As eleições presidenciais estão à porta. Junho está aí, com temas importantes como a decisão do conselho europeu sobre o fundo de recuperação, o orçamento retificativo (e não “suplementar”, porque não adiciona nada, retifica) e as muitas medidas necessárias para relançar a economia e acudir aos mais necessitados. Em Julho teremos a nomeação do governador do Banco de Portugal e antes disso a pequena, mas determinante, remodelação governamental (apenas nas finanças?) com a saída de Mário Centeno. Depois entramos na silly season, que só não o será completamente porque este verão vai ser singular, com tentativas de autorregulação nas praias, de que não há memória e nunca antes experimentada. A rentrée trará dois acontecimentos importantes — a discussão de um muito difícil orçamento do Estado 2021 e as eleições dos Açores — depois dos quais está-se em vésperas de eleições.
Marcelo Rebelo de Sousa, será o sucessor de si próprio faltando apenas saber com que margem ganhará estas eleições. Pode parecer, pois, que se trata de umas eleições irrelevantes. Nada de mais errado. Quer as candidaturas que se apresentarem, quer o resultado dessas eleições, determinarão a forma de exercício do poder presidencial, e a relação de forças políticas, na próxima legislatura.
O Presidente vai ser reeleito por mérito próprio. Fez genericamente um bom mandato e ganhou a afeição dos portugueses. Por regra, teve uma colaboração institucional boa com o governo e outros órgãos de soberania, usou parcimoniosamente os vetos políticos, esteve ao lado dos portugueses em situações difíceis, e tem sabido mobilizar e representar os cidadãos da República. Marcelo é afável e simpático, mas tem as suas fragilidades. Primeiro, não perdeu o hábito de comentador, o que por vezes leva a intervir publicamente quando não o deveria fazer. Segundo, gosta de exercer o poder, isto é ter informação e controlar, ou influenciar, os acontecimentos políticos, mesmo quando as decisões cabem a outros órgãos de soberania. Terceiro, gosta de ser amado e de ter popularidade (que político não gosta?) o que o leva a ter, por vezes, derivas populistas ao defender posições que sabe serem populares, mesmo quando não são justas ou corretas.
O caso da crise desta semana (que já abordei no Expresso), ilustra estas três tendências do Presidente. É claramente defensável que temos de ter muito mais informação sobre o Novo Banco, como escreveu muito bem Susana Peralta (no Público), e que precisamos de mais uma auditoria às imparidades e aos créditos deste banco, apenas com as devidas cautelas e com as mesmas regras que aplicaríamos a qualquer dos cinco bancos nacionais em atividade supervisionados pelo BCE. Já não é defensável a posição de Marcelo de que o empréstimo ao Fundo Resolução (escrito preto no branco no artº 154 do OE2020) deveria ser feito depois da nova auditoria. Não só porque a competência de execução orçamental é do governo, e não do Presidente, como criaria um problema adicional. Admitamos que os resultados desta auditoria não seriam bons. Em que situação ficaria o governo ao ter de fazer de qualquer forma o empréstimo, depois de conhecidos estes resultados? Felizmente, percalços e deslizes, como este, não foram a regra deste primeiro mandato do Presidente. Se o tivessem sido, teria seria o próprio Presidente a pôr em causa o regular funcionamento das instituições democráticas que deveria assegurar.
O segundo mandato, sendo não renovável, introduz incentivos diferentes. Sabemo-lo dos livros, e da nossa experiência histórica, onde todos os Presidentes, no regime constitucional, tiveram dois mandatos. Há um incentivo que desaparece após esta eleição, a reeleição. A única coisa que limitará a ação de Marcelo é, a sua interpretação da Constituição, e a sua consciência sobre a memória que quer deixar aos portugueses. Por isso, a dimensão da maioria política que Marcelo conseguir alcançar será determinante para a auto-avaliação que fará da sua legitimidade política para exercer a sua magistratura de influência. Uma maioria excessiva comporta assim o risco de um maior intervencionismo, e para interpretações “criativas” da separação e interdependência de poderes consagradas na Constituição.
A dimensão da maioria depende da competição política que irá existir nestas eleições. O Partido Socialista já se demitiu de apresentar um candidato, ou até, numa versão mais soft, de viabilizar e acarinhar um(a) candidato(a) que, não sendo iniciativa sua, seja da sua área política. Até já adiou o congresso para depois das presidenciais, para que não haja laivos de dissonância interna. Fez mal, por duas razões. Mata a democracia interna e, a manter-se a ausência de debate interno, arrisca-se a secar o partido na era pós-Costa. Faz com que os eleitores socialistas sejam canalizados para outros candidatos ou a abstenção. Para evitar isso seria importante uma candidatura autónoma, assertiva e com visibilidade na área socialista como Ana Gomes. Avançará? O PCP apresentará candidato, como sempre, e o BE provavelmente também. Onde vão votar todos os eleitores do PSD e CDS que não se revêem em Marcelo? Uma eventual candidatura de Adolfo Mesquita Nunes é, decerto, a melhor candidatura da direita e cumpriria duas funções importantes. Evitaria a absorção por André Ventura de parte do eleitorado dos descontentes do “sistema”, tal como uma candidatura socialista autónoma e inovadora, e seria uma forma de combater o declínio do CDS, o partido democrático e social que integra ainda quadros importantes da direita portuguesa.
É preciso perceber que estas presidenciais serão tanto mais transformadoras do espaço político português quanto menos sejam um passeio no parque para Marcelo. Só o dignifica ter candidatos fortes que o confrontem.