O Presidente Rui Costa já abriu a porta à centralização dos direitos televisivos. As suas palavras foram: “se o Benfica puder contribuir para um melhor futebol português, bem haja…” Tudo certo e tudo muito bonito e sempre na linha de actuação do actual Presidente, sempre a querer agradar a toda a gente e a evitar se possível a confrontação.

Mas é esta é a reforma mais urgente que o futebol português precisa? Será que não há outras condições prévias que têm que acontecer antes de o Benfica pensar em redistribuir parte do seu valor e da sua dimensão na forma de direitos televisivos?

O futebol inglês tem sido dado como o grande exemplo de redistribuição dos direitos televisivos. A dimensão dos grandes clubes ingleses e a sua capacidade de gerar receitas televisivas milionárias tem ajudado a financiar os clubes mais pequenas e com isso permitir que eles se aproximem dos maiores e assim contribuir para uma maior competitividade no campeonato inglês para bem de todos, aumentado sempre o bolo total.  Todos ganham.

Mas será que o modus operandi da Liga Nacional é comparável à da Premier League?

Quem gosta de futebol acompanha com certeza semanalmente pela TV alguns jogos da Premier League e todos podemos reconhecer facilmente a diferença abissal na qualidade do espectáculo em relação aos jogos da nossa Liga. A atitude positiva de jogo dos seus jogadores e a forma de apitar dos árbitros ingleses, deixando jogar protegendo o espectáculo, nunca deixando de exercer a sua autoridade, controlando a indisciplina, protegendo assim o futebol positivo e permitindo aos melhores jogadores e às melhores equipas se destacarem para benefício do espectáculo.

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Existe uma teoria no futebol português que tenta justificar esta diferença enorme entre o futebol positivo da Premier Legue vs o futebol negativo da nossa Liga com a diferente atitude do jogador inglês fruto da sua superior cultura desportiva em relação ao jogador português. Mas se formos analisar, a actual Premier Legue tem jogadores de 64 nacionalidades diferentes e só 40% deles são ingleses. E curiosamente as nacionalidades mais representadas são de França, Espanha, Brasil e Portugal, países conotados com uma menor cultura desportiva. Portanto essa teoria não mais pode ser defensável.

Também não me parece que a diferença esteja na melhor qualidade dos árbitros ingleses, porque quem estiver atento aos jogos, verifica que eles também cometem erros.

Por isso antes de se pensar em replicar o modelo inglês de Centralização de Direitos Televisivos para Portugal é legítimo reflectir sobre algumas questões :

  1. Seria possível na Premier League um mesmo treinador e um mesmo delegado ao jogo ser expulso várias vezes ao ano, e todos os anos, por insultos aos árbitros ou aos colegas e jogadores adversários, sempre que um jogo não corre de feição para a sua equipa e as punições serem sempre irrisórias?
    Recordo-me bem de uma belíssima entrevista do Carlos Carvalhal à BolaTV onde explicou muito bem o que lhe aconteceu quando foi expulso de um jogo em Inglaterra quando por lá treinava. Na segunda-feira imediatamente após o fim de semana do jogo foi chamado pela Liga Inglesa para prestar declarações e ser julgado. O castigo saiu de imediato e foi avisado que se repetisse a “graça” teria de pagar uma multa de valor pecuniário muitíssimo elevado. Nunca mais foi expulso.
    É assim que funciona em Portugal?
  2. Seria possível na Premier League o Centro de Treinos dos árbitros ser invadido por adeptos de um determinado Clube e nada acontecer?
  3. Seria possível na Premier League os adeptos de um determinado Clube vandalizarem estabelecimentos comerciais de familiares de árbitros e a Liga ficar a assobiar para o ar.
    Um árbitro recorrentemente ameaçado e não firmemente defendido, em caso de dúvida, vai apitar a favor ou contra quem, nos jogos decisivos? Os críticos da arbitragem no lugar do árbitro o que fariam?
  4. Seria possível na Premier League os jogadores simularem lesões, supostamente “gravíssimas”, desde o primeiro minuto de jogo, no sentido de obter cartões amarelos ou vermelhos, rodeando os árbitros como forma de pressão e intimidação, prejudicando altamente a qualidade do espectáculo e a competitividade?
    O Bernardo Silva disse há umas semanas que há jogos em Portugal que são confrangedores de assistir, e tem razão. É que os árbitros em Portugal como forma de se defenderem da pressão insustentável que sofrem ao longo da semana e durante os jogos, apitam tudo e mais alguma coisa, não tendo coragem para distinguir o que são efectivamente faltas do que são óbvias simulações e por isso os jogos do Campeonato Português estão constantemente a ser travados e consequentemente o nosso tempo útil de jogo é dos mais baixos da Europa com as consequências terríveis para o espectáculo.
    Segundo o estudo da CIES Observatory Football comparando 37 Ligas Europeias, só 4 ligas têm mais baixo tempo útil de jogo do que a nossa Liga. O último Porto-Sporting teve 41% de tempo útil de jogo quando a média das Ligas Europeias é de 61.3%.
    Ainda segundo o mesmo estudo na Liga Nacional 67% dos jogos têm mais de 30 faltas enquanto na Premier League só em 8% dos jogos o têm.
    Alguma surpresa? São os direitos televisivos desta Liga que se pretende vender?
  5. Seria possível na Premier League que fosse feita semanalmente uma pressão insustentável sobre os árbitros através de jogadores, dirigentes, treinadores e programas de TV com comentadores pagos exactamente para esse efeito contribuindo para a péssima imagem da indústria do futebol em Portugal?
  6. Seria possível na Premier League determinados Clubes lançarem recorrentemente suspeitas sobre Clubes adversários sem provas concretas com o objectivo de provocar a destabilização?
  7. Se há uma vontade genuína dos Clubes nacionais em melhorar a competitividade da nossa Liga, justifica ter uma Liga de Honra com 18 equipas quando a Premier League, a Liga mais rica do mundo, num país com 80M de habitantes, funciona com 20 equipas.
  8. Seria possível na Premier League que um determinado Clube na véspera de uma final four da Taça da Liga, onde é participante, faça um comunicado de imprensa queixando-se das arbitragens e do conselho de disciplina numa forma óbvia de pressão sobre os árbitros dos jogos?
  9. Seria possível na Premier League um jogo decisivo para o título nacional terminar numa batalha campal, num espectáculo ao nível de um país do 3o mundo e como sempre a expectativa é de tudo terminar sem penalizações severas para ninguém?

Qualquer observador do fenómeno desportivo e minimamente isento facilmente concorda que nada disto seria possível na Premier League.

E a razão profunda por isto não ser possível, é que ao contrária da Liga Portuguesa, a Liga Inglesa tem “Dono” e o “Dono” está presente diariamente para defender intransigentemente o produto “futebol inglês” e a punir severamente e de forma célere quem ponha em causa a sua imagem e a espectacularidade do seus jogos.

E com este modus operandi, a Premier League resulta num produto final de enorme espectacularidade, uma Liga com um prestígio único no mundo e como consequência de tudo isto, e também dos altos investimentos nos planteis, conseguem obter um valor milionário em termos de Direitos televisivos que redistribuído por todos os Clubes promove o crescimento e a competitividade geral.

Pelo contrário a Liga Nacional funciona em roda livra limitando-se a sua Direcção a ser a gestora do calendário de jogos, assistindo passivamente a que o futebol português seja desrespeitado diariamente por tudo e quase sempre pelos mesmos, com as consequências óbvias para a qualidade dos espectáculos e a desvalorização da imagem da nossa Liga.

A lei que impera no futebol português há muitos ano é, quem mais “chora” e intimida recebe dividendos, quem ficar calado e respeitar as decisões é penalizado.

Já toda a gente percebeu que a pressão e a intimidação geral funcionam e rendem juros e por isso são usadas e abusadas há anos quando necessário, com óptimos resultados.

Daí a importância e o relevo que os Departamentos de Comunicação dos Clubes, assim como certos programas televisivos, ganharam no futebol português, porque são eles também importantes veículos de pressão, de manipulação e também da contra informação com o objectivo de confundir a opinião pública e desviar as atenções dos acontecimentos graves que vão acontecendo em casa própria, como no caso recente do jogo Porto – Sporting.

Infelizmente em Portugal ganha-se e perde-se jogos, também fora de campo, num espectáculo semanal tristíssimo que nada tem a ver com desporto, mas que funciona.

E há um clube que percebeu essa permissividade das instituições desportivas portuguesas e se profissionalizou neste sistema com óptimos resultados e outros Clubes rivais que desunidos andam a dormir e se limitam a assistir sem saber como reagir e como se defender.

Um bom exemplo disto é, como após poucos dias dos acontecimentos gravíssimos do último Porto-Sporting saia uma notícia sobre eventuais pagamentos do Benfica ao árbitro Bruno Paixão (até ao momento não há qualquer acusação formal ao Benfica sobre este assunto mas se vier a existir que fique claro que deve ser julgado pelas entidades competentes até as últimas consequências) que retirou quase completamente das primeiras páginas dos jornais os acontecimentos gravíssimas do jogo.

E se estivermos atentos é sempre assim. Após acontecimentos graves ou notícias inoportunas aparecem imediatamente a seguir sempre notícias com acusações graves sobre os rivais directos no sentido de baralhar, branquear e pressionar os decisores que na realidade se deixam pressionar e manipular. Mais uma vez tudo passará com a habitual passividade da Liga e da FPF e tudo terminará com sanções irrisórias, valendo a velha máxima resignada do futebol português “ isto é futebol“. No entanto os danos reputacionais para uma Liga, já de sim pobre, ficam.

É neste clima e neste ambiente que se vai avançar para a Centralização dos Direitos Televisivos? Vai resolver o quê?

Talvez o ocorrido no mesmo jogo e a actualidade do tema da Centralização dos Direitos Desportivos sejam a oportunidade, para o Slb liderar uma proposta conjunta de mudança profunda dos regulamentos ( nomeadamente o disciplinar ), regras e procedimentos que dê armas mais severas à Liga para actuar com muito mais dureza e celeridade contra os recorrentes infractores, sejam de que Clube forem, no sentido, de dar mais transparência, disciplina, justiça e competitividade às Liga Nacionais.

Uma Liga Nacional mais competitiva, mais espectacular, implacável com os infractores que ponham em causa a sua imagem, onde os árbitros, sempre a parte fraca, se sintam defendidos perante as ameaças permanentes que sofrem e apitem sem medo e deixem jogar, seria com certeza uma Liga mais competitiva, mais valorizada e mais valiosa e então sim talvez pensar num projecto de Centralização dos Direitos Televisivos que promova o crescimento geral.

Antes disso não. Primeiro a valorização e a credibilzação da Liga Nacional e só então depois talvez a venda centralizada dos seus direitos televisivos que promova o crescimento geral.

Porque se assim não for o que vai acontecer é uma simples transferência de receitas dos grandes Clubes (o Benfica como o maior clube será o mais prejudicado ) para os pequenos Clubes o que resultará numa “decalage” ainda maior das receitas dos grandes Clubes portugueses das receitas dos grandes Clubes europeus com as consequências óbvias para as suas importantíssimas campanhas europeias.

Este caminho só será possível com o apoio de um conjunto importante de Clubes que efectivamente queiram e anseiem a mudança e a valorização real da Liga portuguesa e consequente melhoria do futebol português.

Este modus operandi no futebol português não é novidade nenhuma, bem pelo contrário, tem muitos anos e é bom portanto que finalmente o SCP tenha acordado para a realidade. Como histórico Clube português que é, deve fazer parte da solução e não do problema. Mas tem que decidir de uma vez por todas de que lado está, se da luta contra a intimidação e a impunidade ou do lado do anti benfiquismo primário só se indignando quando a intimidação não é contra o Benfica, senão não se pode queixar.

E nunca é tarde para o decidir e talvez agora, na ressaca dos acontecimentos gravíssimos, seja a oportunidade para os Clubes interessados se unirem e enfrentarem de vez este problema histórico, com propostas concretas no âmbito da Liga de Clubes.

O actual Presidente do SLB, ainda no seu curto mandato, tem mostrado muita fraqueza e sobretudo muita ingenuidade e a Direcção a que preside, sempre às voltas na sua deriva desportiva estratégica e a contas pelos fracos resultados desportivos, não a vejo com energia para liderar novos projectos, e por isso considero que esta é um mandato péssimo para o Benfica negociar um dossier tão importante e tão impactante para o futuro do Clube. O Presidente tem portanto a obrigação, a responsabilidade e a oportunidade histórica de não limitar o futuro do SLB assinando um acordo desastroso de Centralização dos Direitos Televisivos, nas condições actuais do futebol português.