As chico-espertices são uma moda cultural que nos persegue! Estará Portugal nesta condição económica e política por causa das chico-espertices? Ou este modo habilidoso de viver e gerir é consequência da situação económica e política do País!

Todos recolhemos hábitos culturais que nos parecem banais mas que aos olhos de quem nos vê de fora demonstram uma enorme falta de responsabilidade social! Por exemplo, a fuga aos impostos é uma prática perfeitamente normal entre os portugueses. Vejamos, quantos de nós não terão já questionado um mecânico ou um empreiteiro sobre a possibilidade de “ser sem fatura”? E no sentido contrário, quantos já ouvimos a pergunta “mas quer com ou sem fatura?”.

Será este um sinal de uma predisposição normal para a fuga aos impostos? Ou será consequência do elevado impacto dos impostos sobre o preço final de bens e serviços? Imaginemos a simples manutenção de um veículo. Num cenário em que o pagamento antes de impostos fosse de 250,00 euros, uma imaginária taxa de IVA de 10% ou uma realista de 23% teriam o mesmo impacto sobre a motivação de cada um para a fuga aos impostos? Se no caso da taxa imaginária o IVA significaria 25,00 euros e uma fatura final de 275,00 euros, já com a taxa real este significa 57,50 euros e uma fatura final de 307,50 euros.

Colocando estas diferenças em perspetiva, se pensarmos que o salário mínimo em Portugal são cerca de 4,00 euros/hora, para pagar a taxa imaginária temos cerca de 6h15m de trabalho para liquidar o valor do imposto relativo ao arranjo, enquanto que para a taxa real de IVA temos cerca de 14h20m!

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Perante estes números, e perante os rendimentos dos portugueses, é impossível não concluir que, estando confrontados com salários baixos e impostos altos, esta é uma via que consideram e ponderam para “esticar o seu orçamento”! Quero deixar claro que em momento algum concordo com esta prática, ou sequer a considero justificável. Este é apenas um exercício de análise que visa perceber os impactos de elevados impostos sobre a predisposição para a fuga aos mesmos.

Uma subida de impostos nunca tem um impacto simplificado sobre as receitas provenientes do mesmo. Ou seja, se um imposto de 20% gerava uma receita de 1.000.000 euros, não podemos concluir que um aumento de 5% (para 25%) significaria um aumento de receita de 250.000 euros (para 1.250.000 euros). Temos obrigatoriamente de considerar o efeito da diminuição do consumo provocada pela subida do imposto, e na minha opinião, considerar o efeito da fuga ao pagamento do imposto, provocada pelo seu aumento. Quanto maior o imposto, mais compensatória é a fuga ao mesmo, e consequentemente maior é a predisposição para se arriscar fugir ao seu pagamento.

No sentido contrário, perante um choque fiscal, a diminuição de receita também não é linear! Pegando no mesmo exemplo, caso o imposto passasse para 15%, a quebra de receitas não seria de 250.000 euros. Existiria um incentivo superior ao consumo que diminuiria este impacto, no entanto também a fuga ao imposto seria menos compensatória, e como tal diminuiria a predisposição para a fuga ao mesmo.

Não se pode assim presumir que um choque fiscal provocado pela aplicação de uma taxa única de IRS tenha um impacto direto proporcional à diminuição do imposto na diminuição da receita! Existiria mais rendimento disponível, o que iria incentivar o consumo, logo mais receita proveniente de impostos como o IVA. Existiria também uma menor predisposição para a fuga aos impostos sobre o rendimento, também com efeito na coleta fiscal proveniente deste imposto.

Antes de termos um fisco em perseguição dos contribuintes e antes da exigência de números de contribuinte em faturas, seria muito importante aplicar os esforços do País num sistema fiscal justo e adequado e com taxas de imposto condizentes com a realidade dos rendimentos do Portugueses. Depois sim, saberemos quem são os verdadeiros “chicos-espertos”, especialistas em “habilidades”, aqueles que já o eram, antes de o ser!

Combater a fuga aos impostos é essencial! Mas tal não se faz só pela via da força e da obrigação. Faz-se também pela via da educação e da justiça fiscal!