A reclamação chegou através dos alunos. Uma turma a saborear os últimos dias da Licenciatura. Gente habituada ao uso rigoroso da terminologia. Pessoas pouco predispostas a deixarem passar qualquer lapso. Três anos na Universidade deixam marcas.
Estavam incomodados. Não percebiam a forma como o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa tinha feito as contas. Está bem que a Matemática não faz parte das disciplinas específicas de Direito, área científica da especialidade do Presidente, mas há procedimentos básicos que têm de ser acautelados.
Era por isso que não aceitavam que, no rescaldo das eleições para o Parlamento Europeu, o Presidente tivesse dito que dois-terços dos portugueses eram pró-europeus. Adicionar os votos obtidos pelos três partidos do outrora denominado arco governativo – PS, PSD e CDS-PP – e pelos recém-criados Aliança e Iniciativa Liberal, era claramente insuficiente como argumento, mesmo que a soma atingisse o valor indicado pelo Presidente.
Lembraram que a taxa de abstenção tinha sido quase 70%, mais exatamente, 68.64%. Por isso, os valores avançados por Marcelo estavam inflacionados. E de uma forma muito exagerada.
Na realidade, o Presidente, apesar de representar a República Portuguesa, não dispõe de competência constitucional para englobar na designação de pró-europeístas todos aqueles que não se deram ao trabalho de ir votar. Certo que o povo defende que quem cala consente, mas usar o provérbio neste caso é claramente abusivo. Até porque numa eleição não é como no casamento. Quem não se pronuncia num ato eleitoral não está obrigado a permanecer calado até ao resto da vida.
Aceitei a contestação, mas coloquei água na fervura do descontentamento. Chamei a atenção para algo que tinha ficado nas entrelinhas presidenciais. Algo que me tinha arrancado um sorriso.
De facto, ao indicar os partidos portugueses pró-europeus, Marcelo Rebelo de Sousa estava, ainda que de forma implícita, a referir os partidos que se opunham à opção europeia por parte de Portugal.
Fiz questão de realçar que, na minha ótica, não tinha sido por lapso ou esquecimento que o Presidente omitira na sua lista pró-europeísta o Bloco de Esquerda, o PCP e o PEV. Uma omissão em linha com aquilo que venho escrevendo há anos, apoiado em estudos e relatórios internacionais. Como, por exemplo, aqueles que são produzidos pela Fundação Timbro ou pelo European Council on Foreign Relations.
Verdade que a primeira instituição é mais dura – chamemos-lhe assim – no uso da terminologia. Chama populista totalitário ao PCP e populistas autoritários ao Bloco de Esquerda e ao PEV. O European Council é mais suave. Contenta-se em incluir o BE e a CDU nos partidos e coligações antissistema. Uma terminologia a que António Costa, no décimo dia da campanha, já tinha recorrido. Uma prova de que não há nada melhor do que as sondagens favoráveis para que a língua fique mais solta.
A turma aquietou-se. Só que a discussão não terminou. Havia uma dúvida a exigir reflexão. Prendia-se com o PAN. O partido que constituiu a novidade dos resultados eleitorais e para o qual António Costa já começa a olhar como possível interlocutor ou aliado.
Como o PAN se recusa a ser de direita ou de esquerda, queriam saber se o incluía nalguma das modalidades de populismo: socioeconómico, cultural ou antissistema.
Como fui apanhado de surpresa e ainda não tive tempo para me debruçar sobre a forma como o PAN articula o discurso, limitei-me a adiar a discussão. É que, com alunos deste calibre, não me posso permitir falar de improviso.
Professor de Ciência Política