Tenho simpatia natural por pessoas que defendem as suas opiniões e não abdicam dos seus princípios, mesmo quando as suas posições impliquem abdicar do politicamente correcto e ir contra a opinião comum, independentemente de concordar ou não com o que defendem. Este sentimento é reforçado quando se trata de pessoas com alcance mediático significativo. Dois exemplos claros são Bernardo Silva que, enquanto sócio do Benfica, não teve problemas em partilhar a sua discórdia com o rumo do clube, em Outubro de 2020, indo contra o “regime” vieirista e tudo o que isso implicava, ou Maradona que, ao longo da sua vida, nunca teve receio de fazer ouvir as suas posições políticas sendo que, no caso do semi-deus argentino, as suas opiniões eram a antítese de tudo o que penso ser uma sociedade saudável.

Nenhum caso será, porventura, tão significativo e custoso para o próprio quanto o de Novak Djokovic, actual número 1 do ranking mundial de ténis. Após uma polémica, sobre a qual não me alongarei por não me considerar na posse de informação plena, que levou à sua deportação, impedindo-o de participar no primeiro Grand Slam da temporada, o Australian Open, que viria a ser ganho por Nadal, um dos rivais de Djokovic na luta pelo título honorário de melhor de sempre, foram várias as notícias a surgir que davam conta da possibilidade de o sérvio poder vir a encontrar o mesmo tipo de problemas noutros torneios do circuito. Nesse sentido, recentemente, Djokovic concedeu uma entrevista onde, de forma clara, expõe que não se opõe à vacinação, rejeita ser parte de qualquer movimento anti-vax, acreditanto firmemente na liberdade de cada indivíduo decidir o que fazer com o seu corpo. Na mesma entrevista, Djokovic não deixa margem para dúvidas: está disposto a abdicar da luta de melhor de sempre em prol daquilo em que acredita.

Claro que as respostas simplistas e básicas para esta situação passam por dizer que o sérvio devia pura e simplesmente vacinar-se, abdicando dos seus princípios ou que não há problema nenhum em que Djokovic não se vacine, desde que esteja preparado para acarretar as consequências. Ambas, como tem sido hábito ao longo dos últimos dois anos de pandemia, falham em compreender algo básico. A vacinação deve ser de livre escolha, livre de qualquer tipo de coação e motivada por motivos de saúde de cada indivíduo, ao invés de uma ferramenta para a implementação de medidas absolutamente paranoicas. Passados meses e meses, continua a não me fazer sentido uma sociedade onde pessoas se vacinam porque querem ir a um bar, um evento cultural ou viajar para o estrangeiro e se a estratégia de motivação à toma de vacinas continua assente nesta concessão de “brindes” (leia-se, direitos básicos num mundo globalizado) é porque algo não bate certo. Isto para não falar do tratamento dado às crianças.

Mas não foi só Djokovic a, recentemente, manifestar a sua posição quanto a certas medidas relacionadas com a Covid-19. No Canadá, numa manifestação de contornos históricos apelidada de Freedom Convoy, camionistas iniciaram um protesto global contra as medidas tomadas pelo governo daquele país, levando a cabo um bloqueio de ruas em Ottawa, capital do país, e da Ambassador Bridge, uma das pontes que estabelece fronteira entre o Canadá e os Estados Unidos, por onde passa um vasto volume das trocas comercias entre os dois países. Rapidamente o protesto se expandiu a outras camadas da sociedade e, também rapidamente, o mesmo foi apelidado de negacionista ou racista por vários media tradicionais mas, mais grave ainda, pelo primeiro ministro Justin Trudeau. Novamente, a resposta evita o cerne da questão e remete para paralelismos sem qualquer nexo. Ser contra a vacinação obrigatória não é ser contra vacinas. Ser contra o certificado digital não é achar que os líderes políticos estão a tentar introduzir chips de recolha de dados na população. Ser contra a imposição de confinamentos, modalidade que, felizmente, parece cair em desuso, não é achar que a Covid não existe e é uma invenção digna de illuminati.

No Canadá, as ações da Freedom Convoy não passam despercebidas e, no Quebec num acto pleno de simbolismo, já foi anunciado o levantamento de restrições relacionadas com passaportes sanitários. No entanto, posições como a de Trudeau, que escala a outro nível ao permitir que as contas bancárias de qualquer cidadão canadiano sejam suspensas, sem escrutínio, sob suspeita de participação em qualquer movimento relacionado com as manifestações, Jacinda Ardern, primeira ministra neo-zelandesa que afirmou categoricamente que iria dividir a sociedade em vacinados e não vacinados, ou a de Mario Draghi, primeiro ministro italiano, que categoricamente afirma que quem não se vacinou não é parte da sociedade, apenas contribuem para a polarização de opiniões concretizando algumas políticas que, no início da pandemia, seriam vistas como teorias da conspiração. E, confesso, a forma como grande parte da população aceita este tipo de medidas sem contestação deixa-me algo preocupado com futuras medidas a serem tomadas em casos de emergência global.

Não querendo terminar sem deixar de endereçar o meu respeito a Djokovic pela forma implicitamente corajosa com que assume a sua posição, estendendo àqueles que encontram forma audaz, mas respeitosa, sem recurso a posturas bélicas, de se manifestar contra aquilo que julgo ser um turbilhão de excessos por parte dos grandes decisores, deixo uma nota positiva. Felizmente, os primeiros raios de sol começam a surgir. Dinamarca, Suécia (campeã de goleada desta pandemia), Noruega, Finlândia, Reino Unido e Islândia já anunciaram que, no curto prazo, levantarão todas as medidas relacionadas com a pandemia, voltando ao mundo de 2019. No fundo, aquilo que parece um feito heroico, não mais é do que concretizar uma tomada de posição que deveria ter sido natural desde Fevereiro de 2020. Tratar a Covid como doença que é e não como um catalisador do apocalipse mundial.

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