Nunca como ontem a importância de Portugal na Europa dependeu tanto de um jantar. Não estou a falar da refeição desenxabida que os jogadores da selecção ingeriram na véspera do jogo de hoje, com a alface pesada ao grama e os grãos de quinoa contabilizados por nutricionistas cujo único objectivo é retirar o prazer da comida, equiparando o acto de comer ao de levar o carro à revisão. Refiro-me ao jantar de chefes de Governo que teve lugar ontem em Bruxelas, onde se terá decidido (ou não, não sei bem, não fiquei acordado para saber, mas a bem deste texto vamos assumir que sim) que António Costa será o próximo Presidente do Conselho Europeu. É o nome mais consensual entre os líderes das grandes famílias políticas europeias. Pelos vistos, a consensualidade de António Costa é apreciada lá fora.

Depois de Durão Barroso à frente da Comissão Europeia e de António Guterres como Secretário-geral da ONU, António Costa é o próximo a prestigiar o país através do desempenho de um cargo destacado numa instituição internacional. Hoje, os portugueses acordaram orgulhosos por terem mais um compatriota a frequentar os gabinetes do poder durante a hora do expediente – e não de madrugada, quando é feita a faxina.

Mesmo um português que não goste de António Costa não deixa de se sentir satisfeito com esta nomeação. É um dos nossos que está no topo, há um cheirinho a sucesso que passa para todos, por partilha de passaporte. Bebe o mesmo café Delta, a mesma Sagres, vibra com o Benfica e com a selecção, apanha carreirinhas no Algarve. Comparado com um estrangeiro é quase família. Um tipo tem um furo a chegar a Grenoble e sente-se mais tranquilo por o Presidente do Conselho Europeu ser português. Sabe que se for preciso puxar dos galões, ele fala com o ACP lá do sítio e resolve.

Neste momento, António Costa é o segundo português com mais solicitações no telemóvel. O primeiro, como é evidente, é o seu filho. Deve estar a receber tantos pedidos que mais parece um DJ num casamento a partir das 3h. Se o filho do Presidente da República tem influência para que que duas gémeas brasileiras recebam um medicamento de 2 milhões de euros, o filho do Presidente do Conselho Europeu deve conseguir tratamentos médicos ainda mais impressionantes. Eu aposto que tem acesso a ressuscitamentos. Vão-se meter mais cunhas a Pedro Costa do que em mesas de uma esplanada em empedrado.

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A presidência do Conselho Europeu não é o único emprego que António Costa arranjou. Ontem começou como comentador no novo canal NOW, onde vai ter um programa chamado “Optimista” em que mostra o que de melhor se faz no país. Não sei como é que os espectadores vão reagir à incoerência, uma vez que ao mesmo tempo que louva Portugal, António Costa pisga-se para o estrangeiro. Seja como for, para quem não é tido como um reformador, António Costa tratou bem da sua reforma.

Em Novembro passado, quando se demitiu de Primeiro-Ministro, António Costa parecia estar na mó de baixo. É do conhecimento geral que se trata da pior das mós. Hoje, passados 7 meses, está numa mó muito superior. Talvez ainda não na mó de cima, mas numa mó mais perto do topo. Em vez de um trabalho complicado, em que toda a gente o aborrece com decisões, tem agora dois levezinhos, em que só tem de falar. Um dia, António Costa disse que nunca seria Presidente da República porque só gosta de cargos executivos. Deve ter mudado ligeiramente de opinião: só gosta de cargos em que voa em executiva.

A vida está a correr tão bem a António Costa que a patranha que Vítor Escária contou ao MP, de que não se lembra de ter guardado o dinheiro na estante do escritório, começa a parecer verídica. Não sendo Escária, teria de ser Costa, para precipitar a sua demissão e chegar mais depressa aonde está agora. Obviamente, não foi nada disso que aconteceu. Foi apenas uma daquelas coincidências benfazejas em que Portugal é pródigo e que pode perfeitamente ser tema de um dos próximos episódios do “Optimista”.