Não é necessário insistir na importância – porventura decisiva – das eleições presidenciais norte-americanas, que terão lugar daqui a uma escassa semana, para os próximos anos da vida internacional. Basta encarar a contínua ofensiva russa e a pressão chinesa constante a Leste, bem como a guerra intra-muçulmana no Próximo Oriente, desde a deriva religiosa na Turquia até à imunidade da Síria, cujos enfrentamentos sanguinários com as outras potências islâmicas despejam as suas vítimas incontáveis às portas da Europa, enquanto prossegue a tensão permanente sobre Israel e os poucos aliados que a antiga frente ocidental tinha até há pouco tempo na região!

Por muito que custe a alguns adeptos da «aliança atlântica», o certo é que todas estas ameaças convergentes à instável paz podre que reina há anos entre as democracias ocidentais e os múltiplos movimentos autoritários dominantes nas várias regiões a Leste da Europa se devem à fragmentação interna da dita aliança atlântica e ao enfraquecimento de cada um dos blocos ocidentais, nomeadamente os Estados Unidos e a UE, bem como os aliados que estes costumavam ter na América Latina. Nada desta geoestratégia prevalece hoje de pé e, se quisermos nomear os principais responsáveis políticos por este declínio do bloco ocidental, devido à globalização que ele próprio alimenta desde os anos Setenta do século passado — já lá vão mais de 40 anos, o que não é pouco! – são, evidentemente, os dois principais aliados ocidentais tradicionais, a saber, os Estados Unidos e a Inglaterra.

E se quisermos dar nomes aos responsáveis políticos, os principais foram, desde a implosão do glaciar soviético até hoje, o espalhafatoso e inconsequente Tony Blair e, mais recentemente o ambíguo e fugidio Barack Obama, os quais nunca tiveram qualquer sensibilidade para a composição política específica da União Europeia. Por razões óbvias, ambos ignoraram, se é que não desprezaram, o facto de a UE ter sido feita gradualmente das antigas democracias centro-europeias, gradualmente estendidas aos restos das ditaduras ocidentais (Grécia, Espanha e Portugal) e às recentíssimas ditaduras de Leste, até à fronteira da Ucrânia. Não é à toa que muitos dos inimigos declarados do antigo mundo democrático ocidental consideram que a Ucrânia é uma das principais frentes da anunciada «terceira guerra mundial», juntamente com o Médio Oriente, em especial Israel. Basta perguntar aos dirigentes do nosso PCP para saber isso, mas aparentemente ninguém lhe atribui qualquer importância!

Ora bem, são estes equilíbrios altamente instáveis, postos à prova sempre que há uma crise económica grave ou quaisquer eleições altamente divisivas, como está a acontecer cada vez mais na UE, que estão em jogo na ameaça feita à UE pelo «Brexit» e, muito concretamente, pela eleição presidencial norte-americana da semana que vem. Independentemente das críticas que lhe são feitas tanto à sua direita como à sua esquerda, para não falar do seu pouco convincente perfil pessoal, como ignorar o papel irresponsável de Hillary Clinton no Médio-Oriente, a coberto da presidência – manifestamente inadequada no plano internacional – de Obama? Acossada eleitoralmente por todos os seus adversários, que confiança podem os europeus ter em Hillary Clinton, cujo único sustentáculo eleitoral, além do aventureirismo desbocado de Donald Trump, é… ser casada com o antigo presidente Bill Clinton? Não mostra esta situação como falharam, redondamente, as pretensões de Obama em alterar a oligarquia política que continua a dominar em Washington – o famoso «establishment» contra o qual o anterior presidente teria sido eleito pelos ingénuos em 2008?

Oito anos depois, já ninguém acredita em milagres desses. Salvo, porventura, os apoiantes de Trump, que persistem em não descolar de Hillary, apesar de todos os apoios institucionais e mais alguns que ela tem. O risco, para os cientistas políticos, é muito baixo, mas não são eles que fazem as maiorias. Ao contrário do que deseja o meu colega de coluna Paulo Almeida Sande, quem vai provavelmente decidir o futuro da presidência norte-americana e, por tabela, o nosso próprio futuro são os abstencionistas.

Nos Estados Unidos como em Portugal e, crescentemente, na maior parte dos países que têm a liberdade de votar, a enorme crise da representação política que reina entre nós, são os abstencionistas que fazem, por defeito, os resultados eleitorais. Assim como o actual presidente português, com a sua badalada vitória, acabou por ter menos de um quarto dos eleitores inscritos, o abstencionismo também é muito alto nos Estados Unidos, embora a comparência às eleições presidenciais («turn out»), seja mesmo assim, superior à nossa. O que não deixa de ser inquietante é que os destinos da humanidade estejam, sem exagero, nas mãos dos abstencionistas, como os destinos dos portugueses, mas a verdade é que assim é!

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