No passado dia 17 de Maio assinalou-se o Dia Nacional e Internacional contra a Homofobia, a Transfobia e a Bifobia. A data simbólica é celebrada e reconhecida à volta do mundo com especial incidência nas democracias liberais ocidentais, onde os valores da autodeterminação, liberdade individual e direitos sociais são defendidos e celebrados, fazendo cada vez mais parte do quotidiano.

Este dia é de especial simbolismo para mim, uma vez que pretende assinalar e deixar presente na nossa memória colectiva que só em 17 de Maio de 1990 – precisamente no ano do meu nascimento – ocorreu a decisão da Organização Mundial da Saúde de desclassificar a homossexualidade como um transtorno mental.

Se isto pode parecer algo menor, a realidade é que faço parte da primeira geração que vive num mundo onde a diversidade de orientação sexual não é vista como uma patologia pela ciência, mas sim parte do mundo em que vivemos. É tão natural como o número de espécies que existem no planeta.

Mas se, por um lado, poderá ser chocante para alguns dos leitores mais novos o facto de só em 1990 isto ter sucedido – eu, por exemplo, ainda não sei como irei explicar aos meus filhos que antes de o Pai nascer parte da minha identidade era vista como uma Doença Mental – espero que fiquem pasmados em saber que só em 2019 é que a transexualidade também foi oficialmente desclassificada como transtorno mental.

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O contexto Português

Desde o fim da ditadura em 1974, particularmente nas últimas duas décadas, o país fez progressos acelerados nos direitos LGBTI+, particularmente para um país há muito fechado e com uma cultura conservadora. Como resultado, este ano Portugal ficou em 10º lugar no Rainbow Map da ILGA Europe. No entanto, Portugal permanece, a par da Europa de Leste, perto do fundo dos países da OCDE em termos de aceitação social em relação às LGBTI+. Estigma, discriminação, isolamento e vitimização continuam sendo a realidade de muitos.

Embora a sociedade civil LGBTI+ portuguesa tenha promovido as melhores práticas e com isso conseguido alcançar avanços jurídicos e políticos, a lei ainda não protege a igualdade de acesso a bens e serviços, à saúde e à igualdade de oportunidades no emprego. A proteção legal contra crimes de ódio e para requerentes de asilo é ainda incompleta. O bullying nas escolas e a falta de educação que abordem a diversidade em relação à orientação sexual e identidade de gênero ainda persistem. Especialmente fora das grandes cidades de Lisboa e Porto, ainda há muito trabalho para superar a inércia e o preconceito cultural, que continuam a dificultar a segurança, igualdade, acesso e inclusão LGBTI+.

O jogo partidário

Em Portugal, ao contrário de uma grande maioria da Europa Central e de Leste, as questões LGBTI+ não foram impulsionadas por partidos liberais e de tendência ocidentalista, muitas vezes defendidos com o intuito de aproximar esses países da realidade dos valores Europeus.

Tal como é sabido, foram impulsionados pelo Bloco de Esquerda aquando do seu nascimento e entrada no parlamento. Graças a esse facto, e ao enorme esforço por parte da sociedade civil (Ativistas, Coletivos e Associações) foi possível avançar na lei, mesmo que muitas vezes de forma amarga com cláusulas discriminatórias à mistura, de forma paulatina mas permanente.

Se por um lado, aquando de uma sociedade civil mais frágil e armários, podemos agradecer ao Bloco a inteligência política de pôr as questões LGBTI+ em cima da mesa, por outro, nos últimos anos, surgiram novas organizações, projectos, colectivo e marchas que promovem iniciativas totalmente independentes e fora de jogos políticos partidários, onde verdadeiramente os seus promotores querem ajudar a tornar Portugal mais diverso e inclusivo, pretendendo levar essas transformações muito além da lei. Organizações que querem alterar os nossos locais de vivência, quer sejam os locais religiosos, locais de trabalho, de lazer, etc. Mas esbarram com uma lógica destrutiva de um partido que dá claros sinais de evidência de que meramente quer controlar a narrativa da população LGBTI+.

Para que esta minha crítica não caia no vazio, porque espero que seja encarada como construtiva pelos seus militantes, dou alguns exemplos paradigmáticos:

  1. O Bloco assumiu a Vereação dos Direitos do município de Lisboa durante quatro anos e anunciou em 2019, com pompa e circunstância, a inauguração do “Centro Municipal LGBTI”, espaço esse reservado apenas a colectivos (caricatamente todos ligados ao BE). Até à data de hoje nada aconteceu;
  2. Não reconheceu publicamente, em 2019, o apoio à candidatura de Portugal ao Euro Pride – com a justificativa de este ser “um evento capitalista”;
  3. Faz parte da Comissão Organizadora de várias Marchas do Orgulho onde vota, pasmem-se, contra a integração de Associações LGBTI+;

A estes podia acrescentar mais exemplos, mas há um que não poderei deixar escapar e para isso tenho de fazer referência ao artigo de opinião do Deputado José Soeiro que, no passado dia 3 de Maio, ao jornal Expresso, afirma o seguinte: “A Câmara [do Porto] não se associa oficialmente ao gesto e rejeita a proposta da Marcha da cidade, criada na sequência do assassinato de Gisberta, mas vai “autorizar e custear a montagem de um mastro” fora da sede do município, para que uma associação de empresários LGBTQI+ faça a sua iniciativa com a bandeira.

Para além de expor toda uma narrativa ficcionada, a afirmação é falsa porque o Porto Pride não é meramente empresarial – evento esse que renasceu em 2019 com um novo conceito de acesso livre, público e gratuito, sem cobrança de ingressos. Para além disso promove uma clivagem entre as organizações LGBTI+ que apenas cumpre um propósito, o de dividir para reinar.

Talvez seja difícil de aceitar, mas o Porto Pride, que pensou e preparou esta iniciativa simbólica desde Março, não tem obrigação nenhuma de questionar o Bloco de Esquerda se a mesma se enquadra no seu jogo político partidário. É uma iniciativa promovida pela Sociedade Civil, onde obviamente foram convidados os partidos, mas não devemos presumir que só os partidos e instituições públicas a podem promover.

É categórico que nos últimos anos, atendendo ao progresso legal que felizmente Portugal teve, o Bloco de Esquerda use meramente as questões LGBTI+ para promoção da sua visibilidade política, mas nos momentos chave nunca apoia as verdadeiras mudanças sociais e estruturais que ajudem à emancipação das pessoas LGBTI+, que vão muito para além das leis.

Um futuro de mudança

Apesar de tudo sou um otimista e felizmente as questões LGBTI+ estão a alargar a sua presença para além de uma lógica monopartidária e legal, tornando-se transversais a toda a sociedade. Porque surgem novos ventos de mudança em todo o espectro partidário, que assumem cada vez mais as liberdades e garantias individuais como valores fundamentais para a sociedade Portuguesa.

E com isso estão a aparecer novas vozes, visões e ações que garantem maior representatividade e alargam oportunidades às pessoas LGBTI+.

Termino com o seguinte desejo, a de que partidos, organizações e empresas não falem das questões LGBTI+ meramente quando lhes convém, caindo assim numa lógica de PinkWashing. Mas que percebam que a promoção da Diversidade e Igualdade das pessoas LGBTI+ é um processo diário e permanente, que irá nos tornar melhores enquanto sociedade.

Atual curador dos Global Shapers Lisbon Hub, Diogo Vieira da Silva, Licenciado em Comércio Internacional, detém duas pós-graduações; uma em Gestão Hoteleira e outra em Marketing Digital, e é recém formado do The Lisbon MBA Católica|Nova, uma joint-venture entre a Católica-Lisbon e a Nova SBE em parceria com o MIT Sloan. Desde cedo se envolveu na promoção dos Direitos Humanos das pessoas LGBTI+, tendo ajudado a fundar duas ONG ‘s nesta área e assumido a Coordenação Europeia do Projeto Norte-Americano It Gets Better Project durante dois anos consecutivos. Co-fundador da VARIAÇÕES – Associação de Comércio e Turismo LGBTI de Portugal, detém o cargo de Diretor Executivo e a Coordenação da Campanha Proudly Portugal.