O autor é desconhecido. É uma história. Aproximava-se a época da caça e os coelhos andavam preocupados. Numa toca a coelha teve uma ideia: “Porque não vais perguntar ao leão? É o rei da selva, é inteligente”. E lá foi o coelho. “Oh sua majestade, rei da selva, o que devemos fazer para nos protegeremos dos caçadores?” O leão pensou um pouco e disse: “Muito fácil, disfarcem-se de árvores.” O coelho lá foi, todo contente, dar a novidade. Mas, retorquiu a coelha, “como é que nos disfarçamos de árvores? Tens de ir perguntar ao leão.” De facto, como seria que se fazia isso? “Oh sua majestade, rei da selva, como é que nos disfarçamos de árvore?”. E o leão, do alto do seu trono, respondeu entediado: “Eu dou a solução, vocês é que têm de a executar”.
Vem esta história a propósito do início do ano lectivo, embora se pudesse aplicar a muitas outras vertentes da nossa vida colectiva, nas relações que temos com o Estado, como aliás Paulo Ferreira nos conta sobre o tema dos imóveis do Estado neste artigo no Eco.
No que ao novo ano lectivo diz respeito, as orientações da Direcção-Geral dos Estabelecimentos Escolares são perfeitas. O problema é que muito poucas escolas têm condições para as aplicar. Muito provavelmente não se conseguia fazer melhor, é difícil avaliar, ainda que a tentação seja a de concluir que tivemos, pelo menos desde Junho, tempo para criar essas condições.
Na maioria das escolas, não existe uma carteira por aluno; não é possível manter os alunos sempre na mesma sala; não existem funcionários suficientes para garantirem a disciplina e a limpeza. Há escolas que, em obras, têm as aulas numa espécie de contentores, com pouca ventilação. Os professores e os funcionários em geral têm de fazer os possíveis e impossíveis para garantirem o mínimo de distanciamento. A escola não teve autonomia para decidir o que seria melhor para o seu caso. E a recorrente falta de dinheiro, que se traduz num défice estrutural de recursos humanos e físicos, impediu que se aumentassem o número de turmas para garantir o distanciamento.
O primeiro-ministro e o ministro da Educação, obviamente, só aparecem nas escolas que conseguem cumprir o distanciamento social. As outras estão votadas ao esquecimento ou são tratadas como o leão tratou o coelho: a solução está nas orientações, agora cumpram-nas. E se não cumprirem? Com elevada probabilidade, não acontece nada. Ou antes, será uma escola que poderá pagar com infecções aquilo que a falta de organização e recursos não conseguiu garantir: condições sanitárias para proteger crianças, alunos, professores e funcionários da pandemia.
Os sindicatos optaram pela habitual desestabilização, mais preocupados com a agenda politico-partidária. Mas poderiam ter tido aqui um papel importante, de encontrar soluções que protegessem as crianças, os alunos, os professores e os funcionários em geral, tendo sempre em vista que é fundamental que não se perca um ano de formação. Infelizmente têm contribuído mais para degradar a imagem dos professores e contribuído pouco para reduzir um dos nossos mais graves défices, o da qualificação.
Com certeza que é ingenuidade, mas os sindicatos poderiam dar um contributo importante para melhorar as condições da educação em Portugal, vendo nessa melhoria um meio para dar aos professores melhores salários. No que seria acompanhado pela recuperação do estatuto que os professores merecem.
O que se tem estado a passar nos lares não é muito diferente. Desde, pelo menos, o início de Abril que o Governo anuncia, através da DGS, que aprovou “os circuitos e procedimentos a adotar nos estabelecimentos de cariz residencial para idosos”. Em Julho assistimos ao drama em Reguengos e dois meses depois ainda existiam falhas. As regras existiam, mas poucos a cumpriram e nem os serviços de saúde estavam preparados. No caso de Reguengos, o debate assumiu contornos lamentáveis, com todos a desresponsabilizarem-se e com o Governo mais preocupado em saber se a Ordem dos Médicos tinha ou não competência para perceber o que se tinha passado. Um caso que culminou com o primeiro-ministro a insultar médicos.
A incapacidade na concretização das soluções anunciadas para os lares mantém-se como se pode ler no Expresso. Com um nome bem concebido para o marketing político, as “brigadas de intervenção rápida” anunciadas pelo Governo contam com poucos ou nenhuns médicos, embora não se perceba como estão a ser contratados.
Há muito tempo que sofremos do mal de considerar que tudo se resolve com anúncios e leis, sem que ninguém pareça preocupar-se em começar por avaliar se existem condições para concretizar o que se anuncia ou se quer legislar. É como se os governantes acalmassem as suas consciências com anúncios e leis. Exactamente como o leão, dão-nos as ideias, procedimentos e leis e nós que nos desenrasquemos. No passado lá nos íamos desenrascando, mas agora, o preço a pagar em tempo de pandemia é demasiado elevado.