A Juliana é da casa, tanto como qualquer um de nós. O menos que faz é limpar, lavar, esfregar, arrumar, passar a ferro e cozinhar a melhor caldeirada de bacalhau do mundo. Também regateia com os merceeiros, vigia o electricista, fiscaliza o canalizador e uma vez até despediu um jardineiro preguiçoso e contratou outro melhor. Sobretudo, passa o tempo a emendar o nosso desleixo, sabe sempre onde estão as coisas que não se encontram. É ela quem faz parecer que esta casa funciona sozinha.
Os animais domésticos, o cão, os periquitos, o coelho-anão e a tartaruga, é nela que depositam mais esperança. E quando morreu a cadela Ginja chorou três dias sem parar.
Há duas gerações que tem sido companheira, confidente e às vezes intercessora das crianças da família. Mesmo depois de elas se tornarem muito crescidas.
Quando eu estive doente e em isolamento quase absoluto no hospital chegavam-me recados e atenções clandestinas por seu intermédio, ela conhece sempre alguém em qualquer lugar. E quando se acaba o tabaco a altas horas da noite, basta telefonar-lhe para saber onde está escondido um maço de reserva.
Gosto de desabafar sobre as minhas chatices com ela, que me confia igualmente muitos problemas pessoais e familiares. Afinal, somos velhos amigos. Por isso, também conversamos sobre bagatelas como a política, matéria em que dá cartas. É infalivelmente certeira nas previsões eleitorais, confio mais nela do que em quaisquer sondagens. Com grande antecipação e contrariando a inclinação geral apostou, por exemplo, na eleição de Cotrim de Figueiredo, que considera um rapaz às direitas. De resto, para a Juliana um político não é de direita ou de esquerda, conforme a subdivisão clássica. Considera-o simplesmente, com maravilhosa intuição, às direitas ou má-rês.
Há uma semana, a Juliana soube que tinha apanhado a Covid, através de uma amiga chegada de Londres. A primeira coisa que fez, foi telefonar a avisar, preocupada com a possibilidade de alguém da família ter ficado infetado. Claro que ficou: a Juliana é da família. Nós outros testámos negativo, mas estamos todos a morrer. De saudades.
E, já agora, também gostava de saber por ela quem ficará realmente em segundo lugar nas eleições de 24 de Janeiro.