Votei pelo adiamento do Congresso, vencida sobretudo por motivos de prazo e calendário. Não me lembro de algum dia ter votado tão contrariada. Todos os meus instintos, as minhas razões, as minhas convicções, e o meu ordenamento moral me empurravam para o confronto em Congresso, e o mais depressa possível. Mas aqui está um dos benefícios e, em simultâneo, uma das dificuldades de militar num partido: é a nossa primeira coligação. As decisões são tomadas em conjunto, ponderadas em conjunto, examinadas segundo ângulos alheios à nossa circunstância pessoal. Assim chegamos à primeira ideia que importa corrigir: não foi Francisco Rodrigues dos Santos quem decidiu adiar o Congresso. Foi o Conselho Nacional, órgão máximo entre Congressos, constituído por mais de 300 conselheiros, e numa das reuniões mais participadas de sempre – com cerca de 85 porcento dos conselheiros presentes. E tendo estado também na reunião da Comissão Política Nacional, cerca de 24 horas antes, garanto que foi difícil segurar outros dirigentes que, como eu, estavam desejosos de ir para Congresso defender a nossa política e desmontar, pedacinho a pedacinho, o enredo de calúnias e injúrias que os nossos opositores montaram contra o CDS desde o primeiro dia da actual direcção.
Quanto à data do Congresso. Não existe verdadeira indignação pelo adiamento, ninguém acredita nessa intrujice mal declamada. A data do Congresso é só o pretexto mais recente que este pequeno grupo arranjou para montar um tumulto. Três semanas antes, o mesmo grupo veio ensarilhar-se dentro e fora do partido contra a antecipação do Congresso. O senhores que se opõem à actual direcção decidiram armar um clima de conflito permanente e nada do que possamos fazer vai alterar essa decisão. Com Congresso ou sem Congresso, o conflito é o lugar onde estes senhores se instalaram, e vão continuar a provocar o conflito sempre e de cada vez que alguém lhes puser à frente um microfone ou uma câmara de televisão.
Quem são eles? Parecem muitos, mas são sobretudo sonoros. Entre estes senhores não há nada que os una, a não ser terem sido governantes de segunda linha – e alguns de terceira – nos últimos 20 anos do partido. São pessoas que não têm entre elas nada em comum, nem na maneira de ver o mundo, nem no temperamento, na atitude ou no modo de vida. O que é que o dr. Nuno Melo tem de comum com o dr. Mesquita Nunes? Ou qualquer um deles com João Almeida, Cecília Meireles, ou João Gonçalves Pereira? E todos eles já foram declarados por este grupo de ex-dirigentes como sendo a pessoa indicada para liderar o CDS.
O que isto mostra é que nenhum destes nomes aparece por ter um projecto político próprio, ou sequer por ter uma personalidade política própria. Agora é o dr. Nuno Melo, que puseram à frente por motivos circunstanciais. Mas o resto mantém-se inalterado, atrás está sempre o mesmo grupo. São os mesmos que perderam o Congresso de Aveiro. Tudo o que os une é o ressentimento contra Francisco Rodrigues dos Santos. E para expressar esse ressentimento eles não se importam de destruir o partido, e o prestígio do partido, como têm feito nas televisões ao longo destes quase dois anos. Era bom que houvesse um Congresso porque isto é uma das coisas que eu gostava de ir lá dizer pessoalmente.
Mas existe, por detrás deste aparente conflito pessoal, uma divergência de correntes políticas. A cola que os mantém unidos não é pessoal, é ideológica. É de posicionamento político. Eles quiseram combater o PSD. E não concebem nem perdoam a esta direcção ter elegido o PS como principal adversário. A grande divergência substancial está aí: eles são contra o PSD, nós somos contra o PS.
O dr. Nuno Melo é hoje o nome avançado pelas pessoas que governaram o CDS nos últimos anos, presididas pela dra. Assunção Cristas. Cheguei a pensar que ela podia romper da inexistência a que ajuizadamente se recolheu e vir reclamar a paternidade deste grupo. A dra. Assunção Cristas nunca deu uma explicação para o resultado eleitoral de 2019. Nunca disse ao partido o que é que, no entender dela, tinha corrido mal. E ela não diz porque não sabe. Não se trata de má vontade ou má fé, ela não sabe mesmo, e esse é o grande problema da nossa oposição interna. Estes senhores acham que a política deles estava certa e, portanto, voltariam a fazer da mesma maneira. Nas eleições europeias de 2019 disseram que “a culpa foi do Melo”; e nas legislativas disseram que “a Assunção não soube fazer bem aquilo”. Eu gostava muito de a ver no Congresso, para explicar à dra. Assunção Cristas que ela desfez o partido porque nunca acreditou na oposição que fingiu fazer, com as suas intervenções estridentes na Assembleia da República. Convenceu-se que as estridências substituem uma política de oposição.
Mas os eleitores não se convenceram, e perceberam que o CDS que ela representava não tinha qualquer convicção contra as políticas do PS. Por isso castigaram o CDS, primeiro nas Europeias e, depois, nas eleições para a Assembleia da República, com o pior resultado de sempre e reduzindo o partido de dezoito para cinco deputados.
Certas pessoas imaginam que o CDS vive uma guerra de intrigas e mexericos, mas não é assim. O que existe é uma fractura profundamente política, e essa fractura precisa de ser explicada. Em termos simples, como simples é a natureza da divergência. Na direcção da dra. Assunção Cristas nunca quiseram verdadeiramente combater o PS. Para ela e para os seus dirigentes o adversário era o PSD. Para Francisco Rodrigues dos Santos, o adversário é o PS. A actual direcção aponta o PS como o grande adversário do CDS e do país, e tem dito isto sempre, e em todas as declarações públicas. Mais: a actual direcção até aponta ao PS a responsabilidade pelo crescimento da extrema-esquerda, que o PS favoreceu e deixou crescer para mais tarde se poder servir dela. Como fez em 2015.
Tudo isto devia ser dito em Congresso, olhos nos olhos com os nossos militantes, porque eles merecem da nossa parte um esclarecimento.
Mas podia acontecer pior, e já percebemos que a nossa oposição é capaz de tudo. Receei ter de ir mais atrás em matéria de presidentes do partido, e recuar até Paulo Portas. Uma situação lastimável, política e pessoalmente dolorosa. O dr. Paulo Portas é um património valioso e muitíssimo importante para a história do CDS. Levou o partido mais longe do que qualquer outro presidente, e levou o CDS ao governo por duas vezes. Esperei que o dr. Paulo Portas se mantivesse acima desta querela tristíssima. Os ex-dirigentes que se agitam na televisão contra o CDS apresentam-se como “portistas”, uma designação que sempre recusei. “Portistas” fomos todos, ou quase todos, a começar por mim própria, que entrei no partido pela mão dele e, por indicação dele, fui membro do Conselho Nacional até 2016. Mas as criaturas que agora publicamente se opõem ao CDS usavam o nome de Paulo Portas para se revestir de uma importância que de outra maneira não tinham. Considerei que a instrumentalização do nome de Paulo Portas era incorrecta, por não descrever com rigor as divergências internas dos dirigentes; por não respeitar a dimensão de um nome maior na memória do CDS; e por ver roçagar no talento político de Paulo Portas, e na cultura dele, e na sua instrução, um grupo de personagens manifestamente menores.
Imagino que estes senhores não fizeram outra coisa nos últimos meses, e sobretudo nos últimos dias, senão puxarem-lhe pela manga da camisa a pedirem-lhe que intercedesse a favor deles. Esperei que isso não sucedesse. Contei que o dr. Paulo Portas não cedia à tentação de se diminuir, reduzido a um chefe de facção, vindo a público defender o passado. Um passado recente, de má memória. Um passado que destruiu o CDS.
Afinal, cedeu. Foi singularmente desrespeitoso da actual direcção e do próprio partido, comparando o CDS a uma Associação de Estudantes. O dr. Paulo Portas reduziu todo este assunto a uma brincadeira de miúdos, numa espantosa depreciação do debate político. O que o dr. Paulo Portas fez é difícil de engolir. Não, dr. Paulo Portas, isto é um partido político onde estão em causa coisas importantes. Não é, como o senhor ontem apresentou, um problema da miudagem que não se entende. E até parece que o grupo de ex-dirigentes que o senhor liderou, e com os quais integrou governos de Portugal, lhe obedeciam como quem está numa sala de aula, e o senhor os punha na ordem como faz um professor. Esse tempo, dr. Paulo Portas, se existiu, acabou. Talvez o senhor queira que o CDS regresse ao passado. Regresse o senhor, se quiser. Com esta direcção, o CDS não vai voltar atrás.
Repito, para que não sobre nem uma duvidazinha: votei pelo adiamento só por razões de prazos e calendário. Quero um Congresso rapidamente, assim que possível, depois de ultrapassados os atropelos que nos obrigam a pensar primeiro no interesse do país. Portugal primeiro, mas o CDS logo a seguir.