Um dos tops de vendas da Fnac, A última lição de Sobrinho Simões. Entrevista feita por Luís Osório, figura bem conhecida dos portugueses. Comprei e pus na mala de férias, a adir a uma boa lista de títulos, que este ano iria ter muito tempo e disposição para leituras.

Ethy Hillesum, Mário Cláudio, Jorge de Sena, Luigi Giussani, C. S. Lewis, Simone Weil, Flannery O’Conner, Jon Foss, Vasily Grosman.

Comecei por ler A última lição, estendida na areia da Praia Grande. Sugeriu-me muito pensamento, do qual deixo aqui algumas notas.

Percebo a ideia da coleção — um paralelismo com a Academia  — agora inaugurada. Mas não me agrada a ideia que perpassa o livro, que se trata da última “aula” do professor. Porque não se enterram pessoas antes do tempo. Quem sabe se não é o Luís Osório a “marchar” primeiro, e esta é a sua última entrevista. Coisas dessas só se sabem mesmo depois da morte do visado.

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Por outro lado, é um título mentiroso. Um bocado para vender livros, como Tudo o que você precisa de, para, e assim.

Gosto do cientista, do Prémio Pessoa. Sabedor e simpático. Conheci-o quando em trabalho visitei o Ipatimup, a acompanhar Jorge Moreira da Silva, então secretário de Estado da Ciência e do Ensino Superior, com a pasta, entre muitas, da Divulgação Científica.

Um viveiro de cientistas e investigação pura e dura. Não apenas talento, mas muito trabalho. Obra feita, a deste homem entre muitas outras coisas, especialista em cancro da tiróide.

Cheio de sentido de humor, encontrei-o uma vez no El Corte Inglés, onde ele estava para apresentar um livro. Aproximei-me e pedi-lhe que me explicasse por favor, e se possível, o que era o cancro. Ele pega num lápis e começa a desenhar, sob o olhar atento da Guadalupe que, entusiasmada e muito profissional, registava fotograficamente o encontro, que o senhor Marques não estava…

E um ponto me une ao doutor, o de em 2018 termos ambos tido um AVC. São muitas as páginas do livro em que esse episódio é referido no que de novo aportou à sua vida. Aí eu percebo muito bem, identifico-me. Só quem viveu algo semelhante o entende bem, quando fala das limitações, das terapias, etc.

O que me ficou deste livro foi, como num filme, a vida de um homem, desde o  nascimento, os pais, a educação, os primeiros passos, o primeiro e grande amor, a sua “rocha”, uma mulher chamada Gu, os filhos e netos, que nisso o entrevistador sabe  bem proporcionar.

Uma vida, no que foi e poderia ter sido mas não foi, no presente e até nos prognósticos.

Distingo a parte em que  Sobrinho Simões se mostra o cientista cheio de rigor, da parte em que aflora o sentido da vida — e aqui, meu Deus, que falta de rigor!

O Manuel, avô de três Manuéis, não é único nesta desproporção de discursos. É comum o discurso da fé não acompanhar o discurso da competência científica adquirida, seja ela em que ciência for.

A páginas tantas o professor interroga-se por que terá fé aquela pessoa que a adquiriu. Numa penada responde, sem razões. Espera-se mais de um cientista. E, interrogado sobre o que é a morte, Simões diz que a encara como um  fim, embora admita que  possa ser entendida como uma passagem.

E aqui uma brutal contradição. À pergunta do Luís, de quem o professor irá ter saudades, ele responde, com os nomes daqueles de quem terá saudades. Mas como pode alguém que morre, que terá fim, ter saudades?

Ou ainda o discurso vago de apelidar de “quase” fé à fé de alguém! Sim, Osório questiona o cientista acerca da sua “quase” fé. Aqui também não estava à espera de mais rigor de quem levava a conversa.

O jornalista tem-nos habituado a um registo sentimental ou “poucachinho”. De tudo acomodar numa tolerância inofensiva e incapaz de uma visão viril.

Diria até mais, este escritor, jornalista, radialista  e mais não sei o quê, é entre nós — curiosamente título de um dos seus livros — um dos grandes expoentes da ideologia do diálogo. Para a qual o que conta é o dizer, e não tanto aquilo que se diz.

Reconheço que escreve bem e que sente o que diz. Mas é só.

O que fica do que diz este comentador? Fica que ele sente, que sabe  escrever. São icónicos os seus “postais do dia” nos quais elogia as suas  pessoas eleitas, em geral populares, como Tony Carreira ou Cristiano Ronaldo. Ou então os que ninguém conhece, mas que ele providencialmente dá a conhecer…

Ou que souberam viver o sofrimento de forma exemplar. Ou ainda porque são diferentes, quer na sua homossexualidade, na sua heterossexualidade, na sua portugalidade, na sua honestidade, e mais “ades”.

Muitas vezes a fazer-lhes a folha, a encomendar-lhes a alma, a traçar-lhes o futuro.  De  que fulano vai para o céu, de que não católico mas sim a merecer isto e aquilo, com se de Deus se tratasse.

Não, eu  não sou um dos seus milhares seguidores, nas redes sociais, nas quais grassa a treta da ideologia do diálogo. Porque a vida, a filosofia, a ciência, merecem mais. Humildade, respeito, verdade.

As pessoas preferem não entrar em confronto. Cada um prefere a confortável  bolha “cultural” do politicamente correcto. Em nome do interesse “mais alto” de não chocar ninguém, os nossos mais altos interesses passam para segundo plano. Pelo respeito ao diálogo.

E à pala do diálogo e do respeito onde chegamos nós? A uma cultura de escravos, de sujeitos que não vivem as suas mais profundas convicções.

Em primeiro lugar porque prescindem delas. De as conhecer, de lhes dar tempo.

Em segundo lugar, porque mesmo tendo-as não as levam à sua incidência existencial, ou às suas últimas consequências.