Como indica o título, este é um texto sobre (quase) tudo. Mas é sobretudo sobre eleições autárquicas em Lisboa. Por ser um texto sobre (quase) tudo, não tem início, apesar de ter fim. Livres de escolher por onde começar, comecemos por gastronomia: o PSD, no fundo, é uma dose de pimentos padrón. Pode calhar um Isaltino. Pode calhar um Menezes. Pode sair um Loureiro ou um Alberto João. Pode sair um Pacheco Pereira.  Pode mesmo calhar um Rui Rio. Outras vezes, cada vez mais raras, sai um que não nos faz queimar a língua.

Mas o que tem gastronomia a ver com autárquicas, pergunta o leitor? Para responder a isso precisamos de recorrer a várias áreas, começando pela sabedoria popular: uma andorinha não faz a Primavera. Passando para a matemática (perdoem-me os leitores de Bloco), sabemos que há 440 lugares elegíveis na autarquia de Lisboa (entre Câmara Municipal, Assembleia Municipal e Juntas de Freguesia), sem contar adjuntos, assessores e restante parafernália. Das artes marítimas, sabemos que qualquer navio tem lastro, neste caso a máquina partidária, os caciques locais, os jotinhas, enfim, as girls e os boys que ocuparão os diferentes lugares a seguir ao cabeça de lista ou os que esperam por uma avença posterior à conta do dinheiro dos contribuintes. E diz-nos a estatística, baseando-nos na amostra dos pimentos padrón, que dentro deste lastro partidário todo, haverá muitos que nos farão arder a língua. Há ainda o tópico de alfaiataria, onde uns adoram ficar nos bolsos de outros, para todos juntos irem aos bolsos dos contribuintes.

Juntando tudo isto num cocktail (novo tópico: mixologia), a conclusão é que um candidato do PSD, independentemente de quem seja e analogamente à andorinha, não traz o liberalismo. Traz o PSD, traz vários pimentos picantes, e traz todo o condicionalismo e “mais-do-mesmismo” que isso acarreta. E isto não é o que eu quero. O que eu quero é mais liberalismo em Portugal, mais liberalismo em todos os concelhos do país, mais liberalismo em Lisboa.

Continuando a conversa sobre (quase) tudo, dediquemo-nos brevemente à História contemporânea do nosso país e a quem nos trouxe, após 47 anos de vivência democrática, à estagnação e marasmo actuais, onde a vasta maioria dos cidadãos portugueses não tem acesso ao elevador social nem hipótese de subir na vida por virtude do seu trabalho (a menos que possuam, claro, o cartão de militante adequado): PS (apoiado pela esquerda parlamentar) e PSD (com o apoio incondicional, sempre que necessário, do CDS), quais dois lados de um disco de vinil. Entramos assim no domínio da música, onde apesar de pequenas variações, a melodia para a generalidade dos Portugueses tem sido um infindável requiem, independentemente do lado do disco que está a tocar. Veja-se o exemplo das últimas eleições presidenciais, onde para além da música do costume, até o maestro escolhido foi o mesmo.

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Falemos agora de budismo, pois desafio o leitor a meditar sobre quais foram as alternativas apresentadas, quais as bandeiras eleitorais, quais as posições políticas de Rui Rio vincadamente diferentes das de António Costa nos temas relevantes para os portugueses. Recordam-se da alfaiataria? Quem está no bolso de quem? Tendo atingindo esse momento Zen, podemos agora passear pelo mundo da fantasia, onde o PSD defende supostas políticas liberais e é diferente do PS, sem que haja uma Troika a isso obrigar. O que por sua vez nos leva a visitar a física nuclear, ou melhor, um físico nuclear, Albert Einstein, a quem atribuem a seguinte citação: “A definição de insanidade é fazer repetidamente a mesma coisa, esperando obter resultados diferentes”. Escolher repetidamente PS ou PSD e esperar um Portugal diferente, uma Lisboa diferente, confirmam esta teoria de Einstein.

Mudando de assunto, mas ainda assim sem mudar de assunto, debrucemo-nos sobre engenharia aeroespacial. Em particular sobre rampas de lançamento. Que é o que, para muitos, ao que a Câmara Municipal de Lisboa se resume, com longa tradição. O astronauta pioneiro no pós-25 de Abril foi Jorge Sampaio, que deixou o mandato autárquico a meio para concorrer à Presidência da República. Movimento algo reproduzido por Santana Lopes, que largou o cargo para se catapultar, sem pensar duas vezes, para primeiro-ministro (onde deu de caras com Sampaio, que da sala de controlo em Belém, decidiu abortar essa missão). E dando sequência à plataforma de lançamento, António Costa lançou-se para primeiro-ministro também a meio do mandato autárquico em Lisboa (usando Seguro como trampolim, mas aqui já resvalamos para a ginástica acrobática, disciplina onde Costa é exímio). Medina, delfim de Costa, com a ajuda dos santos populares (mas não com a do Santos, o fanático da TAP, seu camarada que tudo fará para que tremam as pernas ao actual autarca) já se encontra em pré-contagem final para disparar o seu foguetão.  A pergunta que surge é, quando surgir a oportunidade de lançamento (por exemplo, na previsível disputa à liderança do PSD que se avizinha), irá um ex-comissário europeu continuar satisfeito com um cargo camarário, ou irá premir o botão de disparo para eventuais vôos mais altos, por exemplo (primeiro-)ministeriais?

Falemos ainda de zoologia. A expressão “abraço de urso” significa alguém de maior tamanho (o referido urso) tentar forçar outrem mais pequeno a agir de determinada forma. Por exemplo, em política, poderia ser a oferta de um partido a outro mais pequeno de “apoiem o nosso candidato!”. Pode até ser à primeira vista uma oferta sedutora, mas muitas vezes acaba com o urso a devorar o mais pequeno. (Dito isto, há outra espécie diferente de ursos, que são os que gostam de ser abraçados. Esses ursos cantam vitória quando o candidato supostamente comum, por exemplo presidencial, ganha eleições, mas a história acaba da mesma maneira, com o urso pequeno a passar para a lista das espécies em extinção.)

Os liberais, apesar de respeitadores dos animais, não são muito adeptos destas macacadas da velha forma de fazer política, quando utilizadas para favorecer eleitos e não eleitores. Passando a conversa para democracia, esta é melhor servida quando há mais, e não menos, opções para o eleitor no boletim de voto. Já os partidos que preferem feiras do gado (mudando mais uma vez o tópico, agora para mercantilismo) de atribuição de lugares em listas eleitorais conjuntas possivelmente não serão tão fãs de diversidade democrática, pois esta obriga a combate eleitoral alicerçado na defesa de visões e ideias concretas para o futuro.

Por último, e falando de política, esta não é feita de D. Sebastiões que aparecem numa noite de bruma para libertar Lisboa ou o país das amarras do socialismo com um passe de ilusionismo. É feita de ideias, de trabalho, de gente séria que veio para a política para servir, para melhorar Portugal, em vez de se servir. É assim que os liberais decidiram fazer política em Lisboa. Com os seus candidatos, com as suas propostas, com o envolvimento das pessoas. Haverá certamente áreas de convergência entre as propostas da Iniciativa Liberal e as de outros partidos, que imagino esta estará disponível para aprofundar e materializar, pós-eleiçōes, tal como demonstrado nos Açores.

Um voto num dos partidos de sempre será sempre um voto inútil (excepto para quem gosta de queimar a língua). Mas, tal como nas legislativas ou nas eleições regionais dos Açores, eleger um liberal em Lisboa fará, mais uma vez, toda a diferença.