Recentemente, a China rejeitou voltar a investigar a origem da pandemia da Covid-19, apesar do pedido da Organização Mundial da Saúde (OMS). A mesma já tinha feito sair um relatório inconclusivo quanto às causas da pandemia e em que considerava remota a hipótese de um erro de laboratório, mas face a esta relutância em aprofundar o tema, os especialistas, a comunidade internacional e o próprio diretor geral da OMS querem investigar esta possibilidade. E se tiver acontecido mesmo um erro? A pandemia do Covid-19 que começou em Wuhan, na China, ter começado por um estúpido erro, o qual foi ocultado. Se tivesse sido logo assumido e atacado, será que se teria propagado com as proporções bíblicas a que assistimos?
O que liga a catástrofe de Chernobyl, o escândalo dos abusos sexuais na Igreja Católica de Boston e o #Me Too em Hollywood? O encobrimento que foi feito pelos líderes e membros dessas organizações antes do conhecimento público. É assim tão remota a hipótese de ter acontecido aqui o mesmo?
Se sim e o erro prontamente identificado, comunicado e, desde logo, se existisse um trabalho colaborativo entre os países, esta catástrofe que já vitimou mais de 4 milhões de pessoas, tinha-se manifestado com estas proporções? Esta era uma hipótese apenas avançada por “extremistas”, mas agora vem de pessoas insuspeitas como Tedros Ghebreyesus, líder da OMS, e precisamente do cientista que liderou a missão internacional a Wuhan, o dinamarquês Peter Ben Embarek. O mesmo afirmou que uma hipótese forte terá sido a infeção de um empregado de um laboratório de Wuhan, segundo a agência AFP, “while taking samples in the field falls under one of the likely hypotheses as to how the virus passed from bats to humans”.
Antes que se prove o contrário, não sou daqueles que acredita em experimentações maquiavélicas ou ardis montados pelos ricos e milionários como Bill Gates ou George Soros. Também não acredito que a China esteja a tentar governar o mundo através deste ataque premeditado e outras teorias da conspiração que por aí pululam (veiculadas, infelizmente, até por pessoas com estudos e que se pensava de bom senso).
Quem viu a série televisiva “Chernobyl” ou o filme “Spotlight”, os quais retratam magistralmente duas catástrofes, percebe que têm muito em comum. O partido comunista e a Igreja Católica? Como é possível? Pois, é verdade, os extremos tocam-se. Em comum, duas organizações em que se instalou uma fuga no sistema e que, em virtude da sua cultura e comportamentos, esta mesma ajudou a que se espalhasse, aumentasse e causasse males irreparáveis a muitas dezenas de milhar de pessoas. O que tinham em comum era uma cultura organizacional burocrática, baseada no silêncio e no encobrimento de poderosos. Ou, como diria Brené Brown, inimigas da vulnerabilidade. Nestas organizações, não há defeitos, são um grupo de “puros” e “escolhidos”.
Mas a corrupção não é exclusiva de organizações “conservadoras” ou “tradicionais”. Veja-se o caso de Hollywood, um mundo cheio de glamour e supostamente perfeito e que todos almejam participar, encobriu durante anos a conduta de atores e produtores predadores sexuais como Harvey Weinstein, Kevin Spacey ou Bill Cosby. Veja-se também o caso do desvendar do esquema de doping liderado pelo ciclista Lance Armstrong ou o escândalo de fraude financeira da empresa Enron. Em todos os exemplos existe algo que está encoberto, muitos sabem, mas o medo e o poder inibem que se desvende a verdade. O problema, em vez de tratado a tempo, aumenta e chega a proporções já sem retorno.
“Chernobyl” retrata muito bem duas realidades destas organizações. Se houver um problema, há medo de questionar o status quo, pois os chefes é que sabem. Depois, mesmo que existam erros indesmentíveis, a verdade é posta em causa a todo o custo, de modo a salvar a pele da organização.
A imagem e o poder são colocados à frente da pessoa por parte da organização e das suas cúpulas, sempre com o falso argumento de que assim se protegem as pessoas e o bem que a organização faz à sociedade. Nesta lógica – o coletivismo – o grupo, é mais importante do que o indivíduo. Por fim, também existe o medo das vítimas a dificultar a ação da denúncia, mas este impedimento é mais compreensível.
Olhando para a China dos dias de hoje, não é o comunismo de Mao Tse Tung que vigora, os tempos são outros. É uma economia de mercado moderna, mas com uma nuance que não é pequena. É um regime autoritário, dirigista e também coletivista e nestes regimes é frequente a falta de transparência. É muito possível que, a existir um erro, este não seja assumido e corrigido, mas ocultado e encoberto. Mas a natureza é mais forte do que o homem. A confirmar-se esta hipótese, a questão que se coloca é quando é que a realidade se imporá à narrativa.