Talvez o nome Pierre Frédy não diga nada a muita gente, mas não assim o seu título de Barão de Coubertin, pelo que ficou mundialmente conhecido o fundador dos novos Jogos Olímpicos. Nascido em Paris, no primeiro dia do ano de 1863, Pierre Frédy, ou de Coubertin, viria a falecer em Genève, na Suíça, a 2 de Setembro de 1937.  Ficou-se a dever a este aristocrata francês a restauração das antigas Olimpíadas helénicas.

A primeira edição dos novos Jogos Olímpicos teve lugar na capital da Grécia, pátria do olimpismo, em 1896, no mesmo ano em que Pierre de Coubertin assumiu a presidência do Comité Olímpico Internacional (COI), que ocupou até 1924, data em que se realizaram os Jogos Olímpicos de Paris, há precisamente um século.

Se a paternidade, claramente aristocrática, do olimpismo moderno é, na pátria da revolução francesa, um seu pecado original, o mesmo se agravou pela sua matriz cristã, que ofende o laicismo gaulês. Não obstante a natureza manifestamente pagã dos primitivos Jogos Olímpicos, disputados em honra dos deuses do Olimpo, a sua edição moderna nasceu cristã, porque cristão era o Barão de Coubertin e porque, para este seu empenho, fez questão em contar com a bênção do Papa São Pio X. Mais ainda, o lema dos Jogos – ‘Citius, altius, fortius!’, ou seja ‘mais rápido, mais alto, mais forte!’ – foi sugerido a Coubertin pelo seu amigo o Padre Henri Didon, frade dominicano.

Talvez possa surpreender que um fidalgo francês, assumidamente católico, se tenha proposto reabilitar umas celebrações pagãs da antiga Grécia e que, para esse efeito, nem sequer se tenha dado ao trabalho de alterar a sua denominação descaradamente politeísta e, portanto, avessa à fé cristã. Contudo, Coubertin agiu de uma forma muito católica, se se tiver em conta que o Cristianismo, por regra de que também houve excepções, procurou respeitar os valores positivos das culturas que evangelizou. Por este motivo o Panteão, onde se prestava culto a todas as divindades do império romano, foi depois convertido numa igreja católica, e os Museus Vaticanos não tiveram reparo em acolher muitas obras de arte pré-cristãs, que a Igreja venera como valiosas expressões do espírito humano. Pela mesma razão, no centro da Praça de São Pedro, em Roma, eleva-se um imponente obelisco egípcio, que serve de pedestal a uma relíquia da Cruz de Cristo.

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De facto, nada do que é humano é estranho, ou alheio, à religião católica, que assenta no princípio da continuidade entre a criação e a redenção: a elevação à ordem sobrenatural da graça, oferecida em Cristo a toda a humanidade, não passa pela destruição do que é humano, mas pela sua restauração e sublimação. O que Deus criou e viu que era muito bom (Gn 1, 31) é também o que o seu Filho redimiu, por virtude da sua encarnação. O Verbo divinizou a condição dos seres criados à imagem e semelhança de Deus, ao assumir a natureza humana. Por isso, o Cristianismo é, na sua essência, um humanismo – Pôncio Pilatos, ao apresentar Jesus Cristo à multidão, disse: “Eis o homem!” (Jo 19, 5) – da mesma forma como todos os regimes contrários à dignidade humana, como o nazismo e o marxismo, são, intrínseca e necessariamente, anticristãos.

Se o espírito, muito humano e muito cristão, do olimpismo restaurado, já foi vítima do racismo nacional-socialista, nos Jogos Olímpicos de Berlim, em 1936, e do terrorismo antissemita, nas Olimpíadas de Munique, em 1972, o transumanismo é a principal ameaça para o olimpismo contemporâneo, não apenas porque a manipulação genética tende a perverter a natureza humana, mas também porque a falsificação da identidade sexual gera situações de desequilíbrio que, necessariamente, inviabilizam o espírito olímpico.

O reconhecimento, jurídico e social, do que alguns entendem por género, não deve implicar uma situação objectiva de injustiça relativa. Ou seja, se um atleta se percepciona como sendo mais novo do que na realidade é, não se pode permitir que, em função dessa sua visão subjectiva, compita com os desportistas que são objectivamente mais jovens e, portanto, têm também uma diferente compleição física. O mesmo se diga em relação ao sexo: pode acontecer que, em função de uma suposta autodeterminação de género, meramente ideológica, alguém se identifique com um género diferente do que o relativo ao seu sexo, que é objectivo, mas não se pode aceitar que compita com quem, por ter um sexo diferente, tem outras condições anatómicas.

Como o Observador de 22-3-22 noticiou, quando Lia Thomas conquistou a medalha de ouro da National Collegiate Athletic Association (NCAA), em Atlanta, foi vaiada pelo público, e as três seguintes classificadas não quiseram tirar uma fotografia com Thomas. Agora, o COI deu-lhes razão, ao não permitir que Thomas participe nas provas olímpicas de natação feminina. Com efeito, no passado 12 de Junho, o Tribunal Arbitral do Desporto rejeitou o recurso de Lia Thomas contra o estabelecido pelo World Aquatics, no que respeita à competição de atletas ditos transgénero.

Há uma evidente desproporção física entre as desportistas femininas e atletas que, como Thomas, se afirmam transgénero e, portanto, não é razoável que disputem as mesmas provas. Há campeonatos em que, para além das competições masculina e feminina, se criou uma nova categoria, designada “aberta”, para as pessoas ditas transgénero. Enquanto não se desacreditar definitivamente a ideologia de género, como já aconteceu nalguns países escandinavos, por ser meramente ideológica e contradizer a ciência, a existência de uma terceira categoria de provas pode ser uma solução tolerável. Esta possibilidade não foi implementada em muitas das principais competições desportivas, nomeadamente os Jogos Olímpicos, talvez por não ter fundamento científico, mas permite a participação de todos, sem igualar o que, por ser fisicamente diferente, não pode ser desportivamente equiparado.

Na sua mensagem do passado dia 21, o Papa Francisco, referindo-se aos Jogos ontem inaugurados, desejou “que este acontecimento possa ser sinal do mundo inclusivo que queremos construir e que os atletas, com o seu testemunho desportivo, sejam mensageiros de paz e modelos válidos para os jovens”. Só quem assume o que é e luta, sem subterfúgios, por ser ‘mais rápido, mais alto, mais forte’ pode ser um exemplo de “fair play”, no desporto e na vida. Nos cem anos das Olimpíadas de Paris e da despedida de Pierre Frédy como presidente do COI, é de esperar que, em 2024, todos os atletas saibam honrar a nobreza de carácter e, sobretudo, a fé cristã do Barão de Coubertin.