Tudo começou com 15 dias sob o pretexto de “achatar a curva”. Cedemos as nossas liberdades individuais e sociais com uma tremenda facilidade, deixando bem visível toda a confiança depositada nos líderes actuais. Neles confiámos e acedemos ao pedido expresso de isolamento social, com um nível de cumprimento absolutamente inatacável. Em Março de 2020, as outrora movimentadas ruas e estradas de Portugal e tantos outros países, davam lugar a um deserto de movimento ao qual apenas ficava a faltar uma bola de feno para completar uma paisagem digna de velho oeste. Manifestava-se a consciência de que, por um lado, não era esse o modo de vida ideal, mas, por outro, era um passo necessário para evitar uma sobrelotação do já de si frágil e debilitado SNS, apesar de as notícias fazerem crer que esta ruptura se fica a dever, exclusivamente, à COVID. Falava-se do “milagre português” e o novo lema nacional era o “vai ficar tudo bem”.

O que se seguiu não foi bonito. Uma sucessão de profundas contradições, de branqueamento e condicionalismo de informação divulgada e de construção de narrativa de que nada mais no mundo importava. Deu-se lugar a uma profunda alteração na forma como a vida em sociedade é encarada, medidas que condenaram milhares a uma pobreza forçada, a completa destruição do percurso de aprendizagem escolar de toda uma geração, um medo de um vírus que, certamente, levou a uma maior resistência por parte da população na hora de recorrer a infraestruturas hospitalares e uma alocação desmedida de recursos a testar e monitorizar pessoas assintomáticas, condicionando de forma clara a  capacidade destas em responder a qualquer outro tipo de patologias. E, ao contrário do que se poderia pensar, à medida que a OMS ia divulgando novas informações e recomendações sobre como lidar com o vírus, como a recente recomendação de não testar assintomáticos, Portugal seguia em rumo contrário. À medida que vários virologistas partilhavam a sua recomendação de regressar a uma vida normal, sob pena de acentuar, ainda mais, os danos óbvios de continuar com medidas restritivas, Portugal seguia em rumo contrário. À medida que vários países abriam por completo as suas economias, levantavam todas as restrições alguma vez impostas, sem que isso levasse a qualquer tipo de apocalipse sanitário, Portugal seguia em rumo contrário. À medida que todo o mundo se esforça e age de modo a recuperar a economia, anos de ensino perdidos, liberdades brutalmente condicionadas, ou um modo de vida saudável e digno de sociedade, Portugal insiste em seguir em rumo contrário. E fá-lo seguindo uma “matriz de risco” comprovadamente obsoleta que, de risco, apenas traz as consequências absolutamente destrutivas das medidas que se propõe a impor.

Hoje, a situação é muito pior do que alguma vez imaginei e o dia 8 de julho de 2021 ficará para sempre gravado na minha memória como o dia em que, pela primeira vez desde que sou vivo, Portugal, o seu governo e sociedade, compactuaram com um autêntico atentado aos mais elementares direitos de qualquer cidadão. A 8 de julho de 2021, foi oficialmente anunciada a distinção entre cidadãos de primeira e segunda, com base num documento comprovativo de vacinação, ainda para mais numa fase em que o Estado ainda não tinha a possibilidade de facultar este privilégio a toda a sua população. Cidadãos a quem lhes é consagrado o acesso a direito básicos como desfrutar de uma refeição num restaurante, e outros a quem lhes são negadas liberdades básicas. Os atropelos à constituição já são a imagem de marca deste governo e presidente (um constitucionalista, diz-se), mas esta segregação digna de tempos e circunstâncias bem obscuros da história da humanidade é o atingir de todo um novo ponto baixo que nunca julguei ser possível. Tudo isto, perante uma doença com uma taxa de mortalidade em pessoas com menos de 60 anos absolutamente residual, numa fase em que a esmagadora maioria da população mais velha já está vacinada e, por isso, com uma também residual possibilidade de manifestar sintomas graves mas, acima de tudo, numa altura em que a mortalidade global portuguesa está perfeitamente em linha de conta com anos anteriores. Pergunto de forma clara: quando vamos, finalmente e de uma vez por todas, recuperar a vida normal em sociedade e qual o caminho que o governo pretende com estas medidas?

A Marcelo, exige-se que faça prevalecer a constituição que jurou cumprir, dispensando-se comentários sobre a performance futebolística da selecção nacional. A António Costa, exige-se que, por uma vez, só por uma vez, assuma um discurso de verdadeiro líder, impedindo ainda mais uma propagação desmedida de um pânico insustentável. Ao maior partido da oposição exige-se que não se demita do seu papel de oposição e fiscalização do governo, que não se conforme com a continuidade da destruição de vidas e da sustentação económica da sociedade e que se junte à Iniciativa Liberal, o único partido que se tem mostrado intransigente na defesa dos Direitos, Liberdades e Garantias, e peça a fiscalização da constitucionalidade destas restrições (pois só o PSD com número suficiente de deputados o pode fazer). Aos portugueses, exige-se que nunca abdiquem das suas liberdades, que tanto custaram a conquistar, e que percebam que isto não é um “mal menor” ou que “mais vale assim do que manter tudo fechado”. Porque qualquer sociedade disposta a abdicar da sua liberdade em prol de segurança caminha a passos largos para perder ambas.

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