a CB, intimida cada vez menos. Quanto à apregoada abundância das munições russas, não é segredo para ninguém que a Rússia não consegue produzir à medida do que consome e é por isso que tem andado a mendigá-las, em segunda mão, ao Irão, Birmânia, Coreia do Norte, etc.

A prazo, desde que o Ocidente persevere, a atricção material é naturalmente desfavorável à Rússia, e é bom que CB se habitue a isso, porque a sua frustração será bem menor e azedume menos inflamado.

Eu sei que CB tem de tentar dar credibilidade aos bluffs russos, e não consegue evitar que aflorem os sentimentos russófilos ou a saudade soviética, mas estes 500 dias de invasão e um exército russo enfiado nas trincheiras já lhe deviam ter ensinado alguma coisa da vida real.

“Como afirmei e reitero, o dispositivo russo tem-se mostrado inexpugnável, em particular no Sul, na região de Zaporizhzhia.”
CB não disse isto. O que ele afirmou é que a defesa russa era inexpugnável. A diferença semântica é clara para qualquer pessoa que tenha um domínio satisfatório da língua portuguesa. Ser inexpugnável é um estado definitivo. Ter-se “mostrado inexpugnável” é uma constatação datada. A Linha Maginot ou a muralha do Atlântico, ou a defesa de Berlim etc, também se mostravam inexpugnáveis até deixarem de o ser.

Mas, mais uma vez, ou CB mente deliberadamente, dizendo que disse o que não disse e reescrevendo o que disse para exercitar a sua má-fé e evitar ter de assumir os sucessivos e incontáveis erros, ou não consegue orientar-se nos domínios mais simples da semântica. Prefiro acreditar na primeira hipótese, até porque é recorrente e frequente.

Quanto a uma solução política para o “conflito”, CB refere-a como coincidindo com a que ele diz claramente pretender: Rendição da Ucrânia às exigências russas e aceitação dos factos consumados.

Ora é evidente que tanto as partes envolvidas na guerra (e não no “conflito”, CB não consegue livrar-se da formatação na linguagem do dono), como os parceiros que as apoiam ou observam, desejam uma solução política.

A questão incontornável é que a Rússia invadiu a Ucrânia duas vezes e apoderou-se de partes do seu território. Não pela “política”, mas pela guerra. Como não conseguiu atingir os seus objectivos (absorver a Ucrânia na tentativa imperialista de recriar o Império russo, ou soviético) a “solução política” que agora pretende, é a que lhe permita, para já, digerir os territórios ocupados e ganhar tempo para retomar o projecto imperialista, como vem fazendo em sucessivas avançadas, desde 2008.

A solução política para a Ucrânia, é simples, natural e rápida: a Rússia volta a casa, paga os prejuízos que causou, e passa a preocupar-se com a sua vida e dos seus cidadãos, como fazem os outros países do mundo.

É esta a “solução política” pela qual a Ucrânia luta e o Ocidente, particularmente a Europa, tem interesse em apoiar. As margens de cedência passarão sempre pela posição negocial dos contendores, e a da Rússia não tende a melhorar com o tempo. As dificuldades logísticas e as dissensões internas ,  com purgas de generais, repressão e revoltas,  são disso um bom indicador. Uma coisa é certa para todos os que CB, do alto da sua imaginária iluminação, taxa de “ignorantes”: a Rússia de Putin não é um parceiro confiável para assinar acordos que, como se vê, não passam de rabiscos num papel. Levar a Rússia à constatação da sua impotência e real dimensão económica e militar, é o melhor caminho para que a Europa viva em paz nos anos vindouros. Premiar a Rússia com o saque das terras alheias, é o caminho certo para que os nossos filhos e netos venham, mais tarde ou mais cedo, a ter de enfrentar uma guerra mais próxima. Os bullies só arrepiam caminho quando lhes fazem frente e isto aplica-se também, já agora, ao próprio CB.

“A política internacional não se rege por princípios morais, mas por interesses”
CB está enganado, provavelmente porque não consegue ir além dos slogans, afinal eles fazem parte da sua formação nas “enriquecedoras experiencias sociais” dos tempos na UEC. Talvez devesse actualizar leituras, começando, por exemplo, por Morgenthau, Raymond Aron, Samuel Huntinghton e a própria Carta da ONU. Principalmente onde ela refere a igualdade soberana dos Estados, a proibição do uso da força nas relações internacionais e o objectivo de “estabelecer as condições sob as quais a justiça e o respeito às obrigações decorrentes dos tratados e outras fontes do direito internacional possam ser mantidos”.

Quanto ao realismo, o próprio Morgenthau em “Política entre as Nações: A Luta pelo Poder e pela Paz, enfatizou a importância da dimensão ética da política externa.

Isto significa que o sistema internacional não é, como o general parece acreditar, regido pela mecânica da carambola, como se os países fossem bolas de bilhar e a natureza das bolas fosse indiferente.

Não é. Nos conflitos existenciais importam mais a identidade e a pertença do que os interesses. E é por isso que CB se alinha pela Rússia, bem como o Irão, a Coreia do Norte, o Brasil de Lula, a Venezuela, a Nicarágua, e se alinharia também Portugal, se o PCP liderasse o governo. Porque é com ela que se identifica e é com ela que “simpatiza”, ao ponto de fazer de conta que ignora que os interesses da Rússia nesta guerra, são totalmente contrários aos dele, como cidadão de um país da NATO e do Ocidente.

Sim, as posições do CB sobre a guerra na Ucrânia não são neutras nem derivam de interesses, outrossim da sua visão “moral” sobre os “bons” e os “maus”. Para ele, os “maus” somos nós, os que ajudamos a Ucrânia, e os “bons” são aqueles que invadem um país soberano, e nos nomeiam insistentemente como inimigo.

O seu interesse utilitarista, como cidadão de um país pequeno, ocidental, democrático, liberal, pertencente a uma aliança militar defensiva que nos tem garantido a paz, é uma ordem internacional mais baseada no direito do que na força bruta. O seu interesse é que o agressor de um país que se pretende identificar como “nós”, seja derrotado, para que a civilização de que CB faz parte, possa continuar a viver em paz.

O seu interesse é que não haja, no sistema internacional, quem se apodere de territórios alheios, só porque tem mais espingardas, até porque o país onde CB vive, tem poucas.

Infelizmente CB, que recorrentemente se albarda com o cherrypicking de citações avulso, técnica usada por alunos medíocres para parecerem “cultos”, prefere slogans. É que há livros que obrigam a digestões difíceis de conciliar com o edifício intelectual básico,  esse sim, inexpugnável, onde se enclausurou.

CB sofre, em síntese, de uma espécie de disforia de género. Tem um chassi ocidental, europeu, português, mas identifica-se como russo,  e tem dificuldade em assumir. Daí o azedume.

Outro tema que causou incómodo a RC foram as minhas declarações sobre a autoria ucraniana dos ataques à Central Nuclear de Zaporizhzhia”
CB tem-se em tal consideração que precisa de acreditar que as suas declarações me incomodam. Na verdade divertem-me bastante, pela oportunidade que me dão de expor os seus primários enviesamentos russófilos. São um filão!

A CNZ foi mesmo atacada pela Rússia que, de resto a ocupou, e nela instalou um forte dispositivo militar. As razões são óbvias para qualquer pessoa, mesmo que não seja “especialista de crateras”, como o CB agora se reclama: atacar as forças ucranianas usando a central como refúgio.

Os ucranianos não “atacam a central” nem pretendem criar um incidente, como ele afirmou, papagueando a propaganda russa. Os projécteis de artilharia não perfuram as paredes que abrigam os reactores, mas fazem mossa nas tropas russas que ali se instalaram, o que é ligeiramente diferente e faz todo o sentido, afinal a CNZ é ucraniana. A gesticulação do risco nuclear por parte da Rússia faz parte de um padrão que vem do início da invasão e tem uma solução fácil, mas que a Rússia recusou liminarmente: retirar da central e entregá-la a uma entidade neutra.

Já os explosivos fotografados sobre as cúpulas dos receptáculos dos reactores, não caíram de paraquedas, não nasceram lá, nem são enfeites. Foram naturalmente colocadas por quem ocupa as instalações, ou seja, o exército russo. Para quê? Provavelmente CB deveria estudar alguns rudimentos  de Lógica , em vez de gastar o seu tempo a tentar  insultar-me, a recitar os panfletos da propaganda russa, ou a especializar-se em entomologia.

“Se tivesse calcorreado as cidades da Bósnia, RC sabia do que estou a falar.”
É justamente por ter calcorreado cidades da Bósnia, de Angola, Moçambique, etc, que sei distinguir entre teorias da conspiração, boutades da propaganda, e realidade. Mas reconheço que não foi esse calcorrear que me deu a certeza de que CB não só não sabe do que fala, como nem sequer sabe que não sabe. Para perceber isso, basta-me ler e ouvir o que CB escrevinha e espalha, no seu entusiasmo pela Mãe Rússia. O que me parece é que CB ficou preso numa epifania, e acha que a sua pequena voltinha pelos Balcãs como observador da ONU o transformou, não só num feroz guerreiro, mas também em especialista incomparável em matérias que não domina. O ridículo não mata, mas pode ser cruel.

Quanto a Lviv e às particularidades bombistas, CB sabe bem que não tem nenhuma lição, ou então esqueceu que andei nas mesmas escolas que ele e ainda em mais algumas. O que é claro como a água é que, para ele, se a Rússia bombardeia um prédio, coisa que aliás faz constantemente, é porque há no prédio um quartel-general ucraniano. É espantosa a quantidade de quartéis-generais que os ucranianos têm. Milhares de escolas, museus, igrejas, catedrais, celeiros, subestações, hospitais, apartamentos, foram atingidos. Estavam lá quartéis-generais, segundo o “argumento” de CB, na versão de especialista de crateras. Ou melhor, assim diz a propaganda russa, assim papagueia CB, sem surpresa. Não esteve lá, mas acredita. Um dos seus camaradas da troika putinófila, chegou a dizer que, nesse ataque, tinham sido eliminados 800 ucranianos, e o outro nega tudo, incluindo os massacres de civis e as torturas e eliminações de prisioneiros de guerra ucranianos, incluindo com o uso de munições termobáricas.

“Reitero o que disse relativamente às pretensões expansionistas estratégicas da Polónia”
Claro que reitera. É a linha oficial da propaganda russa, destina-se a espevitar divisões entre aliados, e é natural que a Rússia faça isso. Como dizia Goebbels, uma mentira mil vezes repetida passa a ser verdade. Já não é tão natural que CB obedeça prontamente às directivas do Kremlin, mas é verdade que os activistas da UEC sempre foram bastante disciplinados e se o controlador mandava, fazia-se e não se discutia. É toda uma escola!

Reconheço que nunca vi qualquer terraplanista mudar de ideias sobre as delirantes teorias que lhe servem de feno intelectual. O bom teórico da conspiração tem sempre à mão citações de outros alucinados para justificar o seu delírio.

“A Polónia procura gerir uma relação difícil de amor-ódio com a Ucrânia” e “as minhas afirmações não são uma lucubração pessoal”
Na sua nova faceta de conselheiro sentimental, quem sabe se em estágio para a Revista Maria, CB continua a cavar o próprio ridículo, fazendo de conta que não sabe que é através da Polónia que circula o grosso do apoio para a Ucrânia, e que a Polónia é dos países que mais apoia o esforço militar ucraniano, em percentagem do PIB. Só em material, a ajuda polaca já vai em quase 2 mil milhões de euros, incluindo armas, munições, carros de combate, viaturas blindadas, aviões, etc.

No mundo real, a Polónia teme, isso sim, o expansionismo russo, tendo bem presente, não só o resultado da natural aliança entre Hitler e Estaline, como também os anos negros em que a URSS mandou na Polónia (nessa altura talvez CB rejubilasse com a situação, eu não estava lá para ver, mas é o que seria de esperar de qualquer bom activista do PCP, deslumbrado pelo sol do mundo). Por isso é que pediu para entrar na NATO.

“É infantil reduzir o presente conflito ucraniano a uma conveniente fórmula maniqueísta e despojá-la da complexidade que ela encerra. Os bons contra os maus; de um lado, os invadidos, do outro, os invasores.
E contudo é exactamente o que CB faz, em todas as intervenções que produz sobre esse assunto: de um lado os bons, a Rússia, Putin, a saudade soviética, o invasor, o agressor. Do lado dos “maus”, o invadido, o agredido e aqueles que o ajudam a defender-se. Invocar Maniqueu para imputar aos outros a característica central de CB, é de uma desfaçatez a toda a prova.

Se por “complexidade” CB pretende designar a ganga retórica de que se albarda e que pesca aqui e ali, nos círculos esconsos da obsessão antiamericana, vai pelo caminho errado. Qualquer alucinado pode citar outros, mas salta à vista que CB usa o argumento oco da “complexidade” para escamotear a simplicidade óbvia das suas posições russófilas.

“A escola neorrealista das relações internacionais explica com muita clareza o que move os Estados na cena internacional., uma das figuras proeminentes do neorrealismo ofensivo”
De repente, como se batesse o ás de trunfo, CB promove John Mearsheimer, a Papa da Verdade, não porque tenha analisado o que ele escreve, mas porque faz uma coisa que CB aprecia sobremaneira: de algum modo atribui ao Ocidente responsabilidades pela “crise na Ucrânia”. Citaria CB o John Mearsheimer que, in ilo tempore, se opunha à entrega das armas nucleares ucranianas à Rússia? É que se a Ucrânia tivesse uma, a Rússia não tinha invadido.

E não é “crise”, CB, é mesmo guerra. O facto de o Ocidente ter interesses diferentes dos da Rússia é normal, como também é normal que a França tenha interesses diferentes de Portugal. Que haja atritos diplomáticos, económicos, etc., também é normal. Se quiser chama a isso “crise”, faça o favor. Mas não é de “crises” que estamos aqui a falar. É de uma guerra de invasão que foi lançada pela Rússia, porque quis fazê-lo. O facto de CB me tentar desesperadamente desvalorizar como pessoa, não implica necessariamente que eu lhe invada a casa, lhe parta os móveis e me apodere da sala.

Posso muito bem limitar-me a rir. Outra qualquer opção seria sempre consequência da minha vontade.

Não, Mearsheimer não é um perigoso leninista nem agente do Kremlin mas faz, neste caso, o papel que Lenine designava por “idiota útil”. Não é o primeiro nem há-de ser o último, não desfazendo.

Mas a sua (dele) tese da culpa ocidental não explica a razão pela qual a Rússia invadiu a Ucrânia quando não havia sequer qualquer previsibilidade de que viesse a entrar na NATO. Assim como não explica por que razão a Rússia não invadiu a Finlândia, a Suécia, os países bálticos, etc., antes de estes entrarem. Ignora também que os países europeus que procuram entrar na NATO, não são peões no tabuleiro de ninguém, mas sim países soberanos com vontade e interesses próprios. Não são empurrados, pedem a entrada na NATO porque querem, para se protegerem da Rússia, que temem por óbvias razões.

Culpar os EUA, a NATO ou o Ocidente ou a Ucrânia pela guerra é absurdo e risível. Não há aqui  “complexidades”, a culpa de uma guerra é de quem a desencadeia, da mesma maneira que eu seria culpado se invadisse a casa de CB.

CB não pode ignorar as reiteradas comunicações de Putin que, há anos, vinha falando da “Grande Rússia” (On the Historical Unity of Russians and Ukrainians), da Ucrânia como “construção amputada e artificial”, da “desintegração da Rússia histórica”, lamentando que “o que havia sido construído ao longo de 1.000 anos foi em grande parte perdido” e explicando que “o fim da União Soviética foi a maior catástrofe geopolítica do século”.

Se tivesse estudado em profundidade os livros que cita, até CB seria capaz de ver que afirmações destas, verbalizadas por um líder como Putin, não são romagens de saudade, mas sinais claros de que pretende “corrigir” o problema. Foi o que fez a partir de 2008 e continuou até à segunda invasão da Ucrânia. Os pretextos da NATO, dos “nazis”, do “cerco” e todas as outras justificações da propaganda, são meras lorotas que CB se esforça arduamente por embrulhar em “complexidade” e papel celofane.

“É tentar perceber as queixas e os motivos de cada uma das partes envolvidas num conflito. Isso requer que se compreenda o posicionamento e os problemas de cada uma das fações para se poder perceber quais serão as suas possíveis soluções. Isso exige uma abordagem neutral.”
A tentativa de CB de se posicionar como neutro é reveladora de uma engraçada e entranhada dissonância cognitiva. Em nenhuma das suas “análises” ele tenta sequer compreender o posicionamento da Ucrânia ou do Ocidente. Em todas, limita-se a valorizar e repetir à exaustão os pontos de vista russos. O texto dele prova isso à saciedade, e contradiz-se nos seus próprios termos. Espanta que nem sequer compreenda o paradoxo.

“Percebo que as partes envolvidas – EUA e Rússia”
A propaganda russa pretende que a guerra é com a NATO (que, segundo outro dos camaradas da troika, é um “heterónimo dos EUA”). Só assim explica, para consumo interno, a incapacidade de fagocitar a Ucrânia, como pretendia. CB, obediente e entusiástico, usa a novilíngua do dono e as suas categorias. Na realidade, as “partes” envolvida são a Rússia, que invadiu, e a Ucrânia, que foi invadida e não há “complexidade” que refute isto, pese embora o desespero com que CB o tenta fazer, pela repetição cega e reiterada do léxico da propaganda russa.

“Será razoável reduzir esta guerra a uma luta do bem contra o mal?”
Não, não é, mas é exatamente isso que CB faz,  ao mesmo tempo que se desencadeia em indignações e adjectivos contra que lhe aponta a trave nos seus olhos,  quando ele se pronuncia levianamente sobre o alegado argueiro nos olhos dos outros. Para evitar as “complexidades” voltemos ao elementar: Esta guerra é entre  a Rússia, que invadiu a Ucrânia para se apoderar dela, e a Ucrânia que foi invadida e defende a sua soberania, futuro e independência.

“Um tema desta importância não pode ser discutido com base na emoção e na troca de injúrias e acusações malévolas”
Ainda bem que CB se vê ao espelho e reconhece o seu modus faciendi. Estes seus artigos respiram emoção à flor da pele, nervosismo, ira, despeito, frustração, ódio, e quanto a injúrias, acusações malévolas, impropérios e descaradas mentiras, o seu primeiro artigo é de antologia.

“Cada um acredita naquilo que lhe parece mais adequado”
As crenças de CB interessam-me moderadamente, porque lhe reconheço um papel na operação de propaganda de Moscovo em Portugal, feitas a partir do prestígio do posto que alcançou no Exército. Em “O general que lava mais branco” expus apenas as contradições entre o que diz, e prediz, e a realidade no terreno. E sublinhei as espantosas coincidências entre o que escreve e a propaganda russa. Ora como ele não explica essas contradições e coincidências, preferindo gastar o seu escasso latim em pífias tentativas de menorização de quem o expõe, só há duas possibilidades: ou age deliberadamente como agente da Rússia, disseminando intencionalmente a sua propaganda, ou acredita no que diz e isso remete para as suas crenças ideológicas que o fizeram naturalmente transitar da ortodoxia antiamericana da UEC, para a cosmovisão antiamericana do PCP ou da “New Left”, segundo Noam Chomsky.

“Não venham regurgitar que a verdade é a primeira vítima da guerra.”
Sobre “regurgitações” não me pronuncio, até porque não tenho os conhecimentos de zoologia que CB alardeia no seu artigo. Já o que escreve e diz, é um brilhante exemplo de como se mente e mata a verdade. Provavelmente ainda balança na destrinça entre a “verdade a que temos direito” e que vinha directamente do Pravda, e a mentira nua e crua.

“Particularmente perigoso é o que se passa com a Academia, a Comunicação Social e segmentos importantes da elite política que não param para pensar”
De algum modo, a meu ver incompreensível, CB parece acreditar que “pensar” é sinónimo de bolsar a propaganda russa. Pelos vistos absorveu razoavelmente a semântica da novilíngua putinista. Mas no fundo, para quem olha de fora, é como aquele condutor em contramão, que brada contra os malandros que, na sua opinião, vão em sentido proibido. O perigo são os outros e estou em crer que se CB mandasse, esses perigosos elementos seriam reeducados para pensarem como deve ser.

“Fez-se tábua rasa dos temas inconvenientes (corrupção, extrema-direita, etc.), que foram sendo progressivamente substituídos por outros menos “ácidos”. Limpou-se a história.”
CB vê na Ucrânia (como não?), “temas inconvenientes” que todavia não lobriga na Rússia. A ambliopia é grave e não o deixa sequer ver o regime russo, fascista, repressivo e autocrático, em deriva totalitária, a corrupção rampante, a oligarquia cleptómana, os grupos declaradamente nazis, como o Wagner, as invasões de sucessivos países, o imperialismo clássico assumido às claras. Nada disso o interpela, nada disso lhe parece “inconveniente”, mas certamente CB encontrará uma citação de alguém para adornar a sua fixação e, ao mesmo tempo, pavonear a sofrível escrita com a aura postiça de intelectual de esquerda.

“Foi ter-se convencido a grande maioria que era possível fazer soçobrar a Rússia, uma potência nuclear, recorrendo aos ucranianos”
Que uma potência nuclear pode soçobrar, prova-o a História, no Vietname, no Afeganistão, na queda da URSS, etc,. A guerra é o que é e CB, cujo momento guerreiro foi a esporádica e, na sua perpectiva, heroica actividade como observador da ONU, talvez tenha dificuldade em perceber certas “complexidades” do fenómeno guerreiro. É um problema que terá de resolver por si mesmo, talvez com leituras mais edificantes que os slogans da propaganda russa. Ou não, como diz o seu companheiro de estrada, Agostinho Costa. Mas atribuir a quem ajuda a vítima, o seu país incluído, as mais malvadas intenções, ao mesmo tempo que rasga as vestes, a dignidade e a honra pelo agressor, revela apenas que a sua pretensão de “complexidade” e “neutralidade” é apenas o que parece: uma piada e uma tentativa de disfarçar o vergonhoso alinhamento com a Rússia.

“Em termos geopolíticos frios, esta guerra oferece uma excelente oportunidade para os EUA corroerem e degradarem a capacidade de defesa convencional da Rússia, sem botas no chão e com pouco risco para as vidas dos norte-americanos.”
Esta citação de Timothy Garton Ash é de uma lógica irrebatível. A Rússia cometeu um monumental erro estratégico porque sobrestimou as suas capacidades, subestimou a determinação do agredido e do Ocidente, atolou-se na Ucrânia e vem perdendo milhares de homens, armas, e equipamentos. É perfeitamente natural e lógico que quem se opõe aos seus desígnios imperialistas, aproveite o desequilíbrio para a levar ao chão. Se o apoio ocidental se mantiver, não tem como sair airosamente desta situação que a sangra, atrasa, prejudica e, a prazo, a remete para a média relevância que a sua dimensão económica, demográfica e tecnológica permite. Na verdade, falhar na Ucrânia é o melhor que pode acontecer ao povo russo porque, pelo menos durante uma geração, os seus líderes não voltarão às megalomanias imperialistas. E é também do nosso interesse, nós, Europa, nós Ocidente, nós Portugal, porque, caso contrário, os nossos filhos e netos terão pela frente um futuro bem mais perigoso e incerto. Mas isso é algo que só preocupa quem tem filhos e netos.

“A Rússia tem o maior arsenal nuclear do mundo e não vai ser expulsa dos territórios ocupados”
Sim, isto é o que a Rússia tenta insistentemente fazer crer, para atemorizar e limitar o apoio ocidental à Ucrânia. Medvedev‎, o bobo de serviço, fá-lo constantemente. CB, Agostinho Costa e Raul Cunha, também. É o bluff que resta ao Kremlin e aos seus propagandistas. A História, essa aborrecida prova real, desmente-os liminarmente:

O Reino Unido tinha armas nucleares e isso não impediu a Argentina de se apoderar das Falkland. A URSS tinha já o maior arsenal do mundo e não só saiu derrotada do Afeganistão, como colapsou e perdeu imensos territórios na Europa e na Asia. Os EUA sentavam-se sobre o único arsenal nuclear do mundo, mas isso não evitou que fossem obrigados a ceder meia Coreia, face a uma ofensiva chinesa. Tal como esse arsenal não evitou que tivessem de sair do Vietname e do Afeganistão. Israel tem armas nucleares e isso não impediu que cedessem a Faixa de Gaza e sejam constantemente alvejados pelos vizinhos com foguetes e mísseis.

CB, talvez mesmerizado pela ilusão de poder da URSS, perdão, da Rússia, não consegue ver o óbvio. Para ele a Mãe Rússia é imbatível e formidável, o novo “sol da terra”. Mas reivindicar-se “realista” por defender os pontos de vista do Kremlin, é do melhor que se tem visto em termos de standup comedy.

CB termina o seu arrazoado como começou: insultando, desvalorizando, adjetivando. É a sua verdadeira especialidade, para além da entomologia, análise de crateras e psicologia de cordel. Creio que nem vale a pena explicar a diferença entre argumentos, crenças, propaganda e chocarreirice de taberna a quem, paradoxalmente, nem sequer entende a que ponto isso o revela a ele como exemplo perfeito daquilo que projecta nos outros.