Muitos governos já faltaram às suas promessas eleitorais. Nenhum, porém, teve alguma vez de votar contra elas, como irá acontecer ao governo de Luís Montenegro. Porque é essa a partida que o Chega e a IL se preparam para lhe pregar: vão propôr alterações ao Orçamento tiradas do programa da AD, e desafiar o governo a reprová-las. Um exemplo: a descida da taxa de IRC em dois pontos percentuais (o Orçamento só prevê 1 ponto).

O governo, de modo torturado, já deu a entender que votará contra essas alterações, isto é, contra o programa com que foi eleito. Aparentemente, por isto: as propostas estavam previstas para serem executadas ao longo da legislatura, e a IL e o Chega vão, segundo o governo, fingir que eram para realizar no primeiro ano, o que arruinaria o equilíbrio orçamental. Se é esta a razão, não basta. Primeiro, porque Chega e IL não parecem excluir algum gradualismo: o Chega não vai propor uma descida do IRC de 6 pontos percentuais, como no programa da AD, mas de 2, como o governo anunciou em Julho. Segundo, porque Luís Montenegro, no debate, adaptou um velho bordão sampaísta para anunciar haver vida para além do excedente: afinal já não há? Terceiro, porque o ministro das Finanças ensinou à noite, na televisão, que a descida do IRC era uma urgência absoluta para obter o crescimento económico que nos pode salvar. Se é assim, porque não aproveitar a maioria que poderá haver na Assembleia para aprofundar essa redenção fiscal?

A razão é outra: o governo não quer “desvirtuar” nem ver “desvirtuado” o Orçamento. E não quer, porque o governo entende o Orçamento como um acordo de casamento entre o governo e o PS. É esse acordo, e não quaisquer contas certas, que o governo quer salvaguardar. As opções dos líderes políticos deste governo são cada vez mais óbvias. Um deputado da IL acusou o governo de ter apresentado um Orçamento que poderia ter sido apresentado por um governo do PS, com a mesma carga fiscal e a mesma despesa corrente, e contra o qual o PSD, se na oposição, estaria agora a votar. E isso é assim, não porque não haja no parlamento maioria para outras políticas, mas porque a escolha do governo foi a de atracar-se a todo o custo ao PS. As “linhas vermelhas” com o Chega tiveram sempre esse sentido: recusar a maioria de direita, para colocar o ónus da sustentação do governo nos socialistas. A única ideia deste governo é sugar todo o sangue eleitoral que puder do pescoço do PS. Para isso, quer Pedro Nuno Santos comprometido com uma governação que é o espelho do que o PS fazia, mas que não é do PS.

Vamos, a partir de agora, estar permanentemente em véspera de eleições. Para parafrasear Tácito, os líderes do PSD montaram uma confusão, e chamam-lhe “estabilidade”. Estarão ao menos a ser “hábeis”? Podemos ter alguma dúvida. Parecem pensar que estão em 1987, na iminência de herdar metade dos votos socialistas. Mas 1987 foi um dos momentos de maior crescimento económico da história portuguesa. As divisões do PREC de 1975 estavam a ficar para trás. A época actual é o contrário. Portugal afasta-se das economias que crescem na Europa. As imigrações descontroladas e a agressividade woke subverteram a coesão social e os consensos políticos. Vivemos num tempo de divergências fundamentais. O governo, porém, não vive nesse tempo. Para este governo, quem leva a sério as diferentes opções políticas é “extremista”. As ideologias são apenas “bandeiras” com que brinca, para umas vezes parecer de direita, outras de esquerda. “Não é liberal, nem é socialista”. Não é nada, à espera que esta frivolidade lhe traga todos os votos do mundo. Talvez alguém devesse lembrar ao governo que só Deus escreve direito por linhas tortas.

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