São três temas que, melhor ou pior, reflectem aquilo que foi o que não se fez na quase última década e os condicionalismos políticos em que vivemos, em parte por escolha de Luís Montenegro.

Comecemos pelas contas públicas. O ministro das Finanças Joaquim Miranda Sarmento disse-o e o primeiro-ministro repetiu, desdramatizando, durante o fim de semana: o anterior Governo deixou as contas públicas numa situação pior do que anunciou, especialmente porque, afirma Luís Montenegro, aprovou “resoluções sem cabimentação orçamental entre as quais 116 resoluções do Conselho de Ministros, 43 das quais sem terem cabimentação orçamental, num volume de cerca de 1200 milhões de euros”. Apesar disso, o primeiro-ministro desdramatiza e promete gerir a situação.

Claro que isto nos traz à memória as sucessivas dramatizações das contas públicas, iniciadas com a famosa frase “o país está de tanga” de José Manuel Durão Barroso que, na altura, pediu ao Banco de Portugal, liderado por Vítor Constâncio, para as avaliar. Recebeu depois o mesmo tratamento por parte de José Sócrates que, quando chegou ao poder, pediu também ao banco central para avaliar a situação orçamental.  E já com a troika no país, Pedro Passos Coelho queixou-se também da herança que tinha recebido, justificando assim a necessidade de ir para além do que foi acordado com as instituições europeias e o FMI.

No caso de Durão Barroso e especialmente de José Sócrates sabemos como tudo terminou: com o país sem condições financeiras para satisfazer os seus compromissos. Claro que Luís Montenegro foi prudente na sua abordagem, tentando conciliar aqueles que são os objeticos políticos – de moderar as reivindicações – com a imagem que Portugal tem de manter, de rigor orçamental, para não criar desconfiança nos investidores internacionais. O Governo sabe bem que assustar quem empresta dinheiro ao Estado português significa, no mínimo, pagar juros mais altos pelo financiamento – com impacto também nas empresas e famílias – e, num limite dramático, ficar até sem acesso a empréstimos no caso de uma tempestade financeira, como aliás aconteceu em 2011.

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Usar as contas públicas como ferramenta de combate político é um perigo, pelos custos que pode ter, uma vez que, verdadeiramente, e apesar dos relatórios mensais que são produzidos, ninguém consegue dizer, com excepção dos governantes estes e anteriores, se as contas estão ou não certas. Fernando Medina, o ex-ministro das Finanças foi bastante assertivo a desmentir o seu sucessor acusando-o de “impreparação técnica” ou “falsidade”.

De facto, não podemos projectar para o ano inteiro os valores do primeiro trimestre, divulgados pela Direcção Geral do Orçamento, comparando-os com o excedente de 0,3% do PIB que o Governo apresentou no Programa de Estabilidade. E isso, por duas ordens de razão. Primeiro porque os dados apresentados são numa óptica de caixa, ou seja, de entrada e saída de dinheiro, enquanto as contas a apresentar a Bruxelas são construídas numa perspetiva de compromisso. Em segundo lugar porque os primeiros meses do ano podem ser pouco ou nada representativos, reflectindo pagamentos do ano anterior.

De facto, quando olhamos para os relatórios da Direcção Geral do Orçamento dos últimos três anos, relativos ao primeiro trimestre, verificamos que o aumento da despesa excluindo os juros (despesa primária) foi de quase de 20% (19,9%) nos primeiros três meses deste ano quando se compara com 2023, quando essa subida foi de apenas 6,5% o ano passado e 0,1% em 2022.

As justificações apresentadas pela ex-equipa das Finanças estão relacionadas com despesas que não se repetem, algumas delas até a contabilizar em 2023. O valor mais elevado é o da transferência para o Fundo Ambiental (561 milhões de euros] a que se juntam cerca de 100 milhões de euros para a Ucrânia e ainda ajudas aos agricultores por causa da seca. Há ainda um pagamento à EDP na sequência da decisão dos tribunais sobre a barragem do Fridão, mas que na óptica que interessa a Bruxelas terá de ser contabilizada em 2023, o ano em que a sentença foi proferida.

Tudo isto parece revelar que a principal razão para as acusações do actual Governo está relacionada com o combate político e com a necessidade de moderar as expectativas das negociações com os professores, os profissionais de saúde, os polícias e os oficiais de justiça. Seja como for, não deixa de ser perigoso para o país, especialmente quando não existe uma maioria absoluta e o Parlamento entrou num processo de irracionalidade, como se demonstrou com a decisão de eliminar as portagens das designadas ex-Scuts.

A falta de controlo que o Governo pode ter sobre a despesa pública, se pode levar a que se compreenda essa dramatização, cria simultaneamente o perigo de gerar uma desconfiança acima daquela que seria razoável. Luís Montenegro não está a começar bem a sua governação, embora seja manifestamente exagerado dizer, com o fez Pedro Nuno Santos, que não se lembra de nenhum Governo ter começado tão mal. Basta pensar no que foi a maioria absoluta de António Costa e também reconhecer que alguns dos problemas do actual Governo – como o caso das ex-Scuts – foram criados pelo próprio PS.

O maior problema do actual Governo, e até dos próximos, está relacionado com a forma como se conseguiram os excedentes orçamentais, à custa do investimento público que tem conduzido à degradação dos serviços públicos. Esta análise do jornal Eco mostra bem a falta de investimento da última década, que vai ter de ser corrigido, sob pena de continuarmos a ter serviços públicos cada vez piores, com impacto na vida dos cidadãos e das empresas e, como tal, no crescimento da economia. É esta falta de investimento que cria fatores graves de insustentabilidade nas contas públicas.

Falemos agora brevemente sobre os outros dois temas.

Comecemos pelo Manifesto da Justiça. Subscrito por 50 personalidades que nos merecem o maior respeito, algumas delas com reflexão sobre a Justiça, peca fundamentalmente pela oportunidade e o pretexto escolhido – os processos judiciais que envolvem a classe política. Há muito que se sabe que temos problemas graves na Justiça, que prejudicam as empresas e os cidadãos, condicionam o nosso crescimento e limitam, para dizer o mínimo, o Estado de Direito que devíamos ser. Do ponto de vista da opinião pública em geral, é lamentável assistir às manobras que a legislação permite para adiar julgamentos como os de José Sócrates, Manuel Pinho ou Ricardo Salgado. Nada disto preocupou o Governo anterior nem alguns dos subscritores deste manifesto, nada disto levou a mudar nada. E é quando a classe política está mais envolvida que vemos este tipo de apelos? Não percebem a mensagem que estão a enviar e que foi bastante clara na manchete do Correio da Manhã – “Poderosos querem travar escutas e buscas”? Continuamos a contribuir para o populismo.

Finalmente o ataque racista a imigrantes no Porto para deixar apenas uma questão. É preciso chegarmos a este ponto e quem sabe a acontecimentos mais graves para percebermos que temos um problema com a imigração e a sua relação com as comunidades locais? Já tínhamos falado deste tema por aqui, apelando a que se tratasse o assuntoem vez de atacar Pedro Passos Coelho pelo alerta que deixou. Claro que o que aconteceu no Porto merece toda a nossa condenação, mas é um alerta para um problema que corre o sério risco de se avolumar e agravar. Só quem vive na protecção da corte não perceber o que se está a passar.