A tendência das nossas organizações, e dos seus gestores, para se focarem em trívia e esquecerem o fundamental, se bem que não seja universalmente reconhecida, está bem documentada.

Que fazer para combater esta perigosa tendência que pode pôr em risco a sobrevivência, no caso do setor privado, ou a legitimidade, no caso do setor público, da organização? A resposta clássica é que se devem escolher dirigentes com capacidade de perceber o contexto e assim destrinçar o que é importante do que meramente dá nas vistas. Uma crónica japonesa do séc. 18 exemplifica com um caso histórico:

“O Xogum Yoshimune [徳川吉宗, 1684—1751], considerando como Ōoka Tadasuke [大岡忠相, 1677—1752] selecionava com acerto e sem engano os que eram leais e eficientes e rejeitava os incapazes e malandros, chamava-o frequentemente para lhe dizer: ‘Encontra-me um homem para isto e outro para aquilo.’ E como sucedia sempre que o varão que o magistrado nomeava provava ser excelente em todas as características requeridas e que nenhum melhor que elle havia para o posto em causa, Yoshimune tinha em elevada consideração o julgamento e meta-intuição de Ōoka.

“Sucedeu um dia o Xogum necessitar de um novo ministro para o Tesouro e terem-lhe sido recomendados três homens, todos e cada um deles discreto, digno de confiança e tão hábil nas matemáticas requeridas para o cargo que parecia que qualquer diferença que entre elles houvesse, que permitisse fundamentar uma escolha, não seria maior que a espessura de uma pestana.

“Assim Yoshimune convocou os três, e enquanto eles esperavam mandou chamar também ao magistrado e disse-lhe quando este chegou: ‘Seleciona o melhor dos três candidatos, que eu não consigo perceber qual será o melhor.’ Ōoka respondeu ‘Assim o farei!’ e o Xogum fez sinal para que os três pretendentes fossem admitidos.

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“Depois destes terem feito a vénia requerida Ōoka disse-lhes: ‘O nosso Senhor ordena-me que faça a cada um de vós outros uma pergunta que requer da parte de vossas excelências o conhecimento dos números e a perícia no cálculo.’ E disse ao primeiro: ‘Dizei-me: qual é o resultado quando nove e quarenta são divididos por sete?’

“E esse, que esperava no mínimo uma intrincada pergunta envolvendo volumes cónicos ou áreas triangulares ou algo de semelhante, certamente pensando com os seus botões ‘Este Ōoka que o Xogum nos pôs como examinador, não tem mais sagacidade que um pardal nem mais aritmética que um menino de colo!’ respondeu instantaneamente: ‘Sete!’

“Ōoka perguntou então ao segundo: ‘Quantos vintes há em mil?’ E o homem, pensando à moda do seu colega, respondeu súbito: ‘Cinquenta!’

“Depois o magistrado perguntou ao terceiro: ‘Se dividirmos oitenta por dois, qual será o resultado?’ Este último, cujo nome está registado como Noda Bunso, não respondeu de improviso mas, retirando da sua manga o ábaco, dedilhou-o seguindo as regras da aritmética, enquanto os seus dois colegas controlavam a exteriorização do escárnio que lhes causava o o verem a usar o ábaco para um cálculo tão simples. Finalmente, depois de considerar pausadamente o resultado a que chegara, Bunso levantou a cabeça e respondeu: ‘Será quarenta.’

“Ōoka fez um sinal ao Xogum que despediu os três. Disse Ōoka: ‘O último dos três é o que vos recomendo. Pois dos três, que certamente são pares no que respeita ao conhecimento técnico necessário para a função—e se não fossem, certamente não seria eu quem poderia julgar qual delles seria o mais hábil—os primeiros dois não viram senão a superfície do problema. Mas o terceiro, vendo para além das aparências, percebeu que havia mais significado na minha pergunta que o do simples cálculo e, consciente que o responder imediatamente a uma pergunta tão simples seria explicitar que ela era inadequada para o fim pretendido e assim refletir mal sobre o examinador, não respondeu sem a devida pausa. Revelou deste modo que percebeu o contexto e demonstrou consequentemente que é senhor de cortesia perfeita soldada a profundo sizo, pelo que é o homem mais apropriado para o cargo.’”

Mas será que serão só ministros das finanças e CFOs que necessitam de ser hábeis a perceber o contexto de qualquer problema? Não será tal qualidade essencial a qualquer gestor da coisa pública, como um primeiro-ministro, assim como de empreendimentos privados, como um CEO?

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