“O Governo e as empresa declararam guerra às pessoas e ao planeta. Estão neste preciso momento a matar milhares de pessoas, a despejar dezenas de milhões, a queimá-las vivas, a afogá-las. Estão neste preciso momento a condenar milhões de pessoas a câmaras de gás, só que, desta vez, os gases são de efeito de estufa e a câmara é o planeta inteiro. Chama-se a isso o colapso climático e é um ato de violência premeditado e coordenado.”

In site da Climáximo

1 Diz a literatura da ciência política contemporânea que o populismo caracteriza-se por apresentar soluções simplistas para problemas complexos e retratar o mundo num binómio maniqueísta do “eu” ou do “nós” contra o “eles”.

O “eu” ou “nós” são obviamente os bons da fita, os puros com as soluções messiânicas para problemas que duram há década mas que ninguém tinha pensado ainda.

Já o “eles” são os maus, as elites corruptas, que se uniram (de preferência por razões conspirativas) para impedir que os problemas se resolvam. Se ninguém consegue ver a luz que os puros estão a ver, então é porque algo muito estranho ocorreu.

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2 Vem isto a propósito dos jovens ativistas da emergência climática, nomeadamente da Climáximo, aos quais dediquei o último episódio do “Justiça Cega”. Os ativistas mais radicais têm marcado a agenda nas últimas semanas com os ataques a membros do Governo com tinta verde, cortes de estrada, ataques a obras de arte e destruição de propriedade privada — tudo em nome do planeta que vai “morrer” em poucos anos.

Basta visitar o site desses ativistas para percebermos rapidamente que a Climáximo é um exemplo perfeito de populismo em versão de ativismo ambiental.

A narrativa é simples de explicar. Há uma “guerra” em curso que foi declarada por “eles” contra as pessoas e o planeta. Os “eles” são o “Governo, as empresas e os ultra-ricos” (já vai perceber melhor o que é um ulta-rico, caro leitor). E as maiores vítimas entre as “pessoas” são naturalmente os jovens, que serão uma espécie de última geração antes do planeta se extinguir de um momento para o outro. “Nós somos as últimas pessoas que podemos travar a crise climática”, dizem.

A eco-ansiedade da narrativa dos jovens da Climáximo vê-se bem na alusão constante ao totalitarismo dos nazis (curiosamente, o estalinismo não tem a mesma sorte) com as referências explícitas às “câmaras de gás” dos campos de concentração ou ao “julgamento de Nuremberga”.

A ideia é comparar os governantes portugueses ou europeus atuais aos nazis Adolf Hitler, Heinrich Himmler e aos criminosos de guerra que foram julgados em Nuremberga entre 1945 e 1946. Ou até mesmo a Adolf Eichmann, que foi julgado e executado em Israel em 1961.

Com tantas alusões (disparatadas, obviamente) ao genocídio do povo judeu entre 1939 e 1945, e como foi declarada uma “guerra” às “pessoas” pelo “Governo, empresas e ultra-ricos”, está claro que as propostas dos maus da fita consistem em “armas de destruição em massa”.

E que “armas de guerra” são essas? O novo aeroporto de Lisboa, expansões portuárias ou do terminal de GNL em Sines, a agricultura intensiva, novas centrais de produção de energia através de biomassa ou até mesmo o consumo de marcas de luxo ou o uso de aviões a jato ou de iates particulares, entre muitas outras.

3 Ao contrário dos maus, que “declararam guerra unilateral” às pessoas, a Climáximo pensa nas vítimas e, apesar de dizer que também está corajosamente em guerra, como nos filmes de Hollywood, já concebeu um “plano de desarmamento”, seguido de um “plano de paz”. 

O desarmamento é fácil e simples, como não podia deixar de ser: “100% de energia renovável e acessível até 2025” — ou seja, em dois anos; “serviço de transportes públicos gratuitos e também assente em energia renovável”, “sistema alimentar de emissões zero” e “habitação pública” para “garantir casa para todas as pessoas”, entre muitas outras medidas ‘fáceis’ de implementar.

E o plano de paz é uma espécie de joia da coroa das ideias da Climáximo. Limito-me a descrever as principais:

  • “Garantir saúde, educação, habitação, alimentação, energia renovável e transportes de forma gratuita e no setor público, para todas as pessoas”;
  • “Democracia energética” com três pilares: “sistema baseado em energias limpas”, de “propriedade pública” e “gerido democraticamente” (este último ponto não é explicado);
  • As “pessoas”, que serão “99% da população”, não têm de pagar a “transição justa” energética. Quem paga são os “acionistas e CEO’s das empresas fósseis”, com destaque para as “empresas de celulose” devido aos “danos associados aos incêndios” e à necessidade de pagarem “reparações sociais”.

E a minha ideia favorita: a “Justiça Transformativa” que irá “reformular o sistema jurídico, judicial e penal”. E o que é  a “Justiça Transformativa”? É a “reabilitação e reintegração das pessoas atualmente encarceradas”, recorrendo a “medidas de justiça transformativa” (claro!) “como instrumento de responsabilização para reconciliar os infratores com as suas vítimas e anular ou compensar os danos causados, sempre que possível”.

E, já agora, transferir o “financiamento atualmente alocado a prisões” para “programas sociais transformativos que permitam uma regeneração da sociedade”.

Assim, numa primeira leitura, acabam as prisões e alguém (não se percebe quem mas certamente que não serão entidades que hoje se chamam “tribunais”) irá executar medidas de “justiça transformativa” para fazer com que os infratores se reconciliem com as vítimas. Percebeu, caro leitor? Eu não, confesso.

4Vamos à questão sensível dos “ultra-ricos”. Quando um dos ativistas da Climáximo partiu a montra da loja da Gucci na Av. da Liberdade a 21 de outubro, estava a protestar contra os “ultra-ricos.” E quem são esses seres infames que representam uma ultra minoria da população mas que são os piores inimigos dos jovens ativistas?

Nem mais nem menos do que todas as pessoas que ganhem acima de 150 mil euros brutos anuais. Não são quem ganha 1, 5 ou 10 milhões de euros por ano — uma ínfima parte da população portuguesa, refira-se. São, sim, quem ganha acima de 150 mil euros brutos anuais.

Mesmo dando o desconto de que os salários dos jovens são efetivamente e vergonhosamente baixos nos primeiros anos de qualquer profissão — e isso tem de ser de ser combatido de forma prioritária por qualquer Governo —, fazer de uma pessoa ou um casal que ganhe 150 mil euros brutos anuais alguém que é “ultra-rico” é profundamente ridículo.

Se assim é, como é que a Climáximo classifica Cristiano Ronaldo — que fatura por ano várias dezenas de milhões de euros por ano — ou qualquer gestor de uma grande empresa? Como um super-mega-ultra-mesmo-muito-rico?

O mais extraordinário é que a Climáximo defende que tais ultra-ricos (não apenas o Cristiano Ronaldo mas sim quem tenha rendimentos acima dos 150 mil euros anuais) devem ter um escalão no IRS “com um taxação de 99%”. O que já está (muito) para lá do conceito socialmente aceite para descrever um confisco fiscal.

Estes alegados ultra-ricos são descritos da forma mais simplista que se possa imaginar. Como alguém que “voa em jatos e constroem bunkers para se protegerem”. Desculpem? Com 150 mil euros de rendimentos anuais voam em jatos particulares e constroem bunkers em ilhas paradisíacas?! Por amor da Santa!

5 Estas ideias da Climáximo só provam que o populismo não é exclusivo de Donald Trump ou da extrema-direita europeia, como Marine Le Pen, Matteo Salvini ou André Ventura. Bem pelo contrário, visto que, e falando apenas de Portugal, o Bloco de Esquerda e o Partido Comunista Português são igualmente populistas e demagogos.

E chama a atenção para outro facto que está a marcar a vida das sociedades europeias e norte-americana: não é só Trump e os trumpistas que estão a tentar (e a conseguir) capturar a causa ambiental.

Se os apoiantes de Trump dizem vezes sem conta que aquecimento global é uma “invenção” e que nada deve ser feito, estão a capturar a causa ambiental pelo lado negativo. O mesmo se diga das forças de extrema-direita europeia que têm a mesma estratégia, sendo que o Chega opta pela via da dúvida.

É importante perceber que ativistas anti-capitalistas como a Climáximo, que tem vários representantes de diferentes partidos políticos de extrema-esquerda (partidos esses que já se começaram a demarcar do movimento), querem capturar o dossiê da emergência climática para se auto-proclamarem como inimigos das grandes empresas privadas do setor, como a EDP e a REN e do Governo.

A Climáximo quer destruir o capitalismo para construir algo que não é muito diferente da utopia marxista que levou à criação das piores ditaduras totalitárias, de inspiração comunista, que o planeta alguma vez conheceu.

Pior: Estes jovens não só se assumem como inimigos do capitalismo, como ignoram (ou não querem saber) que as melhores tecnologias (as do presente e as que estão agora a ser produzidas para o futuro) que permitem uma transição energética sustentável têm sido desenvolvidas pelo setor privado — e não pelos Estados.

Mas, pior do que tudo, estão a fazer com que a opinião pública, com o cidadão comum, se vire contra uma causa justa e essencial para o futuro de todos.

6 O outro lado ideológico da Climáximo passa necessariamente pelo pensamento woke — o que não é necessariamente contrário ao que escrevi no ponto anterior. Se olharmos para o wokismo, concluímos que esse “eu” corresponde a um “eu” de tal forma exacerbado que numa versão ultra-individualista se sobrepõe a tudo e a todos.

Se no marxismo-leninismo o “nós” é representado pelo partido único que se sobrepõe a tudo — ao Estado, ao país, à família e, em última instância, determina que personalidade que o “eu” deve ter.

Na ideologia woke, o “nós” é substituído pelo “eu.” Já não é a força do coletivo (do partido) que determina qual é a verdade que deve ser seguida pela comunidade. Agora, basta a força incomensurável do “eu” para um homem dizer que se sente mulher e tem a menstruação mensal, para tal ser verdade — independentemente de ser biologicamente impossível.

O “eu” e aquilo que o “eu” quer ser — seja binário, seja sem género, seja sem nome — é a nova versão da revolução que, no final do dia, tem em comum com o marxismo-leninismo a destruição da ‘ditadura’ dos costumes e das tradições da burguesia.

Muita da argumentação, e até das críticas da Climáximo à atuação das autoridades de segurança, assentam no ultra-individualismo da ideologia woke.

Comparar sem qualquer tipo de fundamentação os julgamentos de Nuremberga ou o genocídio do povo judeu à emergência climática, comparar as regras de comunicação prévia que a democracia prévia tem para todas as manifestações com as regras restritivas do direito à reunião do Estado Novo — ou até alegar que as autoridades de segurança não podem impedir os seus protestos, quando a lei está claramente a ser violada, é tentar fazer com que o “eu” de cada ativista da Climáximo se sobreponha às regras que há muito regem a nossa democracia.

E que, quer os jovens ativistas queiram, quer não queiram, têm de ser respeitadas por todos.

Texto alterado às 11h47m