As criptomoedas estão a formar uma bolha financeira especulativa, mas penso faltarem anos para esta rebentar e, até lá, serão uma ferramenta importante para a criação das próximas grandes empresas usando blockchain – apelidada por alguns como a base da Internet 3.0. Será importante perceber a oportunidade que blockchain poderá significar para o nosso país e para todos nós, e de que modo poderemos garantir a soberania portuguesa num mundo cada vez mais descentralizado.

Mas o que são, afinal, as criptomoedas?

Ao contrário das moedas “normais”, as criptomoedas são uma tecnologia na qual podemos, pela primeira vez, trocar ativos digitais entre pares sem intermediários, bancos, empresas de crédito ou governo. Funcionam de forma descentralizada, em que os utilizadores gerem o sistema, não dependendo da economia interna de nenhum país. As transações são enviadas com agilidade e segurança, anonimamente, pela tecnologia blockchain e as mesmas são aprovadas por um processo chamado de mineração – as transações são verificadas, validadas e adicionadas à blockchain. É também o meio pelo qual as novas criptomoedas são geradas. Este processo de mineração é recompensado em criptomoedas. Hoje em dia, existem centenas e a valorização agregada de todas elas é superior a 370 mil milhões de euros.

A tecnologia Blockchain.

Estas moedas encriptadas foram a primeira aplicação (financeira) a ser desenvolvida em cima da tecnologia blockchain. O blockchain é uma estrutura de dados que permite registrar as transações virtuais. Esta base de dados é pública, global e distribuída. No fundo, simula um livro de registo público no qual toda a rede confia uma vez que as transações são inalteráveis e transparentes. A integridade e a ordem cronológica da blockchain são altamente protegidas por criptografia – daí o nome. Os smart contracts são o motor da tecnologia de blockchain – pequenos automatismos que permitem que os processos simplesmente aconteçam, sem necessidade de intermediação de uma autoridade central.

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A ascensão da bitcoin.

A bitcoin foi a primeira e é a mais valiosa criptomoeda, apresentada em 2008 e criada em 2009 por Satoshi Nakamoto (pseudónimo). O volume total de bitcoins é finita – serão apenas criadas 21 milhões de unidades fazendo com que o preço suba com o aumento da procura. Cada bitcoin começou por valer cêntimos e hoje, com 17 milhões de bitcoins em circulação, cada uma vale mais de 9 mil euros – tendo já valido 17 mil euros.

Há um risco real da bolha rebentar!

Uma bolha económica significa que um ativo está a ser transacionado a um valor significativamente maior do que o seu valor intrínseco e/ou aplicacional. As bolhas fazem parte de qualquer ciclo económico e as principais bolhas tendem a acontecer quando o potencial de disrupção é maior. As criptomoedas são ativos subjacentes de uma tecnologia disruptiva – blockchain – que está a começar a mudar o mundo em que vivemos e, portanto, são naturalmente um investimento de alto risco devido à especulação financeira de cada protocolo e a sua respectiva criptomoeda. Contudo, o mercado global de criptomoedas é ainda relativamente pequeno. Como bolha económica, estou provavelmente mais preocupado com o dólar americano, devido à enorme dívida que tem, ao seu impacto na economia global e ao presidente que a lidera.

Das várias centenas de criptomoedas que foram criadas nos últimos anos, há várias que foram mal desenhadas e planeadas, sem qualquer aplicação real, e começamos a ver os primeiros projetos a extinguirem-se. Exatamente como aconteceu na bolha da Internet de 2000/2001, onde vários projetos tiveram financiamentos milionários e pouco tempo depois extinguiram-se – como o caso da Pets.com – alguns dos principais colossos digitais de hoje foram criados nessa mesma altura – como a Amazon. Portanto, a estratégia correta será, nesta altura de inovação e disrupção, analisar bem esta nova classe de ativos de criptomoedas na esperança de se encontrar a próxima Amazon da nova era do blockchain e não investir nas próximas Pets.com.

As oportunidades são reais. O ano de 2018 será positivo para os bons projetos.

Os primeiros indivíduos que investiram nestas tecnologias já são bilionários. Esta nova era do blockchain é provavelmente a grande mudança de paradigma digital desde a criação da Internet. Devemos todos considerarmo-nos uns sortudos. Os millennials, como eu, perderam essa oportunidade da Internet 1.0 nas décadas de 80 e 90 quando quem controlava a Internet eram os protocolos abertos com empresas sem fins lucrativos. Eram ainda novos quando a Google, Apple, Facebook e Amazon criaram intermediários poderosos na Internet 2.0 e dominaram o online. E nesta era das redes criptodescentralizadas, em que se combina o melhor das duas anteriores e se associa uma rede mais segura, mais eficiente e mais rápida, nós todos poderemos participar de forma ativa nesta nova “revolução” e ajudar a criar as próximas grandes empresas tecnológicas aproveitando a descentralização proveniente do modelo de blockchain.

Criptomoedas à parte, o blockchain irá inovar quase todos os sectores à medida que a tecnologia evolua e se torne mais escalável – desde a banca e seguros, até à logística e à forma como iremos ser governados. Por exemplo, irá facilitar transações bancárias entre países diferentes, melhorar processos de gestão de risco por parte das empresas, facilitar o apoio ao cliente, tornar os sistemas de votos mais acessíveis, acelerar o processamento de mercadorias em portos, etc. Isto porque o blockchain é mais eficiente para confirmar a identidade de utilizadores ou a veracidade de transações no mundo digital, e, através dos chamados smart contracts, é possível fomentar a automatização e rapidez de processos.

O governo português estará certamente a analisar estas oportunidades e, espero, a tentar desenhar uma estratégia, para a nossa economia e para o nosso sistema de governação, amiga da blockchain e aproveitar as suas melhores características. Seria importante termos um quadro legal amigável para as criptomoedas e para as empresas de blockchain, para que estas se instalem no nosso país como já acontece na Estónia, Porto Rico e Singapura. Deveríamos também analisar a mineração e promover esta atividade em território nacional porque, se criarmos um ecossistema interessante de blockchain, teremos maior liberdade para controlarmos o nosso destino, no futuro. Temos hoje uma nova e excelente oportunidade para nos colocarmos na dianteira da economia global.

Graças à transparência e segurança do blockchain, haverá também uma mudança de paradigma substancial num mundo gerido pelas grandes potências político-económicas, por vezes, nublado. Teremos, finalmente, transparência num mundo onde tudo se sabe, sem segredos, em que toda a atividade de governos e empresas é pública e acessível por todos. Temos de estar preparados para esse futuro que cada vez é mais o nosso presente.

Nota: sou acima de tudo um curioso destas tecnologias desde 2011, mas de forma alguma tenho um conhecimento técnico equivalente a colegas e amigos que me ajudaram com conceitos e recomendações de leitura para este texto, como foi o caso do João Monteiro e a equipa de engenharia da Uniplaces e o Paulo Gaspar. Há pessoas fantásticas a desenvolver projetos e redes nesta área em Portugal, como por exemplo o Celso da BrightPixel, o Gonçalo da Consensys, o Jorge da Fintech Server, o Roberto e o João da Utrust, o Mário, o Bruno e o Luís da BlockSwanCapital e o Paulo da AppCoins. A todos eles, votos de muito sucesso!

Miguel Santo Amaro tem 28 anos e é um dos fundadores da startup tecnologócica Uniplaces.com, o principal portal de alojamento universitário a nível mundial, com sede em Lisboa e em Londres. Miguel é também Sócio do fundo de capital de risco Shilling Capital Partners, Presidente da Entrepreneurship Organisation Portugal e membro do Global Shapers Lisbon Hub. Foi no ano passado reconhecido pela Forbes como “30 under 30”.

O Observador associa-se aos Global Shapers Lisbon, comunidade do Fórum Económico Mundial para, semanalmente, discutir um tópico relevante da política nacional visto pelos olhos de um destes jovens líderes da sociedade portuguesa. Ao longo dos próximos meses, partilharão com os leitores a visão para o futuro do país, com base nas respetivas áreas de especialidade, como aconteceu com este artigo. O artigo representa, portanto, a opinião pessoal do autor enquadrada nos valores da Comunidade dos Global Shapers, ainda que de forma não vinculativa.