Hoje não trago gritos de fúria, nem lamentos de mágoa. Estou cansada, tão cansada. Eu e um país quase inteiro estamos mesmo exaustos. Não venho gritar “fora”, nem venho falar sobre golpe. Fique tranquilo. Não venho falar sobre política. Hoje eu venho, com um suspiro engasgado, com ombros doloridos e olhos caídos, pedir um conselho humilde, porque a vida não anda lá muito fácil.

Eu e grande parte da população brasileira temos o persistente hábito- que embora eu saiba que isso anda bastante fora de moda no meio no qual Vossa Excelência circula- de sentir culpa. E essa história de sentir culpa acarreta em algo que nós, mortais, chamamos de constrangimento. Popularmente, falamos em “vergonha na cara”, mas creio que o senhor, tão íntimo de construções gramaticais e vocábulos complexos, não conheça tal expressão. Desculpe-me o uso de terminologia tão chula.

O que acontece é que eu vivo me sentindo culpada. Acho que trabalhei menos do que deveria, mas ao mesmo tempo acho que passei menos tempo do que deveria com a minha família. Sinto-me culpada por quase tudo o que como e bebo, sinto culpa pelos meus excessos e pelas minhas omissões. Estou sempre um pouco constrangida perante a vida, perante os meus e perante mim mesma.

Nós, mortais, funcionamos basicamente assim: cometemos um pequeno erro no trabalho e nos julgamos indignos da posição que ocupamos. Falamos de forma áspera com aqueles que amamos e, na sequência, nos julgamos indignos do amor deles. Cometemos pequenos deslizes éticos, como furar a fila por causa de uma dor de barriga, e nos julgamos indignos de condenar os corruptos. Diga-nos, Presidente, como é sentir-se digno?

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Nós, mortais, dizemos para nossos filhos se alimentarem bem enquanto comemos sanduíches em cima do computador, trabalhando, e nos sentimos péssimos pais. Nós dizemos para eles não falarem palavrões, mas gritamos “merda” quando chutamos a quina da mesa. Falamos para eles não desobedecerem os pais e desobedecemos seus avós quase todo dia, na frente deles. Nos sentimos péssimos exemplos para nossos filhos. Diga-nos, Presidente, como é sentir-se um grande exemplo para um filho?

Nós, mortais, frequentemente, deitamos a cabeça no travesseiro e mil fantasmas nos assombram. As horas do nosso dia passam na frente dos nossos olhos de trás para frente, encontramos dezenas, centenas de erros. Nos constrangemos por cada um deles e prometemos que no dia seguinte será diferente, embora saibamos que não será. Diga-nos, Presidente, qual é a sensação de deitar uma cabeça leve e serena no travesseiro?

Nós, mortais, cometemos erros graves. Tomamos cerveja durante a semana, no almoço. Esquecemos de nos certificar se nossas crianças escovaram bem os dentes antes de ir para a escola. Atrasamos o pagamento de boletos. Adiamos nossas idas às consultas médicas. Acho que o senhor também sabe como é a sensação de cometer alguns deslizes. Bobagens como receber malas de dinheiros de empresas privadas. Protagonizar esquemas de corrupção. Comprar votos de parlamentares para esquivar-se de investigações criminais, oferecendo em troca, cargos públicos e cotas de desmatamento na Amazônia. Acontece, não é mesmo?

Mas percebemos que o senhor lida com isso muito melhor do que todos nós. Chega a ser uma verdadeira inspiração de serenidade, de semblante tranquilo e de paz de espírito. Então diga-nos, Presidente, por favor. Dê-nos este pequeno conselho, conte-nos como se faz.

Como se faz para não sentir culpa todo santo dia? Como se faz para olhar de frente para aqueles que conhecem a nossa podridão sem nenhum tipo de constrangimento? Como se faz para olhar nos olhos dos nossos filhos sem nos que haja doses de vergonha em nossos olhos cheios de erros? Como se faz para deitar uma cabeça tranquila, embora asquerosa, no travesseiro? Como se faz para acreditar que nossos pais sentem orgulho de nós, onde quer que estejam, ao invés de sentir repúdio? Ou ainda, como se faz para simplesmente não se importar com nada, nem com a avaliação ninguém, e simplesmente seguir em frente, carregando apenas nossos objetivos e nossos vermes?

Conte-nos, Presidente, conte-nos por favor como é que o senhor consegue. O povo está precisando da sua sabedoria neste momento delicado.