Meu caro Tsipras, a vida é assim: um dia é-se a esperança do mundo, no outro apagam-nos da fotografia. Quando este texto for publicado o teu país estará de novo no sobressalto das eleições e tu misteriosamente quase desaparecido das notícias no meu.
Peço-te antecipadamente desculpa pela informalidade do trato – tu cá tu lá – mas na verdade acabámos quase de família pois não havia dia em que não me entrasses pela casa dentro, sempre a sorrir, com esse ar um pouco copinho de leite de quem se habituou a ser perdoado. Ainda as iluminações de Natal não se tinham apagado e tu eras mais omnipresente nos alinhamentos noticiosos cá da terra que o Pai Natal na publicidade (o multiculturalismo levou-nos o Menino Jesus e os teólogos o burrinho e a vaca. Ficámos com as renas, o saco das prendas e o “Oh oh oh” enquanto ninguém se disser ofendido!) Os jornais enchiam-se de elogios à tua mulher – que era ainda mais radical que tu o “Che grego”, escreviam eles entusiasmadíssimos! – e todos os dias havia mais uma maravilha tua para contar. “O dia 25 de Janeiro ficará na História” afiançava-se neste Portugal onde, vê lá tu como tudo muda num segundo, foi quase sinal de perfídia não se dizer que a tua vitória era uma alternativa que se criava, uma resposta que chegava, uma nova Europa que começava, uma outra política que nascia (não te assustes, isto é um jeito de escrever que nos ficou doutros tempos mas se escreveres “pomba assassinada” e “rosa desfolhada” no google perceberás melhor).
Agora, nem nove meses passados, quando chegas já os noticiários vão a meio como se ninguém te quisesse ver. Pior, muito menos se deixam ver a teu lado aqueles que até há pouco se colavam à tua vitória. É verdade que o Iglesias do Podemos ainda foi a Atenas (bom rapaz o Pablito!) mas, aparte ele, poucos mais apareceram, não foi?
Nos jornais, nas redes sociais, nas televisões e nas rádios onde antes estavas tu, de braços abertos, sorridente, agora só se encontram refugiados (alguns desses refugiados, por acaso, até estão na Grécia mas nem assim voltamos a ter relatos emocionados das praças dessa tua terra que em boa verdade só parece comover-se consigo mesma e pouco com os outros). Mas de ti, nada. Ou quase nada. Aqui e ali, discretas, tentando quase passar incógnitas, lá surgem umas notícias assim por honra da firma. Curtas e lacónicas. são apenas a referência obrigatória até que se pode passar para outros assuntos realmente interessantes. Como por exemplo a tensão entre Eva Carneiro e José Mourinho.
Não, não estou preocupada com o teu destino (estou por exemplo bem mais preocupada com o futuro de Mourinho.) Sabes melhor que eu que te basta daqui a algum tempo voltares com esse teu ar de bom rapaz e dizeres umas coisas contra o liberalismo, o capital e a Merkel para que, de novo, o teu nome arrebate essas almas sempre ansiosas por um sonho, uma utopia, uma causa e mais aquele não sei quê, que chega não sei donde e os anima. Agora eu devia escrever “não sei porquê”mas na verdade sei. E é aí que está o busílis da questão: eu sei e por saber isso sei também que estamos metidos num daqueles dilemas que os gregos teus antepassados transformaram em tragédias e que os portugueses a que pertenço definem mais prosaicamente como alhada (é menos poético mas igualmente eloquente). Tsipras amigo, o que está aqui em causa não é a revolução, nem o Marx, muito menos o socialismo do qual tão pouco se fala. O cerne da questão está nessa vontade de acreditar que à esquerda preencheu o espaço antes reservado à ideologia.
Que tu consigas fazer uma campanha eleitoral sem que aqueles com que te cruzas desatem a rir dá bem conta deste fenómeno mais místico que político. Em termos sucintos a coisa resume-se a dizer-se que se é de esquerda, que se vai governar à esquerda e que é preciso dar um rumo de esquerda ao país, à Europa e ao mundo. Depois espera-se que o país, a Europa e o mundo, quais partenaires de ilusionista, façam o que se espera deles e sorriam sempre. O teu problema com a esquerda e as redacções (embora possa parecer não são a mesma coisa) cá do burgo é que à semelhança de um ilusionista que tivesse deixado cair a cartola, tu deixaste-te apanhar com o catálogo dos truques mágicos numa mão e a cartola vazia na outra. E essa é uma imagem que a esquerda não quer nem pode ver nesta campanha em Portugal.
E por isso tu, Tsipras amigo, estás a caminho de te tornares em mais uma vítima da auto-censura reinante cá na pátria. Estás condenado a ser invisível porque a cada Conselho Europeu te tornavas mais de carne e osso. Deixaste de ser uma ideia e tornaste-te no que és: um rapaz desenrascado, de pouco pensamento e alguma sorte que chegou onde chegou porque há quem quem precise de ser enganado. Ou mais concretamente precise de acreditar. Nessa teoria da reencarnação em que o socialismo se tornou tu és agora a encarnação inconveniente. Outros já te ocuparam o lugar: o Corbyn, o Monedero e quanto ao Iglesias logo se verá. Mas mal a luz do sol substitua a dos projectores dos estúdios de televisão onde estas almas medram também elas ficarão demasiado reais e serão também elas condenadas ao ofuscamento.
Mas deixa lá, não há bem que sempre dure e mal que nunca acabe e esta tua quarentena mediática há-de chegar ao fim (só aquelas fotografias tuas, autografadas, com que os activistas queriam ajudar a financiar a Grécia é que não me parece que se consigam vender).
Até um dia destes e não te esqueças de dar um beijo à Betty