Há semanas que nas tendas do regime a oligarquia negoceia o orçamento de Estado para 2021. Como é costume, a imprensa acompanha o cozinhado. Não sei, porém, se alguém está a prestar muita atenção. Por causa da epidemia, sem dúvida: com o país à espera de alguma espécie de novo confinamento, a quem pode fascinar o baile parlamentar sobre o Orçamento? Mas também porque ninguém leva muito a sério o drama que António Costa e os seus parceiros tentam inventar para concorrer com o noticiário do Covid. Quem vai aprovar o Orçamento na generalidade? O PSD já disse que não, o PCP e o BE ainda não disseram que sim. O Orçamento pode chumbar, o governo demitir-se? Ninguém o espera, ninguém acredita, a ninguém dá jeito. Em Portugal, a geringonça criou desde 2015 um ambiente político em que a crise governativa é permanente, mas sem desenlace.
A dança orçamental pode ser reduzida, como por vezes faz a imprensa, a embates sobre este ou aquele item muito específico. Ninguém também leva esses detalhes muito a sério. O que está em causa, para todos, não é isto ou aquilo, mas a figura que vão fazer no retrato final. Para que o governo continue, convém que o Orçamento seja aprovado. Mas todos os partidos, incluindo os da chamada geringonça, prefeririam que fossem os outros a aprovar o Orçamento. É que o ponto do bailado orçamental é, mais do que a oportunidade de reclamar créditos por mais alguns euros nas pensões ou nos salários, escapar a responsabilidades. Ninguém quer que este Orçamento pareça ser seu. Para o Partido Socialista, por exemplo, a “contenção” é de Bruxelas, e o “despesismo” dos seus parceiros. O Orçamento deveria definir um Governo, enquanto responsabilidade pelo que existe, e direcção para o futuro. Mas é a isto que o Partido Socialista sempre tentou fugir.
Para perceber o que está a ocorrer em Portugal, temos de distinguir entre poder e Governo. Já falei disto em artigo anterior, mas convirá talvez desenvolver o tema. Designemos por poder o exercício do mando a partir das estruturas do Estado. Chamemos Governo, não ao funcionamento dos ministérios, mas a um centro de responsabilidade e de direcção no Estado. Poder e Governo não são a mesma coisa. O poder é difuso, informal e por vezes difícil de definir; tende a não ser transparente, e nunca é responsável. O Governo é público, legal, definido; está sujeito a escrutínio e à vontade dos eleitores ou dos parlamentares. Um Governo pode mudar com umas eleições ou uma coligação na assembleia. O poder pode ou não. No nosso regime, os oligarcas desejam naturalmente o poder: o mando exercido a partir do Estado, que lhes dá influência, e traz benefícios. Mas só aceitam o Governo na medida em que lhes der acesso ao poder. A responsabilidade e a direcção que deveriam vir com o Governo – isso dispensam. E quando não o podem fazer, como tem acontecido em situações financeiras difíceis onde a UE impõe direcção e exige responsabilidades, ei-los prontos para largar o Governo, como Guterres em 2001-2002, aproveitando as autárquicas, depois do alarme sobre o défice.
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