Ao contrário da Nato, da maioria dos Estados-Membro da União Europeia, no fundo, do Mundo Ocidental, «Portugal entendeu que a concertação no quadro da União Europeia é o instrumento mais eficaz para responder à gravidade da situação presente», como referido no Comunicado emitido ontem pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros no que respeita à forma mais adequada de reacção à crescente interferência, alguma provocação e ingerência nas nações do Ocidente, ou talvez até mais especificamente, do eixo Atlântico.

Do Comunicado da Ministério dos negócios Estrangeiros, escrito com aquela  falsa ingenuidade de quem quer esconder a mais real  e verdadeira intenção de nada fazer e apenas tergiversar, sem deixar, porém, de tudo mascarar sob o mais alto, diáfano e desinteressado altruísmo diplomático, pouco haverá a acrescentar mais ao que já foi dito.

Vale a pena ainda perguntar o se quer dizer com uma frase tão inconsequente quanto «Portugal entendeu que a concertação no quadro da União Europeia é o instrumento mais eficaz para responder à gravidade da situação presente» quando se age como se age, seja qual for a concertação havida?

Evidentemente que não, bem como sobre a falta de lealdade para com os nossos mais tradicionais aliados marítimos, Inglaterra e Estados Unidos da América, além da própria NATO, e as consequências de tal atitude, já figuras como um Paulo Rangel ou um José Manuel Fernandes disseram o essencial.

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Não se dramatize demasiado apressada e erradamente a actual situação. Nos tempos mais próximos, como afirmava Paulo Rangel respondendo à pergunta de um jornalista, não haverá, com certeza, tanto quanto é previsível, qualquer retaliação imediata a esta patética posição de Portugal. O Mundo continuará a girar e, aparentemente, tudo continuará mais ou menos como sempre foi ou, pelo menos, como tem vindo a ser. As consequências, a virem, não sabendo Portugal ter e afirmar a atitude que lhe convém e lhe seria própria se tivesse consciência de si, do que é verdadeiramente para ser enquanto Nação eminentemente Marítima e Atlântica, virão bem mais tarde, de forma subtil e quase inapreensível, na forma de abandono à sua irrelevância estratégica e, por consequência, política e económica, mais valorizando quem sempre, mais secreta, mais abertamente, desejou assim mesmo. E então não será dramático, será mesmo trágico.

Como se afigura mais ou menos evidente, a reacção agora manifestada por Inglaterra, União Europeia, Estados Unidos, NATO, ou seja, como se afirmou, de algum modo, pelo dito Ocidente, por muito grave que tenha sido, tendo-o mesmo sido sem a menor dúvida, não respeita apenas ao envenenamento, recorrendo a um novo, sofisticado e poderoso químico, de um ex-agente duplo e da filha, em solo Inglês, mas porque tal acto foi essencialmente visto como culminar de um padrão de acção em crescente atitude de arrogância, sobranceria e impunidade a que se torna necessário, de facto, por cobro, sob pena um dia acordarmos esmagados, política e estrategicamente, pela actual Rússia de Putin.

Com a cegueira que caracteriza os tempos de hoje, quando se fala da Rússia e de Putin, pensa-se, antes de mais, acima de tudo e quase exclusivamente, na alegada interferência nas eleições Presidenciais Norte-Americanas, eventualmente na Referendo ao Brexit, na Ucrânia, Crimeia e Síria, e pouco mais, passando-se tudo isso longe e parecendo ter pouco a ver connosco, Nação Marítima, voltada ao Atlântico, o Governo não deixa de jogar com tal subtileza na actual situação, como se tudo pairasse, afinal, tão só e quase exclusivamente, no plano dos princípios, engodo em que muitos comentadores têm caído, ou seja, no plano da maior ou menor lealdade aos aliados e não no mais imediato e grave plano dos superiores interesses político-estratégicos de Portugal.

Sabendo, como se sabe, em que ordem de consideração se encontram actualmente os princípios para se valorizar em quase absoluta exclusividade os interesses, seja de que ordem forem, percebe-se que o Governo, perante uma ou outra indignação de carácter aparentemente mais moral, sorria e entenda tudo estar bem, fazendo tudo isso parte, como agora também se diz, do normal jogo democrático mas não mais do que isso, ou seja, sem qualquer verdadeira consequência de «mobilização» da opinião pública, por si também apenas quase só preocupada, neste dias muito práticos, com os ditos interesses, seja de que ordem sejam.

Ora, admitindo, como Sócrates admitia, há bem mais de 2 000 anos, não agir o Homem por mal mas apenas por ignorância, admitindo concomitantemente não agir o actual Governo por mal mas apenas por ignorância, o que importa é perceber, compreender e demonstrar como essa ignorância conduz, como não pode deixar inevitavelmente de conduzir actualmente, a uma cegueira verdadeiramente lesa-pátria.

A questão é, antes de mais e acima de tudo, de Defesa e da consciência que temos ou não temos de sermos a Nação Atlântica que real e verdadeiramente somos _ e somos para ser.

Infelizmente, o Ministro da Defesa que temos é o Ministro da Defesa que temos e a consciência que tem de Portugal enquanto Nação Atlântica que é, é a consciência que tem. Tivera o Ministro da Defesa outra consciência de Portugal enquanto Nação Atlântica e talvez pudesse aconselhar devidamente o Ministro dos Negócios Estrangeiros que, muito douto em Sociologia, quão alta sabedoria manifesta possuir por excesso em tão interessante matéria, não menos patente o inverso sucede nas questões de Defesa e de consciência da Nação Marítima que somos, são se lhe podendo, talvez, em qualquer destes casos mesmo mais pedir ou exigir.

Poderia a Ministra do Mar, senão no que respeita á Defesa, pelo menos no que respeita à consciência da Nação Marítima que somos?

Queremos acreditar que sim mas, se o fez, manifestamente, não foi bem sucedida, muito provavelmente porque a importância atribuída ao Mar nos tempos actuais, seja pelo actual Governo, seja, inclusive, pelo actual Presidente da República, Comandante Supremo das Forças Armadas, é também a que todos conhecemos e sabemos, pouco tendo sido atendidas, como habitualmente, as suas palavras e pontos de vista.

E o que poderiam e deveriam o Ministro da Defesa e a Ministra do Mar ter dito ao Ministro dos negócios Estrangeiros que o Ministro dos Negócios Estrangeiros não poderia nem deveria ignorar?

Em primeiro lugar, mostrar como a Rússia tem vindo paulatinamente a descer dos mais gélidos Nortes, seja pelo Mar Negro até ao Mediterrâneo, num movimento muito pouco turística e nada inocente, em direcção ao Atlântico, não deixando de ir instigando, ao longo do caminho, pequenos incidentes de provocação e teste, seja no Báltico, a Americanos ou mesmo Holandeses, assim também como no próprio Mediterrâneo.

Em segundo lugar, talvez mais o Ministro da Defesa do que a Ministra do Mar, deveriam igualmente lembrar o Ministro da Defesa dos projectos de renovação da frota de submarinos nucleares e electro-diesel que a Rússia tem vindo a desenvolver, não apenas mais poderosos mas também cada vez mais sofisticados e mais dificilmente detectáveis.

Frota que está a chegar também ao Atlântico, como o próprio Secretário-Geral da NATO não deixou já de alertar e acentuar Eric Grove, Historiador e Professor e Especialista em Estratégia Britânico, acentuou também em recente palestra proferida na Academia da Marinha.

Como importaria ainda não deixarem de chamar a atenção ao Ministro dos Negócios Estrangeiros o facto de o Atlântico, apesar de uma aparente perda de importância estratégica, apenas, de facto, aparente, não continua a possuir as maiores reservas energéticas do mundo em hidrocarbonetos, como os recursos em termos minerais e biológicos são ainda incalculáveis, dispondo inclusive Portugal nas águas sob sua jurisdição marítima, uma das mais ricas áreas em biodiversidade, para além, evidentemente, de nunca ser de menosprezar o facto de continuar a interligar o conjunto do continuam a ser duas mais importantes economias mundiais na actualidade e, mais importante do que tudo, a representar, de facto, a Civilização.

Como, nesse enquadramento, tal como chamámos há muita a atenção e o próprio Secretário-Geral da NATO não deixou de notar, a ligar as suas margens encontram-se uma panóplia de Cabos Submarinos de comunicações para cuja decisiva importância estratégica seria até ridículo estar a mais sublinhar, facto que à Rússia de Putin também passará, com certeza, despercebido, até porque, entre outras razões, até pelos muitos Cruzeiros Científicos realizados no Atlântico, incluindo nas águas sob jurisdição nacional,  há, com certeza, bom conhecimento do que por aqui se passa e há.

Ou seja, se temos uma crescente presença Russa no Atlântico, isso não é para atender sobremaneira?

Entretanto, se olharmos para Espanha não vemos também, mais acentuadamente sobretudo a partir do Governo de Aznar, a ganhar preponderância na NATO, no Atlântico, mesmo uma crescente influência nos nossos PALOP, principalmente em Angola e Cabo Verde, como a intensificarem as relações com a América do Sul como nós não temos capacidade de fazer, não deixando, inclusive, de dispor de uma Marinha, de uma Armada, como nós há muito não possuímos?

E não vemos Espanha assumir agora uma atitude que todos compreendemos facilmente o seu real sentido e consciência estratégica, mesmo que se afigure até algo surpreendente em termos históricos?

E não vemos Paris, França, a nação ambígua por excelência, que não deixou, inclusive, em mais distantes dias, de negociar com a então União Soviética alguma tecnologia de microprocessadores e microcomputadores quando essa era uma nítida vantagem competitiva do Ocidente e para lá da Cortina de Ferro fora ainda desenvolvido, afirmar neste momento igualmente uma posição absolutamente clara e sem sombra de equívoco, tal como uma Alemanha, sempre, em parte,  dividida também, entre os interesses de cá e de lá?

E pense-se um pouco em termos da União Europeia e dos perigos de um eventual futuro Mar Europeu, não tão improvável assim: o que andamos aqui a fazer?

Queremos ser um país simpático, agradável para visitar, que se dá bem e é amigo de todos, a viver do Turismo, haja o que houver, muito satisfeitinhos por bem sempre servir Castelhanos, Francos, Germanos, Anglos, Americanos ou seja lá quem for mais, mas sem qualquer relevância político-estratégica, sem Defesa, sem Mar, sem verdadeira Autonomia, completamente dependente dos interesses de terceiros, seja via União Europeia, seja indirectamente por negociação e partilha pela mesma União Europeia dos interesses que deveriam ser nossos, com outros, no seu próprio interesse?

Se é isto que realmente queremos, estamos no bom caminho e a actual decisão do Governo Português em relação às atitudes e acção da Rússia de Putin, é perfeitamente consequente.

Se queremos ser uma Nação verdadeiramente independente, realmente autónoma, com capacidade mínima de afirmação, com sabedoria para defender o Mar que é seu e se afirmar a Nação Marítima que verdadeiramente é, e é para ser, então tudo isto, como é patente e mais não é necessário explicar porque escrevemos para pessoas inteligentes, não passa de um tremendo erro, uma cegueira estratégica de incalculáveis consequências, verdadeiramente lesa-pátria.

Director do Jornal de Economia do Mar