Ocupando o discreto e modestíssimo lugar de vice-presidente do “Núcleo do Oeste” da Real Associação do Lisboa, pequeno conjunto de pessoas agarradas à sua região, ao seu País e à sua História, tenho para mim que, estando, na prática, longe das tricas políticas lisboetas mas sobre as nossas coisas e governo tendo opinião, poderá esta, tanto quanto possível, ser partilhada de forma mais aberta.
Ou seja: posso (minoritáriamente que seja) intervir na res publica.
Sei que, alguém que se diz monárquico, ter uma opinião é coisa olhada por grande parte das pessoas com a curiosidade e eventual nojo com que, antigamente, se ia às feiras ver a mulher barbada…
Mas, n’importe, como dizem os franceses, (que aliás silenciosamente se vão instalando no Oeste aqui encontrando um lugar próximo do seu terroir, com muita história e gente antiga em comum…), o nosso País é a nossa razão de ser e a forma como é governado, a felicidade dos seus povos, interessa-me como Português.
Assim, e falando só por mim, escrevi estas linhas.
As trapalhadas dos últimos tempos, que têm sido dissecadas por gente e mais abalizada que nós, dá-me a sensação de um detalhe esquecido: Parece-me que Portugal tem um problema de regime.
Que é escondido por dois passos de dialéctica.
O primeiro é encher o discurso da palavra “democracia” como coisa intocável (e também muito indeterminável, salvo o sentir de cada um).
O segundo segue o pressuposto que a nossa democracia é inatacável nos seus fundamentos e princípios (?),que o regime é estável, está bem, e seguindo um karma mil vezes repetido: “Em democracia há sempre solução”.
Ora, se dermos alguma atenção a outros olhares, por exemplo ao do cínico pensador americano H.L.Mencken (incensado por uns, odiado por outros), que escreveu mais ou menos que “Democracia é a patética crença na existência de uma sabedoria colectiva alicerçada na ignorância individual” (em inglês, de que julgo traduzi a ideia, “Democracy is a pathetic belief in the collective wisdom of individual ignorance”.), poderá a convicção mirífica de “haver sempre solução” sair um pouco abalada.
Olhando o nosso regime ele é actualmente definido como semi-presidencialista.
O problema é o “semi”… Não é carne, nem é peixe padecendo dessa indefinição. Dirão que é um equilíbrio. Não é como parece provar o constante conflito, aparente ou subterrâneo, entre Instituições.
Um País da dimensão de Portugal, com possibilidade de afirmação no mundo pela sua dispersão e língua, com uma população acomodada e na maioria pobre (ordenado médio +/- 1.000 euros…), acham que precisa de uma coisa semi?
Pelo contrário: ajuda muitíssimo que tenha instituições sérias e fortes, com regulamentos bem definidos, não nevoentos e nunca sujeitos a interpretações e “cenários”.
Não devendo aquelas ser sujeitas a constantes interferências partidárias.
Exemplo simples: é impensável que um ministro nomeie um Diretor-geral. Deve ser um lugar de carreira dentro da Função Pública. O Governo norteia as políticas que a Função Pública, apartidariamente, cumpre. Se não cumprir as directivas do Governo, claras, escritas, é sancionada. O que não pode é existir mais uma vez o regime “semi” em que se enche a Função Pública (mais Empresas e outros Organismos Públicos) de apaniguados que vão subindo ou descendo, aparecendo ou desaparecendo, consoante os Governos. O custo e a ineficácia disto são astronómicos.
Outro exemplo: como é que em sucessivas comissões, o Parlamento, a coberto de pretensa procura de informação, promova verdadeiros julgamentos públicos, buscando efeitos políticos e propaganda pessoal ou partidária. Mais uma vez o “semi”. Ou se faz Leis ou se julga. As duas coisas são inconciliáveis.
Portugal, nos calores da revolução de 74 e dos arranjos partidários sucessivos, dotou-se de uma Constituição que é ela também uma Semi-Constituição! Há dias ouvi um distinto Professor de Direito afirmar que existe uma Constituição escrita e outra de aplicação real, não escrita, que é a que se utiliza na prática. Mais disse ainda que alguns preceitos da Constituição não podem ser aceites pelo Direito Europeu ( seja lá o que isso for, na minha opinião…)!
Como conclusão:
Pela ocasião da recente coroação do Rei Carlos III perguntaram a uma velha Senhora que tinha tido um papel de relevo na coroação da Rainha Isabel II, se perante a exposição pública na Catedral de Westminster, acompanhando de perto a Rainha, não se tinha sentido nervosa ou intimidada. Respondeu com frases que nos deviam fazer pensar hoje em dia: “Não. Eu estava calma como num passeio de fim de tarde. Fizemos o que fomos ensinadas a fazer, e fizemo-lo o melhor que sabíamos e podíamos. Era assim o ar desse tempo, da vida em geral, e a coroação não tinha de ser diferente”.
Em Portugal perdeu-se este sentido de missão. De sermos talhados para fazer alguma coisa, o que sabemos, respeitando o saber de outros.
Hoje, não somos carne, nem peixe, e ainda nos tiram impávidos e bovinos a sobremesa, como foi patente na ridícula formulação anti-tabágica dos últimos dias, tão flagrantemente destinada a desviar atenções que até o mais parvo percebeu…
Se o exemplo bom, claro e transparente, vier de cima e for perceptível toda a Sociedade se transforma. Talvez ganhássemos se pensássemos simplificar o que é simplificável, não impondo ideias, e simplesmente ter mecanismos e definições precisas de funcionamento.
Sejamos linguado au meunier ou bife à Marrare. Mas sejamos qualquer coisa!
Junho de 2023