Apesar dos extraordinários progressos das últimas décadas, o AVC continua a ser a principal causa de morte e incapacidade permanente em Portugal. A qualidade da resposta do Serviço Nacional de Saúde (SNS) no tratamento das doenças que predispõem ao AVC e na própria situação aguda permitiram reduzir de forma acentuada a mortalidade por 100 mil habitantes ajustada para a idade. Em 2002 foi 117, em 2011, 97 e em 2021, 74. Isto é, em 20 anos foi possível diminuir a mortalidade em 37%. Continuamos, no entanto, acima da média da OCDE, onde a mortalidade por AVC foi, em 2021, de 61.
Para continuarmos a melhorar é imperioso trabalhar em três eixos: prevenção, tratamento e reabilitação. Todos eles exigem atenção política, esforço organizativo e aumento da literacia da população. Exigem também continuidade de políticas. Em saúde, especialmente na prevenção da doença, os resultados demoram tempo a aparecer, exigindo persistência dificilmente compaginável com agendas de curto prazo e planos de emergência ou decisões sem qualquer evidência.
É prioritário prosseguir a ação contra o consumo excessivo de sal. Os estudos demonstram que os portugueses mantêm níveis de consumo de sal bastante superiores aos 5 gramas/dia que, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), constituem o limite máximo aceitável, o que contribui para a elevada prevalência de hipertensão arterial, que atinge quatro em cada 10 portugueses adultos, e que constitui o mais relevante fator de risco para o AVC.
Em 2009 a Assembleia da República aprovou a legislação que limita a quantidade de sal no pão a 1,4 g por 100 g de pão. Em 2017, Fernando Araújo, então Secretário de Estado Ajunto e da Saúde, aprovou a Estratégia Integrada para a Promoção da Alimentação Saudável e, nesse contexto, foi estabelecido um acordo com a indústria panificadora para reduzir progressivamente o teor de sal no pão até 1g/100g de pão em 2021.
Em 2019 um acordo com sete associações da indústria alimentar e distribuição permitiu reduzir as quantidades de sal, açúcar e gorduras em vários alimentos. Os resultados intercalares, em 2021, fornecem evidência de redução superior a 11% das quantidades de sal e açúcar dos alimentos abrangidos, que incluem batatas fritas, cereais de pequeno-almoço, pizzas, iogurtes, refrigerantes, leite achocolatado, entre outros.
Já em 2024, Margarida Tavares, Secretária de Estado da Promoção da Saúde, aprovou um despacho que recomenda aos operadores económicos do setor alimentar a adoção do Nutri-Score, um sistema de rotulagem alimentar simplificada, que pretende ajudar os consumidores a fazerem melhores escolhas alimentares. O despacho foi revogado pelo novo Ministro da Agricultura e Pescas (!) em junho, com total indiferença pela proteção da saúde pública e em absoluto desrespeito pela atual equipa do Ministério da Saúde, cujo mutismo se estranha. Portugal continua assim sem adotar nenhum sistema de informação nutricional, contrariando as recomendações da OMS. Este é um péssimo sinal, face à importância da alimentação para a saúde e à preocupante prevalência de excesso de peso e obesidade na população.
Ainda no domínio da prevenção importa promover hábitos de vida saudáveis que, para além da alimentação, implicam a redução do consumo de álcool e de tabaco e o aumento da atividade física. Este último aspeto assume especial relevo: só 17% dos portugueses dedicam duas horas e meia por semana ou mais à atividade física, a quarta mais baixa percentagem entre todos os países da OCDE.
No que diz respeito ao tratamento, há que assegurar a todos os doentes os benefícios da enorme evolução científica que permite tratar com bons resultados grande parte das vítimas de AVC. O sucesso do tratamento depende em larga medida da sua precocidade. É necessário alertar as populações para os sinais de alarme e para a importância do contacto rápido com a emergência médica. A chamada Via Verde AVC permite que o INEM agilize a ligação aos 34 hospitais preparados para tratar de imediato os doentes, numa rede que cobre o conjunto do país.
Em 2023 a via verde do AVC foi ativada para 8.796 doentes, um aumento de 28% em relação ao ano anterior e um progresso ainda mais impressionante se olharmos para os 3.115 casos registados em 2015. O sistema de emergência pré-hospitalar conseguiu dar uma resposta muito eficaz, sendo de 64 minutos a mediana do tempo entre a chamada telefónica e a chegada do doente ao hospital. No entanto, só em 43% dos casos a chamada para os serviços de saúde ocorreu com menos de uma hora de evolução dos sintomas, o que alerta para a imperiosa necessidade de aumentar a literacia da população. “Tempo é cérebro” e qualquer atraso aumenta o risco de morte ou de incapacidade. Para assegurar o tratamento de melhor qualidade há que continuar a investir em unidades de AVC nos hospitais e nos seus profissionais, de modo a conseguir que pelo menos 90% dos doentes sejam nelas admitidos.
Finalmente há que melhorar a disponibilidade e acessibilidade da reabilitação, que tem um papel preponderante a vários níveis na recuperação funcional, cognitiva e psicossocial; na integração social; na melhoria da qualidade de vida; na manutenção da atividade profissional e no grau de dependência. Cada doente necessita de um plano de reabilitação próprio o que exige um especial esforço de cooperação entre o setor da saúde, as organizações do setor social e o poder local.
Há que garantir a todos tratamento de proximidade e isso também pode ser conseguido com recurso às novas tecnologias e à telemedicina. A pandemia mostrou que mesmo as pessoas com mais idade e menos literacia tecnológica estão disponíveis para adotar soluções digitais, ainda que com enquadramento de profissionais ou voluntários nos locais onde residem.
Manuel Pizarro é médico, especialista em medicina interna. Foi deputado à Assembleia da República pelo PS e vereador da Câmara Municipal do Porto. Foi secretário de Estado da saúde entre 2008 e 2009 e ministro da Saúde entre 2022 e 2024.
Arterial é uma secção do Observador dedicada exclusivamente a temas relacionados com doenças cérebro-cardiovasculares. Resulta de uma parceria com a Novartis e tem a colaboração da Associação de Apoio aos Doentes com Insuficiência Cardíaca, da Fundação Portuguesa de Cardiologia, da Portugal AVC, da Sociedade Portuguesa do Acidente Vascular Cerebral, da Sociedade Portuguesa de Aterosclerose e da Sociedade Portuguesa de Cardiologia. É um conteúdo editorial completamente independente.
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