Tem-se discutido muito nos últimos dias a suposta1 intenção do ‘novo’ governo de baixar os impostos. Medida que deixará poucos indiferentes2. De facto, a carga fiscal3 é, no nosso país, muito elevada. E se considerarmos a qualidade dos serviços públicos que os nossos impostos compram, então a nossa canga4 tributária é pesadíssima.

Mas o problema não é só o peso do jugo fiscal que suportamos. O sistema tributário português está mal concebido. Um sistema fiscal saudável não deve só ser eficiente na arrecadação dos fundos necessários para o estado poder exercer as suas funções legitimas, a defesa nacional, o sistema de justiça, e a manutenção da ordem pública, e as ilegítimas, a educação, a mobilidade urbana e a saúde, entre outras. O sistema fiscal, como todas as outras áreas de intervenção estatal, deve servir para aumentar a solidariedade entre os portugueses, e contribuir para o fortalecimento do sentimento pertença à Nação lusa, de todos e de cada um de nós. Se, por um lado, o iva, irs & restante instrumental extracionário funciona bastante bem para nos tirar dinheiro, pura & simplesmente não cumpre a sua função de fomento à solidariedade nem de promoção do sentido de pertença nacional.

Assim, somente baixar impostos é como que remendar um fato velho com tecido novo ou deitar vinho novo em odres velhos (cf. Mt 9, 16-17). Não serve para nada: quando o outro lado do ps/d voltar ao guverno, voltaremos ao mesmo. O que é necessário é uma reforma5 fundamental do nosso sistema tributário de modo a garantir que este cumpra cabalmente não só as suas três funções (arrecadação da receita necessária, promoção de maior solidariedade entre as pessoas & mais forte identificação com a Nação), mas também que seja tão popular entre as massas que torne impraticável o regresso à miséria do sistema atual.

Um sistema fiscal que já deu provas de ser capaz de satisfazer todos estes requisitos é bem conhecido dos livros. Tem, digamos assim, dois braços. Ou, sendo mais preciso, é constituído por duas contribuições complementares. Um é um imposto fixo, igual para todos os cidadãos de maior idade, pago anualmente. Este imposto deverá ser suficientemente baixo para que todos o possam pagar. Como é obvio, não será usualmente suficiente para cobrir toda a despesa pública, mas a sua existência é importante para que todos tomem consciência de que somos todos somos iguais, com os mesmos direitos e deveres, e que o estado não é pertença de alguns, mas é igualmente de todos e responsabilidade de todos.

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O outro braço é constituído por uma contribuição voluntaria, sem regularidade fixa, de modo a, conjuntamente com o imposto fixo, suportar toda a despesa pública sem obrigar o estado a recorrer à emissão de divida. Mas a importância fundamental desta contribuição não é apenas o financiamento da despesa. É o abrir das portas à solidariedade, permitir que esta floresça em todos os membros da Nação, e que todos tomem consciência que o bem-estar de todos é responsabilidade de todos: é evidente que os ricos poderão contribuir mais dinheiro que os pobres, mas o valor do pagamento de cada um não estará no montante total oferecido, mas na solidariedade com o todo nacional assim demonstrada, que é função do sacrifício pessoal e familiar de cada contribuição que é feita (a este propósito ver Mc 12, 41-44).

Este sistema fiscal funcionou extremamente bem, como é sobejamente conhecido, aquando da fundação do estado de Israel. Podemos ler no livro do Êxodo 30, 14-15, acerca do estabelecimento do imposto fixo: “Todo o homem recenseado, de vinte anos para cima, satisfará a importância devida ao Senhor. O rico não dará mais e o pobre não dará menos que meio siclo”.6 Por seu lado, a ‘imposição’ da contribuição voluntária está um pouco mais à frente: “Moisés disse a toda a comunidade dos filhos de Israel: «O Senhor ordenou o seguinte: Retirai dos vossos bens uma parte, para oferecer ao Senhor. Todo o homem de coração generoso deve apresentar ao Senhor, ouro, prata, cobre, …, pedras de ónix e pedras de engastar, para guarnecer a insígnia e o peitoral.»” (Êxodo 35, 4-9) Por outras palavras, cada qual pagava o que queria & bem lhe apetecia, qualquer coisa entre zero e tudo o que tinha, de acordo com a sua beneficência, altruísmo, magnanimidade & consciência cívica.

Aqui, duas observações para os mais esquecidos7:

  1. O estado de Israel era, no seu início, um estado teocrático: todo o imposto era um imposto ‘para o Senhor’ e toda a oferta voluntária ao Senhor era arrecadada pelo estado.
  2. Durante quase toda a história da humanidade, o pagamento de impostos não era feito principalmente em moeda, mas em espécie, nomeadamente em metais, cereais, tecidos e outros objetos mais ou menos preciosos, para além das corveias.

Os impostos & contribuições assim coletados eram usados não só na manutenção do funcionalismo público8, então introduzido no então nascente estado de Israel, mas também nas obras públicas então iniciadas, entre as quais releva a construção, caríssima, do santuário. E os fundos assim arrecadados davam para toda a despesa pública? A crise financeira que Moisés enfrentou foi sui-generis: não um déficit, mas déficit negativo, isto é, um superavit gigantesco, como podemos ler em Êxodo 36, 1-7:

“Então Moisés convocou Beçalel, Oolibab e todos os outros artesãos talentosos, aqueles a quem o Senhor tinha dado habilidade e disposição para realizar a obra. Eles receberam de Moisés todas as ofertas9 que os israelitas haviam trazido para realizar a construção do santuário. E o povo continuou a trazer ofertas voluntárias manhã após manhã. Então, todos os artesãos talentosos que estavam a trabalhar no santuário deixaram o que estavam a fazer e disseram a Moisés: «O povo está a trazer mais do que suficiente para realizar a obra que o Senhor ordenou que fosse feita». Então, Moisés deu uma ordem e enviaram esta mensagem por todo o acampamento: «Nenhum homem ou mulher deve fazer mais qualquer oferta para o santuário». E assim o povo foi impedido de trazer mais ofertas, porque o que eles já tinham era mais do que suficiente para fazer toda a obra.”

Portanto, o carater voluntario do sistema tributário Israelita, não originou nenhuma crise financeira à Sócrates ou à Soares. Antes pelo contrário! Gerou excedentes ingeríveis, mas sem nenhuma degradação à Costa ou à Centeno nas obras ou nos serviços públicos.

“Mas será que um sistema fiscal destes funcionaria em Portugal nos dias de hoje? Será que os montantes coletados voluntariamente seriam suficientes para cobrir toda a despesa pública, a legitima e a ilegítima, no nosso país?” Quem faz este tipo de perguntas revela que não conhece os portugueses, não confia no seu patriotismo, nem acredita na sua generosidade. Não confia, por um lado, que os portugueses sejam leais aos desideratos nacionais e fiéis aos ideais da républica, pelo menos não tanto quanto o eram a Hashem aqueles israelitas que fundiram um bezerro de ouro (Êxodo 32, 1-6). E não acredita, por outro, no seu altruísmo. Isto apesar de os portugueses gostam de dar porque conhecem o valor e as enormes vantagens da dádiva. Só não dão mais devido ao traumatismo moral & psicológico que o atual sistema fiscal lhes inflige com o iva sempre que vão às compras, com o irs sempre que vão trabalhar, com a contribuição audiovisual mesmo que não tenham tv em casa, e com inúmeros outros impostos, taxas & taxinhas. Somente quem ache que eles são, individual e coletivamente, uns sovinas, pelo menos quando comparados com os judeus, pode por em dúvida o sucesso que a reforma tributária aqui proposta teria para o cabal financiamento da despesa pública nacional. Assim é de crer que os portugueses responderiam entusiasticamente à introdução deste sistema tributário em substituição do atual.

Para além disto, esta reforma teria muitas outras vantagens. Entre elas podem-se mencionar as seguintes: traria mais estabilidade à politica macroeconómica, porque os portugueses, sensíveis de coração como são, contribuiriam mais quando vissem mais pessoas a necessitar do apoio da segurança social, com o consequente aumento automático da despesa pública nas recessões; a carga fiscal seria menos regressiva, porque os contribuintes com menos posses não seriam obrigados a suportar uma série de impostos regressivos como a taxa de retenção sobre os juros, o iva, a taxa audiovisual, entre outros, efeito que, note-se, traria mais equidade; and last nesta lista, but not the least, todos os críticos habituais da qualidade dos serviços públicos seriam confutados e confundidos: os montantes arrecadados pelo novo sistema tributário seriam uma medida clara & objetiva do valor que os portugueses coletivamente atribuem à atividade estatal, da educação à segurança pública, da saúde à proteção contra incêndios florestais, da justiça à linha de Sintra.

Porque será então que o ‘novo’ guverno, reformista que se diz, não incluiu a introdução da tributação voluntária no seu programa?

Us avtores não segvew as regras da graphya du nouo AcoRdo Ørtvgráphyco. Nein as du antygu. Escreuew covmv qverew & lhes apetece. #EncuantoNusDeixam

  1. Suposição: crença sustentada sem prova ou conhecimento certo; uma hipótese não fundamentada à luz11 da experiência empírica; “os portugueses sempre votaram na suposição de que seria dessa vez que o novo governo do ps/d baixaria os impostos”, Mário Centavo, Opera Omnia, vol. 9.
  2. Indiferente: aquilo que em quase todas as situações qualquer um gostaria de afirmar que é, se o esforço valesse a pena; sentimento de indiferença12.
  3. Carga fiscal: (em Portugal) o preço que um putativo monopolista cobra numa economia concorrencial a entidades que pretendam exercer atividades económicas no país (excetuado algumas as isenções para estranjas) e que permite, ao mesmo tempo, o espanto ao ver todos os jovens e corporates locais, que podem, emigrarem para outras jurisdições.
  4. Canga: peça usada para prender uma junta de bois a um arado, o cidadão ao estado (também conhecido como tributarium iugum), o marido à mulher (coniugalis iugum), os pais à prole (parentale iugum), e o dono ao cão (trela ou lorum).
  5. Reforma: situação que torna, em Portugal, as pessoas opostas às reformas; medida que é, em Portugal, oposta pelos reformados, porque é vista como uma ameaça ao seu modo de vida; “Não há reformas dignas desse nome em Portugal, porque tanto reformados como reformadores se lhes opõem”, Pe. Mário Centavo, Opera Omnia, vol. 11.
  6. Estão documentados vários exemplos de pessoas pagarem este imposto fixo não só por si, mas também por irmãos mais necessitados. Um dos mais conhecidos é narrado em Mt 17, 24-27: “Quando eles chegaram a Cafarnaum, os cobradores dos impostos do templo foram ter com Pedro e disseram: «O vosso Mestre não paga o imposto do templo?». Ele disse: «Sim». Ao chegar a casa, Jesus antecipou-se-lhe, dizendo: «Que te parece, Simão? De quem é que os reis da terra recebem impostos ou contribuições? Dos seus filhos ou dos estrangeiros?». Tendo ele dito: «Dos estrangeiros», disse-lhe Jesus: «Portanto, os filhos estão isentos. Mas, para que não sejamos para eles motivo de escândalo, vai ao mar, lança o anzol e apanha o primeiro peixe que vier; ao abrir-lhe a boca, encontrarás uma moeda. Toma-a e dá-lhes por mim e por ti»”. De notar que Nosso Senhor Jesus Cristo, apesar de estar isento, não só pagava o imposto fixo, mas também ficou conhecido por ter feito uma contribuição voluntária de valor incalculável que foi mais que suficiente para o estabelecimento de um novo Templo, reconstruído em três dias.
  7. Esquecimento: sintoma neurológico passageiro que ocorre em alunos que recebem trabalhos para casa irregularmente; uma bênção que Deus Nosso Senhor dá aos devedores em compensação da sua pobreza em frugalidade, previdência13 & consciência14.
  8. Mas não na manutenção dos governantes15, Moisés e colegas, que trabalhavam então no governo pro bono, um exemplo que nunca foi seguido na nossa républica.
  9. De notar que não eram apenas as ofertas que eram usadas para financiar as obras públicas, mas também o imposto fixo pago por todos. Tal pode-se deduzir do relatório de contas apresentado à assembleia (apesar de teocrático, o estado israelita era um exemplo de transparência e accountability, que não ficaria nada mal a muitas republicas democráticas, incluindo a nossa, tentarem imitar): “A prata proveniente do recenseamento da comunidade contabilizou cem talentos e mil setecentos e setenta e cinco siclos, pelo siclo do santuário: meio siclo por cabeça, segundo o siclo do santuário, por todos os que passaram pelo recenseamento, de vinte anos para cima, em número de seiscentos e três mil, quinhentos e cinquenta. Foram cem talentos de prata para fundir as bases do santuário e as bases do véu; para as cem bases, cem talentos: um talento para cada base. Com os mil setecentos e setenta e cinco siclos fez os ganchos para as colunas, revestiu os seus capitéis e colocou as varas.” (Êxodo, 39, 25-28; ver versículos seguintes para relatório sobre execução orçamental das contribuições voluntárias)
  10. Dar: oferta feita na esperança de receber algo de mais valioso no futuro próximo ou para alívio do peso de uma simpatia recebida no passado; pagamento em espécie que um comerciante faz ao cliente de quem recebeu algum dinheiro.
  11. Luz: o Estádio do Benfica; radiação eletromagnética detetável pelo olho e que torna visível o sorriso do eng. Costa; contrapõe-se a trevas, situação em que não conseguimos perceber o sorriso do eng. Costa; “a quem não consegue ver a luz deve-se deixar sentir o calor”, Pe. Mário Centavo, Opera Omnia, vol. 101.
  12. Indiferença: sentimento oposto ao ódio16; paixão que alimenta a perpetuação do sofrimento alheio e a erosão da dignidade humana no sistema judicial, de saúde, tributário e educativo que temos; sentimento oposto ao amor.
  13. Previdência: dote peculiar dos nossos governantes que lhes permite saber, ao anunciar e antes de as implementar, que as suas medidas & políticas governamentais vão ser um enorme sucesso; contrapõe-se a retrospeto, que só acontece quando ocorre Pedrogão Grande, há notícias sobre os hospitais do sns, se efetuam exames de aferição nas escolas, ou quando há eleições.
  14. Consciência: segundo os antigos: digestão ou indigestão espiritual de opções feitas e a fazer que, em casos graves, exige tratamento pela confissão; segundo os modernos (freudianos & co.): digestão ou indigestão estomacal de opções feitas e a fazer que pode afetar negativamente a atividade cerebral e exigir, em casos mais graves, a psicanalise.
  15. Governante: profissional sem qualificações específicas que trabalha no guverno da capital para o aumento do seu capital; chama-se autarca a quem o faz nos guvernos locais; pessoa que habilmente guverna o seu capital.
  16. Ódio: o mesmo que o amor, a caridade & a estima, mas em sentido inverso: “amor e ódio são um mesmo caminho, mas em sentido inverso”, Mário Centavo, Opera Omnia, vol. 13; o sentimento habitual & adequado por ocasião da entronização de um rival, quando alguém nos pisa os calos, quando a pessoa amada se afasta, ou quando se vai para o Inferno, entre outros; a espécie mais difundida & comum de amor; amor infernal.