Muito provavelmente, grande parte dos que elegeram Jair Messias Bolsonaro presidente do Brasil celebraram o fim do lulopetismo no lugar de comemorar o voto convicto no candidato vencedor. No entanto, de fenômeno eleitoral que quebrou vários paradigmas, o capitão reformado do Exército brasileiro tem a chance de entrar para a história do país pela porta da frente. Coerente com o discurso de campanha, os principais nomes indicados para compor o futuro governo têm a cara da nova política preconizada por Bolsonaro: liberal na economia, conservador nos costumes.

Os desafios são muitos e vão exigir do novo presidente e sua equipe mais do que competência. Uma boa dose de sorte, própria dos vencedores, será sempre bem-vinda. Para além de fazer o dever de casa e ser assertivo na política doméstica, Bolsonaro deverá contar com o perfeito alinhamento dos players que compõem o sistema internacional de Estados. Apesar da posse acontecer somente em 1º de janeiro de 2019, os primeiros movimentos indicam que o voto no escuro de uma parte do eleitorado pode converter-se numa bem-aventurança para o Brasil.

A inédita janela de oportunidade que se abre para o liberalismo econômico tem no futuro ministro da Fazenda, Paulo Guedes, o maestro de uma orquestra afinada com os ditames da Escola de Chicago. De partida, Guedes terá de enfrentar a aguda crise fiscal produzida pela gastança irresponsável dos governos petistas – iniciada por Lula da Silva, mas agravada por Dilma Rousseff.

Devem ser adotadas medidas duras que vão penalizar todos os segmentos sociais. Mas, sob pena do retorno da inflação e da estagnação da economia – o Brasil tem uma das menores taxas de crescimento dentre os países emergentes –, Bolsonaro terá que vencer a guerra contra o déficit fiscal. O governo tem comprometidos quase 100% de tudo aquilo que arrecada. Para investir em infraestrutura, o país se vê obrigado a endividar-se. A dívida pública, embora ainda não seja das mais altas do mundo, cresce acima da média da América Latina.

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Sem fazer a reforma da Previdência, o governo federal e os estados não terão dinheiro para pagar os salários dos servidores públicos da ativa. Contudo, a batalha para revisar o sistema previdenciário é apenas mais um dos muitos desafios que o novo governo terá pela frente. Há de se repensar toda a estrutura de governança do Estado, colocada de ponta-cabeça pelos governos socialistas do PT.

Para voltar a crescer de forma sustentável e prolongada, o Brasil terá que implantar boas práticas de políticas públicas que estimulem o desenvolvimento e destravem o país, engessado pelo excesso de burocracia, pela insegurança jurídica e por um sistema tributário que penaliza o empreendedorismo. O Brasil tem um Estado gigantesco, que se envolve demasiadamente nos interesses privados e das corporações. A promessa de diminuir o número de ministérios e implementar um programa de privatização de empresas estatais indicam uma clara opção pela eficiência a partir da desburocratização e redução da máquina pública.

Um dos efeitos deste enxugamento refletirá na dinâmica do pacto federativo, que concentra excessivamente no governo federal os recursos arrecadados. Nas palavras do novo presidente, “menos Brasília, mais Brasil” significa rediscutir a maneira como o dinheiro é distribuído entre as esferas administrativas. Hoje, grande parte do que é arrecadado em impostos fica na União, fomentando uma relação de dependência dos demais entes federados.

Bolsonaro deve aproveitar o cenário favorável de inflação e juros baixos, reservas cambiais altas e o capital político amealhado na eleição para tratar das “pautas bombas”. Espera-se que o novo presidente não incorra nos erros de seus antecessores que não aproveitaram a lua de mel com os eleitores para promover as reformas necessárias.

Por mais poder que o chefe do Executivo acumule, os ajustes na área econômica (mas não apenas) terão que passar pelo crivo do Congresso Nacional. Após 27 anos de Legislativo, Bolsonaro deve ter reunido capacidades suficientes para negociar com seus antigos pares a aprovação de matérias de interesse do Executivo. Para quem fez campanha sob o discurso contrário à troca de favores e foi eleito sem o apoio das poderosas máquinas partidárias, a solidão da vitória pode converter-se em instrumento de pressão sob um Congresso historicamente fisiológico.

Seria esse o fim do nefasto presidencialismo de coalizão. Celebrado por intelectuais de esquerda, essa aberração que o presidencialismo assumiu em terras tupiniquins é um convite a práticas pouco republicanas de se fazer política. Literalmente abriu o caminho para que se estruturassem as mais espúrias relações de trocas de favores entre os representantes dos poderes. Os frutos dessa geringonça são do conhecimento de todos, os maiores escândalos de corrupção da história do país.

O Estado foi loteado entre os políticos que supostamente garantiriam a governabilidade de presidentes sem maioria no Congresso. O patrimonialismo, presente entre nós desde o período colonial, foi revigorado, e práticas que haviam sido superadas nos governos de Fernando Henrique Cardoso foram recuperadas por Lula da Silva. No entanto, sob o lulopetismo o Estado Patrimonial privatizou o poder e colocou sob a tutela do Partido dos Trabalhadores todas as instituições democráticas brasileiras.

Uma vez donos do poder, os petistas sentiram-se confiantes para praticar toda sorte de bandalheira. O esquema conhecido por Mensalão e a volta do “centrão”, agrupamento de parlamentares movidos à base do “toma lá, dá cá”, são apenas um aperitivo da degeneração da democracia representativa levada a cabo pelo presidencialismo de coalizão enquanto instrumento de governabilidade adotado por Lula da Silva e seus sequazes.

O mecanismo cultural

Se na economia Jair Bolsonaro deu carta branca para o superministro Paulo Guedes agir segundo preceitos liberais, na educação e nas relações exteriores prevaleceu o perfil conservador dos novos ministros. Nas duas pastas, os nomes anunciados pelo futuro presidente foram sugeridos pelo filósofo e escritor Olavo de Carvalho. Novamente, são profissionais de reconhecida capacidade técnica e intelectualmente afinados com o discurso de Bolsonaro.

Tanto o professor Ricardo Vélez Rodriguez como o diplomata Ernesto Fraga Araújo têm em comum com o “guru de Bolsonaro” – estatuto ao qual Olavo de Carvalho foi alçado pela comunicação social – a luta contra o globalismo e o marxismo cultural. Nestas áreas da administração pública brasileira, o mecanismo lulopetista de perpetuar-se no poder certamente encontra-se mais entranhado, a funcionar muitas vezes em perfeita sinergia uma com a outra.

À frente do ministério da Educação, o professor Vélez Rodriguez enfrentará um ambiente bastante conflagrado. Os temas Escola Sem Partido e ideologia de gênero estão no centro do debate que envolve a comunidade acadêmica brasileira em todos os níveis. Vélez Rodriguez quer devolver aos pais a prerrogativa de educar os filhos. Desta forma, a escola passará a ter função subsidiária à da família na formação das futuras gerações.

Defensor ardoroso das tradições, Vélez Rodriguez acredita que o Brasil, de maioria conservadora, não aceita a imposição de ideologização de gênero ou política nas escolas, sobretudo no ensino fundamental.

Uma importante mais-valia de Vélez Rodriguez é ser profundo conhecedor da obra do filósofo marxista Antonio Gramsci. Em seus escritos, demonstra, com clareza e maestria, como os intelectuais da esquerda brasileira ocuparam os espaços culturais nas últimas décadas com o fim de controlar o Estado. Este repertório será indispensável na guerra que pretende travar contra a hegemonia do pensamento progressista que domina a educação no Brasil.

O ensino básico adotou acriticamente a doutrina de Paulo Freire, que tem na educação instrumento estratégico de ascensão hegemônica da classe trabalhadora. Nas universidades, a realidade não é diferente. A politização revolucionária não permite o debate do contraditório. De modo maciço, os cursos de humanidades foram submetidos à supremacia do marxismo cultural na vertente da Escola de Frankfurt. Sem exceção, as universidades públicas no Brasil são dirigidas por intelectuais orgânicos oriundos de sindicatos controlados pela esquerda.

Se Vélez Rodriguez pautar-se pelo lema do seu padrinho político Olavo de Carvalho, segundo o qual “uma guerra cultural se vence no campo cultural”, o aparelho esquerdista que antigamente chamávamos de universidade precisará de se reinventar. A farra com o dinheiro público para produzir delírios dignos de pseudociência estará com os dias contados.

Não pode haver condescendência com uma estrutura viciada que responde apenas por 25% da demanda do ensino superior do país, a um custo cinco vezes maior que a privada, e se julga acima da corresponde particular. A arrogância e prepotência da intelligentsia encastelada na universidade pública só não explica, no entanto, sua pífia produção científica. O Brasil mantém o título de país sem prêmio Nobel.

O mecanismo globalista

Nas relações exteriores, o mecanismo lulopetista subverteu a tradição diplomática inaugurada por Rio Branco. O interesse nacional, que emerge do consenso entre os diversos estamentos sociais, cedeu lugar ao projeto privado de poder do PT. A obedecer sua orientação de partido marxista-leninista, a histórica parceria com o Ocidente, ao qual o Brasil está ligado por laços civilizacionais, paulatinamente cedeu espaço para a cooperação com ditaduras sanguinárias.

O futuro chanceler Ernesto Fraga Araújo tem a missão de reposicionar o Brasil na direção de seu destino de país livre e soberano, mas que atua na arena internacional a partir do cumprimento de normas e regras negociadas. O ativismo de Lula da Silva fez com que o país perseguisse uma geopolítica centrada na aquisição de nacos do poder, mas sem qualquer preocupação normativa. Valores morais que custaram caro aos que vieram antes foram negligenciados em nome do apetite insaciável de poder de um caudilho populista.

Atrelar ao governo compromissos assumidos pelo partido é um dos exemplos da imoral política exterior do lulopetismo. A relação do PT com o Foro de São Paulo rebaixou o Brasil à condição de cúmplice do tráfico de drogas e de armas pelas Farc colombianas. O organismo fundado por Lula da Silva e Fidel Castro em 1990, para manter vivo o projeto socialista perdido com o colapso da experiência no Leste Europeu, serviu de amálgama dos mais diferentes arranjos políticos da esquerda latino-americano e do Caribe.

A onda de governos bolivarianistas iniciada em 1999 com a eleição de Hugo Chávez na Venezuela contou com a simpatia e o apoio direto, inclusive financeiro, dos presidentes petistas. Uma das farsas do lulopetismo – há muitas para o novo chanceler desmontar – caiu após o cancelamento por Cuba do programa Mais Médicos. A disposição de Bolsonaro de não compactuar com a imoralidade fez com que o governo da ilha-prisão se antecipasse e colocasse fim à grande mentira que irrigou cerca de 7 bilhões de reais para o regime castrista.

O valor foi pago via Organização Pan-Americana de Saúde (Opas), manobra sórdida usada por Dilma Rousseff para dispensar o aval do Congresso brasileiro no acordo e enviar ao Brasil milhares de médicos-escravos que ficavam com apenas 30% do montante repassado. As famílias eram mantidas reféns em Cuba para evitar a deserção dos profissionais.

A triangulação da Opas na fraude do Mais Médicos para beneficiar a ditadura cubana aumenta a cautela com a qual o futuro governo pretende tratar as organizações multilaterais, tidas como trincheira do ranço retrógrado socialista. O antiglobalismo de Bolsonaro e de seu chanceler conduzirá o Brasil a um realinhamento amplo com a política exterior dos Estados Unidos. Os embates entre Donald Trump e a Organização das Nações Unidas são percebidos por Ernesto Araújo como parte de uma cruzada contra a decadência do Ocidente.

O diplomata prometeu varrer o PT do Itamaraty e combater pautas abortistas e anticristãs na ONU. Nesse sentido, espera-se uma firme posição contra as agendas identitárias da Comissão para os Direitos Humanos e a pedagogia revolucionária da Unesco. Vale lembrar que é antiga a animosidade de Bolsonaro com a organização e suas agências. Durante a campanha, declarou que o Brasil sairia da ONU caso fosse eleito. Não surpreende a retirada da candidatura do país para sediar a Conferência do Clima (COP-25), a conferência anual das Nações Unidas para implementar o Acordo de Paris.

Apesar de não possuir instrumentos próprios de poder como os EUA, o Brasil de Bolsonaro perseguirá sua autonomia internacional. Segundo Ernesto Araújo, o alinhamento com qualquer bloco não “deveria impedir o Brasil de alinhar-se consigo mesmo e com a própria essência de sua nacionalidade, se chegarmos à conclusão de que essa essência é ocidental”.

A promessa de endurecer as relações comerciais com a China e acompanhar os Estados Unidos na transferência da embaixada em Israel para Jerusalém são passos em direção à doutrina de Donald Trump de resgate dos valores ocidentais a partir da negação do universalismo globalista. Assim como o presidente americano, Bolsonaro acredita que a ordem liberal está sob ataque e que a ONU se comporta excessivamente influenciada pelos inimigos da liberdade, contribuindo para o estatuto de irrelevância da organização.

Com se vê, o novo presidente terá muito trabalho pela frente. O Brasil que Bolsonaro herdará é uma nau à deriva. Após 16 anos, o legado negativo do mecanismo lulopetismo é representado por um gigantesco Estado patrimonial, cujas instituições, em invés de se colocarem a serviço da sociedade, não raro, voltam-se contra ela, submetendo e dominando seus cidadãos.

É contra um Leviatã hostil ao bem comum, inchado por um sem-número de atribuições usurpadoras da individualidade, obstáculo à espontaneidade do desenrolar social e aos verdadeiros valores da democracia liberal, que Bolsonaro travará uma verdadeira guerra.

Aos incomodados com a presença de muitos militares no próximo governo, melhor seria se engolissem o choro infantil para não passarem vergonha. Desde a redemocratização em 1989, os governos progressistas tiveram vários integrantes da luta armada em função pública. Sob o silêncio da orgulhosa imprensa esquerdista militante, nacional e estrangeira, casos de condutas radicais como a de Aloísio Nunes Ferreira – o atual chanceler foi motorista de Carlos Marighella – foram relevados. Da mesma forma, pouco se comenta sobre os assassinatos perpetrados por Dilma Rousseff e seus companheiros terroristas na década de 1960.

Jornalista e doutorando em Ciência Política e Relações Internacionais no Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa. Pesquisa os desafios do multilateralismo liberal no presente contexto de transformação da ordem mundial.