Extinguiu-se a avaliação externa dos hospitais. Desde 2021, deixou de ser possível identificar os melhores hospitais públicos, visto que a avaliação deixou de ser feita, por decisão da Entidade Reguladora de Saúde (ERS). Este Sistema Nacional de Avaliação em Saúde operou entre 2009 e 2021 e avaliava 164 dos 168 hospitais do SNS. O seu criador, Eurico Castro Alves, qualificou a decisão de “crime político“. O bastonário da Ordem dos Médicos, Carlos Cortes, concorda: é “mais um sinal de querer esconder os maus resultados do SNS“.
Algo semelhante já havia sucedido na Educação quando, em 2016, se interrompeu a monitorização sistematizada dos desempenhos dos alunos no ensino básico. Deixámos de ter provas (finais ou de aferição) na conclusão dos ciclos do ensino básico, com resultados comparáveis e de acesso público, como desde 2001 — já escrevi várias vezes sobre o tema e as suas implicações (podem ler aqui, aqui ou aqui). Mais recentemente, no ensino secundário, os exames passaram a restringir-se aos alunos que pretendem candidatar-se ao ensino superior, inviabilizando diagnósticos sobre o desempenho do sistema como um todo.
A informação está na base de um regime democrático saudável. Mas, se assim é, como explicar que os dados sejam tantas vezes escassos ou pouco trabalhados, condicionando as percepções dos cidadãos sobre o que funciona bem ou mal nos serviços públicos?
Um estudo experimental recentemente publicado ajuda a responder à questão, oferecendo pistas sobre como os cidadãos e os parlamentares lidam ou reagem a informação comparativa sobre o funcionamento de serviços públicos. O estudo realizou-se na Alemanha e incide sobre os desempenhos dos sistemas educativos dos seus 16 estados federados — mas poderia incidir sobre saúde ou outro sector público competitivo, o princípio seria o mesmo. Há três conclusões que me parecem de maior relevância.
A primeira é que, na ignorância e sem acesso a dados comparados, as pessoas tendem a acreditar que os serviços públicos funcionam mais ou menos bem (a posição média). Neste caso, quando levados a adivinhar a classificação do seu estado federado no ranking nacional (de 1 a 16 estados federados), os inquiridos indicam o meio da tabela. Consequentemente, quem habita num estado federado com elevado desempenho estima uma posição abaixo da real — e vice-versa: ao apontar para o meio da tabela, quem habita num estado federado com baixo desempenho estima que o seu estado federado estará melhor na classificação do que realmente está. Esta tendência é válida para cidadãos e para parlamentares, e tem uma implicação importante: perante a falta de informação, as pessoas inclinam-se para cenários médios, que são razoavelmente satisfatórios e não geram pressão reformista sobre os agentes políticos.
A segunda conclusão é que os cidadãos reagem fortemente à informação quando esta lhes é devidamente apresentada. Neste caso, os cidadãos nos estados federados com desempenhos acima da média apresentam +27,3 pontos percentuais de satisfação face ao ponto de referência para a comparação (o grupo de controlo). Por seu lado, os cidadãos de estados federados com desempenhos abaixo da média têm uma satisfação que está -16,2 pontos percentuais abaixo do ponto de referência para comparação. O resultado parece óbvio, mas tem uma importância enorme: prova que a comparação de indicadores de desempenho, por exemplo através de rankings, é muito valorizada pelas populações e contribui decisivamente para determinar as suas percepções.
A terceira conclusão é que o apoio à publicação de informação é constante para os cidadãos, mas varia entre os agentes políticos. Habitem num estado federado com bons ou maus desempenhos, os cidadãos apoiam incondicionalmente a existência de dados comparados. No caso dos agentes políticos, o apoio à publicação de dados depende do desempenho do seu estado federado: se os resultados forem bons, há mais parlamentares a defender avaliações externas aos alunos (+10,1 pontos percentuais que o valor de referência do grupo de controlo); se os resultados forem maus, os parlamentares reduzem fortemente o seu apoio à existência de avaliações externas (-19,8 pontos percentuais comparativamente ao valor de referência). Ou seja, o estudo identifica um comportamento oportunista nos agentes políticos: como concluem os autores do estudo, as políticas de transparência vêem o seu apoio colapsar nos estados federados com maus desempenhos assim que os parlamentares são confrontados com essa má performance.
Soa familiar? É porque o é. Se perguntarem aos 230 deputados na Assembleia da República, não encontrarão um único que se assuma contra políticas de transparência. E, no entanto, na Saúde, na Educação e em tantas outras áreas, a qualidade da informação reduziu-se gravemente nos últimos anos, impedindo a avaliação e o escrutínio pelos cidadãos, muitas vezes por iniciativa ou com forte apoio parlamentar. O estudo acima descrito ajuda-nos a perceber que isto não se resume a uma infeliz coincidência: as ilusões de que tudo está bem só prosperam na ignorância. Afinal, quando os resultados são maus, há uma maioria absoluta de políticos que desconfia do valor da transparência.