Procuradoria Geral da República. Tribunal de Contas. Banco de Portugal… Em todas estas instituições o PS assegurou o controlo. De forma brutal às vezes. E todos os dias, em cargos superiores e intermédios da administração pública esse assalto prossegue.

Tudo isto lembra os anos Sócrates. Mas a situação é, em 2020, politicamente muito mais grave do que foi com Sócrates. Porque agora não há escrutínio.  Desta vez não vai desembarcar nenhuma troika em Lisboa a querer vasculhar contabilidades criativas; não existem investigações criminais a ameaçar a figura do primeiro-ministro e, ainda mais importante, não existe alternativa política. Ao contrário do que acontecia em 2011, a oposição à direita não tem agora líder nem apoios; o BE e o PCP a quem foi entregue o monopólio do protesto estão desde 2016 mudos e quedos à espera da sua parte no assalto ao aparelho de estado e a UE não só agora não nos pede contas como, pelo contrário, vai pagar-nos algumas nos próximos anos.

A isto junta-se que, em 2020, em Belém, está Marcelo que vive em função da popularidade e não Cavaco Silva, que vivia em função do que achava que devia fazer.

Um dos momentos-símbolo deste país ao dispor do PS aconteceu esta semana quando Marcelo Rebelo de Sousa ao dar posse ao novo presidente do Tribunal de Contas (TdC) começou a invocar a Constituição para justificar a não recondução do anterior presidente daquele tribunal. Dão-se alvíssaras a quem encontrar na Constituição o artigo invocado por Marcelo Rebelo de Sousa para justificar a não recondução de Vítor Caldeira!

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A actualidade tornou-se uma sucessão de absurdos que só se entendem à luz do assalto dos partidos ao aparelho de estado: num dia descobrimos que o país pode ganhar mais seiscentas freguesias (mesmo que não seja imediatamente por causa das autárquicas, lá teremos esse “enorme aprofundamento da cidadania” na discussão do próximo orçamento); no outro somos informados que António Costa e Rui Rio decidiram que os presidentes das Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) previamente escolhidos por eles são eleitos pelos seus pares. Não, não é uma anedota é mesmo assim: primeiro Costa e Rio escolhem os futuros presidentes e depois têm lugar as eleições para eleger os presidentes já escolhidos! Felizmente que a pátria anda entretida a contar anedotas sobre o Trump e portanto não tem tempo para perceber que a anedota é ela, a pátria.

Já o PCP escolheu muito adequadamente para formalizar a última reivindicação dos comunistas aos seus parceiros socialistas — mais 100 mil funcionários públicos — um jovem deputado cujo curriculum profissional é uma variante do clássico “passageiro do paquete Niassa” pois o deputado em questão além da vida partidária apenas se destaca por ter integrado o Comité Organizador Internacional do 19.º Festival Mundial da Juventude e dos Estudantes (Rússia, 2017) seja isso o que for. Para que não nos falte nada neste regresso ao pior do passado até temos uma “candidatura ibérica” ao Mundial de Futebol de 2030 que o secretário de Estado do Desporto declarou como “uma coisa absolutamente extraordinária e importante” A criação de mais camadas na administração pública a par de legislação mais intrusiva para as empresas e famílias são à direita e à esquerda as respostas do PS às exigências dos seus parceiros e à voracidade da sua máquina partidária.

Como é que se sai disto? Em primeiro lugar, para se sair disto era necessário que os protagonistas quisessem sair e nenhum deles quer: o PS não quer deixar o governo; Rui Rio não quer ser governo; o BE e o PCP não podem nem querem deixar de apoiar o PS.

Em segundo, convém não esquecer que nos anos de Sócrates se falava de asfixia democrática para dar conta do controlo que então o PS estendia a toda a sociedade. Em 2020, o processo de controlo não é menos intenso mas é mais eficaz: vivemos uma espécie de intoxicação, não se resiste, vamo-nos deixando adormecer.

Em terceiro não sabendo eu como é que se sai disto sei exactamente o que vai acontecer após tal facto: tudo voltará a ser inconstitucional como o professor Marcelo explicará.

E em quarto, embora não seja propriamente uma saída, antes um atalho, que tal encarar a candidatura à autarquia de Lisboa como o primeiro de vários momentos de desmontagem do poder socialista?